Entre a religião e o Estado: quando fé e carreira entram em choque

Desde que o governo de Quebec proibiu funcionárias públicas de usarem símbolos religiosos no trabalho, as pessoas vêm enfrentando as consequências

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Por Dan Bilefsky

MONTREAL — Uma advogada muçulmana que usa o véu na cabeça, o hijab, abandonou seu sonho de se tornar promotora pública. Uma professora Sikh com seu turbante mudou-se de Quebec para Vancouver, que fica a 4.500 quilômetros de distância, e se qualifica como “uma refugiada em seu próprio país”. E uma professora judia ortodoxa, que cobre os cabelos com um lenço teme que ficará impedida de conseguir uma promoção.

Desde que o governo de Quebec, em junho, proibiu funcionárias públicas de usarem símbolos religiosos no trabalho, as pessoas vêm enfrentando as consequências.

Nour Farhat só pode atuar como promotora pública se remover seu hijab. Foto: Nasuna Stuart-Ulin / The New York Times

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François Legault, premiê do Quebec, um político de direita, diz que a lei – que se aplica aos véus usados pelas muçulmanas, os turbantes sikh, o lenço de cabeça ou os quipás usados pelos judeus, a cruz dos católicos e outros símbolos – respalda a separação entre religião e Estado e preserva a neutralidade dos funcionários do setor público. O governo enfatizou que a vasta maioria dos quebequenses apoia a lei.

“Não me sentiria tranquila diante de uma juíza ou uma advogada no tribunal se estivessem com a cabeça envolta num véu porque me preocuparia com relação à sua neutralidade”, afirmou Radhia Bem Amor, coordenadora de pesquisa na universidade de Montreal, que é muçulmana e disse que mudou-se da Tunísia para viver num país mais secular.

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Mas a lei tem gerado protestos, ações na justiça e foi condenada pelo primeiro ministro Justin Trudeau. Para os que criticam o dispositivo legal, ele despreza a liberdade de religião, viola as proteções constitucionais e exclui minorias de profissões vitais. E afirmam também que sua implementação será complicada e preocupante porque é difícil discernir um símbolo religioso de um acessório de moda.

Segundo a Direção da English Montreal School, a lei a obriga a afastar professores qualificados. A organização Coalition Inclusion Quebec, que abrange católicos, judeus, sikhs e muçulmanos está contestando essa lei na Justiça.

A proibição tem suas raízes na evolução histórica do Quebec, que se transformou numa sociedade secular com uma desconfiança visceral da religião, que se originou da chamada Revolução Tranquila nos anos 1960, quando os habitantes do Quebec se revoltaram contra o domínio da Igreja Católica Romana.

Jean Duhaime, professor emérito de religião na universidade de Montreal, disse que o uso de cruzes no setor público foi estigmatiza, e os proponentes da lei consideram o véu usado pelas muçulmanas um “fantasma da religião ressurgindo no Quebec”.

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Nour Farhat, de 28 anos, sonhava em se tornar promotora pública do Quebec. Agora ela representa o sindicato dos professores que impetrou ação contra a proibição. Durante seu estágio numa agência de governo do Quebec, ela compareceu diante de um juiz portando véu na cabeça. Mas a proibição entrou em vigor algumas semanas depois de ela se formar em direito criminal. “Meu sonho foi destruído”, afirmou.

A lei foi aprovada no dia em que Amrit Kaur, sikh de 29 anos, recebeu seu diploma de professora. “O fato de o Quebec exigir que eu tire meu turbante é como exigir que eu ampute um membro”, enfatizou.

Como irá ensinar para as crianças o que é tolerância quando ela está proibida de usar no trabalho um símbolo da sua fé? Os pais das crianças do colégio onde Carolyn Gehr é professora a elogiam como exemplo para as jovens. Mas como judia ortodoxa, ela teme não ser promovida a vice-diretora por causa do lenço que usa na cabeça. “A ideia de que eu devo ser punida por causa do lenço na cabeça é ofensiva”. 

Carolyn, de 37 anos, que cobre sua cabeça com um lenço para simbolizar seu compromisso marital, acrescentou: “O governo do Quebec não compreende que as regras religiosas não são algo que você pode deixar na porta”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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