Em meados de maio, Katelyn Schiller, atriz especializada em trabalho criativo e imersivo, começou os ensaios para uma nova apresentação, uma versão solo de A tempestade, de Shakespeare. No papel de Próspero, um feiticeiro com espírito de vingança, ela também atuaria como diretora assistente, diretora de palco, aderecista, supervisora de figurinos e coordenadora de efeitos especiais. "É animal", disse ela, durante uma videochamada no final de junho.
O projeto “The Under Presents: Tempest” é o seu primeiro no estilo tecnológico: uma peça ao vivo, com roteiro participativo, que você assiste em casa, usando um fone de ouvido de realidade virtual. Depois de comprar um ingresso por US$ 14,99 (uma compra no aplicativo dentro de um jogo esotérico de realidade virtual, "The Under Presents”), e ativá-lo em um horário definido, você chega ao saguão do teatro virtual, com seu avatar vestido com uma capa preta e uma máscara brilhante.
Você não pode falar, mas pode gesticular. Um ator em live-action - Katelyn no meu caso - leva você e seis ou sete outros espectadores da plateia a uma fogueira nas colinas de Hollywood, em seguida para a ilha de Próspero e depois de volta à fogueira para marshmallows e uma festa para dançar. Em meio a uma pandemia que torna impossível a maioria das formas de teatro, ou pelo menos desaconselhável, Tempest e vários outros projetos estão experimentando atores em live-action e espectadores da plateia reunidos em tempo real em um espaço compartilhado durante intervalos precisos.
O que soa como teatro. Às vezes, até parece teatro. Este é um mundo novo e corajoso para apresentações ao vivo? Ou apenas outro aplicativo? A realidade virtual (RV) tornou-se disponível para os consumidores na década de 1990, embora seus fones não tenham caído no gosto até meados de 2010, quando uma enxurrada foi lançada. Mesmo assim, os usuários chegaram a esse ponto aos poucos, por razões que incluem um preço elevado, o ruído da maioria dos fones de ouvido e controles, o mal-estar pelos movimentos que alguns experimentam e uma aparente falta de software atrativo.
Os números de vendas apresentaram tendência de queda no início deste ano, outra consequência da covid-19. Ainda assim, em tempos pré-pandêmicos, a RV forneceu suporte para a experimentação narrativa, com o Tribeca Film Festival’s Virtual Arcade, a plataforma New Frontiers do Sundance Film Festival e o Future of Storytelling Summit hospedando experiências virtuais. Muitas dessas experiências têm uma dívida com o teatro, indiscutivelmente a realidade virtual original.
Uma configuração de RV, que dá ao usuário a liberdade de focar em qualquer lugar dentro de sua visão de 360 graus, talvez tenha mais em comum com o teatro, onde um espectador escolhe o ponto que deseja focar do que com um filme, onde o diretor o faz. "Você não pode enquadrar a realidade virtual", disse Yelena Rachitsky, produtora executiva de experiências na Oculus, uma empresa de realidade virtual do Facebook.
"Você realmente não pode criar cortes; você precisa usar técnicas de teatro para chamar a atenção.” Embora o teatro possa demorar a adotar novas tecnologias (pense em quanto tempo demorou-se para usar projeções), algumas empresas, como o National Theatre e a Royal Shakespeare Company, na Inglaterra, têm experimentado isso. Se a pandemia não tivesse interferido, David Byrne teria continuado a série da Broadway de American Utopia com Theatre of the Mind, um híbrido de teatro-realidade virtual que deveria estrear no Denver Center for the Performing Arts neste verão.
Theatre of the Mind integra atores em live-action em RV, assim como vários outros projetos, como Jack: Part One, uma variação de João e o pé de feijão; ou Somnai, uma exploração do sonho lúcido; ou Scarecrow, um choque espantoso. Mas, até bem recentemente, era preciso chegar a um festival ou galeria em particular ou a um espaço preparado para apreciá-los, principalmente porque eles exigiam tecnologia especializada - como um piso tátil, que responde a passos ou a uma plataforma de captura de movimento - ou a presença física de uma mão em seu ombro.
Isso está mudando. Para participar de Tempest, da empresa de RV / AR, Tender Claws, ou "Dr. Crumb’s School for Disobedient Pets”, uma experiência na sala de fuga com um anfitrião ao vivo, lançada pela Adventure Lab em maio, ou de uma performance gerada pelo usuário no bate-papo em RV, eu só precisava chegar - e, depois que meu fone de ouvido estava ligado, esbarrar em - minha mesa. Híbridos de RV e experiência imersiva, eles são acessíveis a partir de qualquer lugar que conte com Wi-Fi.
Por que mais híbridos não chegaram aos fones dos consumidores? É uma questão financeira e imaginativa. Quando um jogo típico é lançado, milhares - ou milhões - de pessoas podem jogar no mesmo dia. Mas uma experiência imersiva de RV pode contratar e treinar apenas alguns atores, e esses atores podem guiar apenas algumas pessoas, uma barreira para atrair e recuperar investimentos. Especialmente porque os atores são um custo contínuo.
Quando Max Planck e Kimberly Adams, fundadores do Adventure Lab, apresentaram "Dr. Crumb’s "para os investidores, eles foram recebidos com hesitação. As pessoas com dinheiro queriam saber como se poderia ampliar uma experiência íntima com um ator para inúmeros jogadores. Não se pode, na verdade. Mas, novamente, isso também se aplica ao teatro convencional. Samantha Gorman, fundadora da Tender Claws, argumentou que você pode precisar mais de pessoas “no estranho espectro artístico” do que no espectro de jogos ou tecnologia para assumir riscos financeiros e criativos.
Ela começou a experimentar atores em live-action há alguns anos, colaborando com a companhia de teatro Piehole para criar "The Under Presents", um jogo lançado em novembro, que às vezes incorpora atores em live-action em seu cenário de cabaré. No lugar de atores humanos, a maioria dos desenvolvedores tentará tornar os personagens de inteligência artificial mais realistas. "A tecnologia quer uma solução tecnológica", disse Noah J. Nelson, que fundou um site dedicado à experiência imersiva. "Eles não querem um ator. Tipo, 'Olha, podemos conseguir um bot para fazer isso?' ”
Conseguir um ator para fazer o que um bot pode fazer não é fácil. Katelyn brinca que, quando ela usou um equipamento de realidade virtual pela primeira vez, esqueceu de como atuar. "Todas as ferramentas que eu tinha - preenchendo o espaço, verificando a temperatura emocional da sala - eram completamente inúteis", disse ela. Tara Ahmadinejad, fundadora da Piehole que deu consultoria para Tempest, descreveu a atuação em RV como algo mais próximo das marionetes ou da commedia dell'arte.
"Você precisa descobrir como seus movimentos correspondem aos movimentos do seu avatar, porque eles são relacionados, mas não são os mesmos", disse ela. O formato durará mais que o momento? A IA que pode interagir com credibilidade com o público - um teste de Turing teatral - não pode estar muito distante. E a animação via RV pode não parecer tão necessária quando os teatros voltarem a funcionar.
Mas o Adventure Lab tem outras aventuras de “Dr. Crumb’s" planejadas - uma no espaço e outra debaixo d'água. E está disponibilizando seu esboço para outros desenvolvedores. Nenhum desses projetos está tentando replicar ou substituir o teatro. Mas eles estão trabalhando com o que queremos da presença e participação, público e ator. "Com a RV você não se limita à realidade", disse Yelena. "Você é limitado apenas pela imaginação. O material mais legal ainda está por vir.”
TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.