Efeito adverso de vacina da covid levanta questão sobre segurança de anticoncepcionais

Cientistas estavam preocupados com a possibilidade de trombos relacionados à vacina da J&J e algumas mulheres questionaram se não deveria haver uma maior preocupação com pílulas anticoncepcionais

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Por Apoorva Mandavilli
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Em abril, quando a Food And Drug Administration (FDA) suspendeu o uso da vacina da Johnson & Johnson contra a covid-19 a fim de avaliar o risco de coágulos sanguíneos em mulheres abaixo dos 50 anos, os cientistas destacaram que os coágulos associados às pílulas anticoncepcionais para o controle da natalidade eram muito mais comuns.

Com esta comparação, pretendia-se tranquilizar as mulheres quanto à segurança da vacina. Ao contrário, ela provocou revolta em alguns grupos - não por causa da suspensão, mas porque a maioria dos contraceptivos disponíveis no mercado para as mulheres é centenas de vezes mais perigosa, e alternativas mais seguras ainda não estão em vista.

Kelly Tyrrell foi aconselhada a parar de tomar estrogênio após a descoberta de coágulos de sangue em seus pulmões. Foto: Lauren Justice/The New York Times

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Os trombos, coágulos relacionados à vacina seriam muito perigosos no cérebro, enquanto as pílulas contraceptivas aumentam as chances de um coágulo na perna ou no pulmão - fato rapidamente observado por muitos especialistas. Mas a distinção fazia pouca diferença para algumas mulheres.

“Onde estavam as preocupações gerais com os coágulos quando começamos a dar a pílula a meninas de 14 anos?”, escreveu uma delas no Twitter.

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Outra afirmou: “Se o controle de natalidade fosse feito para os homens, teria sabor de bacon e seria gratuito”.

Outras ainda ouviram, nas redes sociais e em outros lugares, que não deveriam se queixar porque haviam optado por tomar a pílula cientes dos riscos envolvidos.

“Isto só fortaleceu minha decisão”, disse Mia Brett, especialista em história do direito nos campos da raça e da sexualidade na Stony Brook University, em Nova York. “Trata-se de uma reação muito comum quando se trata da saúde da mulher - nós enfatizamos algo e ele é deixado de lado”.

A fúria on-line era bastante conhecida pelos especialistas em saúde da mulher.

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“Elas têm que estar irritadas - a saúde da mulher não recebe atenção igual”, disse Eve Feinberg, endocrinologista da reprodução e especialista em infertilidade na Northwestern University. “Há um enorme preconceito sexual em toda a medicina”.

Feinberg e muitas mulheres reconhecem que os contraceptivos deram às mulheres o controle sobre a sua fertilidade, e os seus benefícios ultrapassam consideravelmente os danos.

Rebecca Fishbein, redatora de cultura de 31 anos, começou a tuitar sobre a inadequação das pílulas anticoncepcionais quase imediatamente após o anúncio da suspensão.

No entanto, "o controle da natalidade é uma invenção incrível; graças a Deus, nós temos isto", ela disse em abril em uma entrevista. “Vou brigar com quem tentar tirá-lo”.

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 Os métodos anticoncepcionais também foram sendo aprimorados ao longo dos anos, com os dispositivos intrauterinos e as opções orais que hoje oferecem uma dose de estrógeno ultra pequena.

“Em geral, ela é incrivelmente segura”, acrescentou Feinberg. “Tudo o que fazemos implica em riscos”.

Mas ela afirmou que é imprescindível que os profissionais de saúde discutam os riscos com as suas pacientes e as preparem para que possam lidar com sintomas que inspiram preocupação - uma conversa que muitas mulheres afirmam nunca ter tido.

Kelly Tyrrell, profissional de comunicações de Madison, Wisconsin, tinha 37 anos quando os médicos descobriram coágulos que apresentavam possível risco nos seus pulmões.

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Kelly é uma atleta de prova de resistência - magra, forte, e não propensa a crises de ansiedade. No início de 2019, ao acordar começou a sentir uma dor na panturrilha esquerda. Depois de uma manhã particularmente ruim, teve de procurar a emergência de um hospital. Ali foi constatado que ela tinha níveis particularmente elevados de “D-dímero”, um fragmento de proteína que indica a presença de coágulos.

Ela tomava pílulas anticoncepcionais havia 25 anos, mas nenhum dos médicos consultados havia estabelecido uma relação com este fato. Ao contrário, eles disseram que, considerando a sua idade, sua boa forma física e a ausência de outros fatores de risco, os seus sintomas dificilmente seriam de um coágulo. E a mandaram para casa recomendando que fizesse alongamentos com o músculo da panturrilha.

Um dia, enquanto corria no Havaí, depois do funeral de sua avó, ela sentiu um aperto no peito, os médicos disseram que a causa era, provavelmente, estresse e ansiedade. Em julho de 2019, ela concluiu a corrida de 100 km no Colorado e supôs que os pulmões doloridos e os lábios roxos fossem o resultado da corrida de 19 horas a grande altitude.

Mas Kelly intuiu que algo estava muito errado na manhã de 24 de outubro de 2019, ao experimentar dificuldade para respirar depois de subir um breve lance de escadas.

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Kelly Tyrrell, uma corredora de ultramaratona, em uma corrida em Madison, Wisconsin. Foto: Lauren Justice/he New York Times

Desta vez, os médicos, depois de descartarem problemas cardíacos, a submeteram a uma tomografia dos pulmões e descobriram inúmeros coágulos. Um trombo havia bloqueado o fluxo sanguíneo de uma parte do seu pulmão direito.

“Caí no choro”, lembrou Kelly.

Os médicos prescreveram remédios anticoagulantes - e disseram que ela nunca mais deveria tocar em estrógeno na vida. Kelly então colocou um DIU de cobre. Com o tempo, o incidente se transformou em uma revolta enorme para ela, principalmente depois da notícia da Johnson & Johnson.

“Em parte, a minha raiva era o fato de que uma medicação que eu tomava para controlar a minha fertilidade estava ameaçando a minha própria vida”, afirmou. “Estou furiosa por jamais ter sido aconselhada melhor a respeito dos riscos, ou mesmo sobre o que eu deveria procurar.”

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O médico de Emily Farris, 36 anos, prescreveu contraceptivos orais quando ela tinha 8 anos, para tentar tratar de suas crises de enxaqueca. Em todas as conversas que ela teve com muitos médicos ao longo dos anos, “nem uma vez foi mencionada a possibilidade de coágulos”, contou em uma entrevista.

No Twitter, alguns críticos destacaram que as bulas de anticoncepcionais descrevem claramente os riscos de coágulos.

“Eu estou um pouco incrédula quando a isso”, disse Farris, uma cientista política da Texas Christian University, em Fort Worth.

As bulas usadas para várias medicações têm uma longa lista de possíveis efeitos colaterais, o que representa “uma grande responsabilidade para as pessoas que tentam escolher entre as pesquisas médicas, e o significado da probabilidade e da estatística”, afirmou.

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Mesmo com uma formação de doutorado, “eu não tenho condições de avaliar estes riscos”, acrescentou. “Acho que a maioria dos americanos precisa de alguém que traduza o que significa em termos reais a linguagem jurídica das bulas”.

Para Tyrrell, esta elucidação chegou tarde demais. Os seus pulmões não são mais os mesmos desde o diagnóstico, mas ela não tem como saber com certeza se isto foi por causa do dano prolongado provocado por um antigo coágulo, pelos novos coágulos com os quais ela deveria se preocupar ou simplesmente por sua idade: “Nunca vou tirar isto da minha cabeça”, concluiu. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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