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Uma luta contra a imigração na Flórida divide os cubanos que chegaram quando crianças

Beneficiários de um programa que reassentou jovens cubanos décadas atrás ficaram indignados depois que o arcebispo de Miami os comparou aos menores desacompanhados de hoje

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Por Patricia Mazzei

THE NEW YORK TIMES LIFE/STYLE - MIAMI - O estado estava ameaçando a capacidade da Igreja Católica Romana de abrigar crianças imigrantes quando o arcebispo Thomas G. Wenski, de Miami, atacou a jugular emocional do sul da Flórida: ele comparou as crianças desacompanhadas que atravessavam a fronteira hoje com aquelas que fugiram da Cuba comunista seis décadas atrás sem seus pais.

Ofendidos pela comparação, cubano-americanos furiosos ligaram para rádios de língua espanhola. Eles escreveram cartas ao editor. Uma discussão no Museu Americano da Diáspora Cubana para denunciar os comentários do arcebispo se tornou sentimental. O governador Ron DeSantis, um republicano que instruiu seu governo a parar de renovar as licenças de abrigos, chamou a comparação com exilados cubanos que chegaram legalmente de “repugnante”.

Carmen Valdivia, diretora executiva do Museu Americano da Diáspora Cubana, em Miami Foto: Melanie Metz

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Wenski e seus apoiadores, incluindo um grupo diferente de cubano-americanos, pressionaram. Uma coletiva de imprensa para acusar o governador de politicagem quando a vida das crianças estava em jogo. A aparição de um menino hondurenho desacompanhado que havia se reunido recentemente com seus pais nos Estados Unidos. E, nas semanas seguintes, um ataque de anúncios de rádio acusando o governador de ser indiferente.

Mesmo na ruidosa política de Miami, a confusão tem sido impressionante, expondo uma profunda divisão entre os ex-filhos da Operação Pedro Pan, o programa secreto administrado pela Igreja Católica com a ajuda do Departamento de Estado que reassentou cerca de 14 mil jovens cubanos após a revolução de 1959 na ilha. No passado, os beneficiários do programa, conhecidos como Pedro Pans, evitavam amplamente divulgar as divergências internas. Mas para alguns Pedro Pans hoje, ou a comparação de Wenski foi longe demais – ou a política de DeSantis foi.

“Somos irmãos e irmãs e não brigamos uns com os outros”, disse Carmen Valdivia, que chegou aos 12 anos em 1962. Mas, acrescentou, o arcebispo e seus aliados “nos inseriram” no debate. “E eu lamento por isso.”

A imigração já parecia intocável como questão política na Flórida, quando os republicanos temiam que adotar medidas duras afastaria os hispânicos, que representam mais de um quarto da população do estado. O presidente Donald Trump mudou isso quando venceu na Flórida em 2016, enquanto adotava uma linha dura em relação à imigração. DeSantis fez o mesmo dois anos depois.

Novas leis estaduais se seguiram: em 2019, DeSantis e o Legislativo controlado pelos republicanos proibiram as chamadas cidades e condados santuários, embora a maioria dos analistas concordasse que a Flórida não tinha nenhuma. No ano passado, um juiz federal derrubou partes da lei, chamando-a de motivada racialmente. O Estado recorreu.

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Os legisladores enviaram a DeSantis um projeto de lei que ele defendeu que proibiria agências estaduais e locais de fazer negócios com empresas que trabalham como empreiteiras federais transportando imigrantes que cruzaram a fronteira ilegalmente. O estado não identificou nenhuma dessas empresas, informou o site Politico.

Nesse clima, a analogia do arcebispo comparando crianças cubanas de 60 anos atrás com crianças principalmente da América Central agora tornou-se especialmente controversa.

A posição da Igreja é que todas as crianças merecem assistência, mesmo que cheguem ao solo americano sem documentos ou com a ajuda de contrabandistas pagos. Mas os críticos argumentam que a Operação Pedro Pan foi diferente: um esforço organizado em que crianças – a maioria de famílias de classe alta e média – chegaram em voos comerciais com isenção de visto, passaporte e carteira de vacinação.

Por estarem fugindo do comunismo, os cubano-americanos se beneficiaram de políticas especiais de imigração que lhes permitiram permanecer mais facilmente nos Estados Unidos. Eles consolidaram seu poder trabalhando com democratas e republicanos, tentando manter a questão de Cuba acima da briga partidária. Agora, como quase tudo o mais, isso também foi manchado pela polarização.

O arcebispo Thomas Wenski denunciou repetidamente o possível fechamento do abrigo Cutler Bay da igreja, que abriga 50 crianças durante a pandemia. (Melanie MetzThe Foto: Melanie Metz

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“O legado de Pedro Pan é tão limpo – uma história tão boa – e agora está preso nessa controvérsia”, lamentou Tomás Regalado, ex-prefeito de Miami e um Pedro Pan.

Em dezembro, o governador instruiu o Departamento de Crianças e Famílias da Flórida a não emitir ou renovar licenças para abrigos que hospedam menores desacompanhados que não são refugiados, dizendo que se opunha ao fato de o governo federal não informar ao estado quantos imigrantes se mudam para a Flórida ou quem eles são.

Cerca de 11 mil menores desacompanhados foram liberados para apoiadores da Flórida – abrigos, famílias adotivas e parentes – entre outubro de 2020 e setembro de 2021, e mais de 4.000 de outubro de 2021 a janeiro de 2022, de acordo com o Escritório Federal de Reassentamento de Refugiados.

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Os advogados do escritório disseram aos abrigos que eles não precisam de uma licença estadual para continuar operando. Mas a nova regra proposta pelo estado exige que um acordo de reassentamento entre os governos estadual e federal esteja em vigor antes que os abrigos possam aceitar crianças adicionais.

A diretiva do governador levou Wenski – uma figura franca com uma propensão para charutos e motocicletas e um motor acelerado como toque de celular – a escrever um ensaio em janeiro denunciando a possibilidade de que o abrigo Cutler Bay da igreja pudesse perder sua licença. Ele abriga cerca de 50 crianças agora, sob os protocolos covid-19, e é um dos mais de uma dúzia desses abrigos no estado, embora o único administrado pela Igreja Católica.

O arcebispo, filho de imigrantes poloneses, conhece as divisões étnicas e raciais de Miami. Por 18 anos, ele foi pároco de igrejas predominantemente haitianas, realizando missas na língua crioulo.

“Estava envolvido com os haitianos quando eles apareciam de barco ao mesmo tempo em que os cubanos apareciam”, lembrou.

Os cubanos eram considerados refugiados políticos e os haitianos, econômicos. “Mas se você entrevistasse qualquer um, cubano ou haitiano, eles diriam: ‘Quero trabalhar’ ou ‘Não tenho futuro em meu país de origem’”, ele disse. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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