A primeira vez que cozinhei um frango inteiro, há quase 10 anos, fiquei impressionado com o quanto meu apartamento se perfumava com o cheiro da cozinha de minha mãe. Eu não estava tentando recriar seu samgyetang, mas acabei fazendo isso, por acidente.
Fortificada com ginseng e tâmaras chinesas, esse caldo de galinha coreano é o sonho de qualquer amante de alho. Lembro-me de como o som dos dentes de alho, jogados na panela, ecoava as sílabas do nome do prato: Sam. Gye. Tang.
Mas foi o cheiro do meu caldo dourado que me transportou. Quando inalei seu aroma, o passado passou por mim como uma corrente elétrica e desatei a chorar. Cheio de nostalgia (e com um frio terrível), de repente me vi em dois lugares ao mesmo tempo: minha cozinha em Nova York e Atlanta, onde nasci e cresci em uma casa de tijolos com um pessegueiro no jardim da frente e meu quarto de infância forrado de pôsteres de Michelle Branch.
Existem muitas definições da sensação que tomou conta do meu corpo naquele dia, mas talvez a mais famosa seja a que o romancista francês Marcel Proust chamou de memória involuntária, e o que hoje às vezes chamamos de “memória proustiana”. É uma referência a uma cena em particular de seu romance de sete volumes Em Busca do Tempo Perdido, em que o narrador é subitamente tomado por memórias de infância depois de dar uma mordida em uma madeleine de limão embebida em chá.
“Assim que o líquido quente misturado com as migalhas tocou meu palato, um arrepio percorreu-me e parei, concentrado na coisa extraordinária que estava acontecendo comigo”, escreve Proust. “De onde poderia ter vindo essa alegria todo poderosa?”
Quando essas memórias espontâneas acontecem na minha vida, tento prolongar a sensação.
O que me excita na cozinha, e o que mais me dá alegria, é quando acidentalmente toco em algo velho, uma memória involuntária, algo que esqueci no fundo da minha mente, como o simples cheiro de um frango fervendo na água.
Esse é o tipo de culinária que eu gostaria de fazer mais no ano novo. Se eu resolver encontrar esses pequenos momentos de “alegria todo poderosa” na cozinha e fora dela, na minha mesa e na vida, talvez eles sejam mais propensos a se revelarem para mim. Talvez eu prove mais madeleines proustianas, e talvez eu chore mais. (Afinal, chorar traz muitos benefícios à saúde.)
Felizmente, há muitos lugares para encontrar boas madeleines mergulhadas em chá, metaforicamente falando. E quando você mais precisa de calor e socorro, o caldo de galinha é sempre uma boa pedida.
Nunca esqueci o privilégio que é cozinhar para viver. Mas há dias em que definho na cozinha, completamente farto de cozinhar. (É a limpeza que mais me destrói.) E especialmente no ano passado, quando parecia que o mundo estava desmoronando novamente, às vezes achei difícil encontrar alegria em qualquer coisa.
Cozinhar de forma reconfortante pode ser difícil se você é obrigado a fazê-lo.
O preparo de que mais gosto é assar frango. Adoro fazer uma pequena ave para mim no fim de semana, porque é quando tenho todo o tempo do mundo. Neste caso, o processo proporciona a alegria. Posso salgar e adoçar o frango no sábado, deixando-o em salmoura seca na geladeira durante a noite; no domingo, meu jantar está pronto para o forno.
A alimentação também se prolonga: o frango assado tem muitos estágios de vida - posso cozinhá-lo uma vez e comê-lo por dias. Porque amo cozinhar tanto quanto amo comer mais.
Primeiro, é o jantar, muitas vezes o lindo peito de frango, absolutamente suculento, com a pele crocante. Melhor ainda, se você é como minha mãe e eu, suas partes favoritas do frango são um segredo: as duas “ostras” embaixo da ave, escondidas atrás das coxas, macias e escorregadias com schmaltz. Uma para cada um de nós.
Depois dessa primeira refeição, gosto de tirar o resto da carne dos ossos para fazer todo tipo de refeição ao longo da semana. Então - e esta pode ser minha parte favorita - transformo a carcaça em caldo com os pedaços que sobram na despensa: folhas de louro, pimenta preta, uma cebola ainda com casca (que minha mãe me ensinou que dá cor e sabor a sopas e ensopados).
O Instant Pot faz um trabalho rápido. Em apenas uma hora, ele vai cozinhar meu passado, presente e futuro em um caldo de ouro que eu posso beber de manhã antes do meu café. Eu uso a mesma caneca da Ravenclaw tanto para o café quanto para o caldo, lavando-a entre os usos.
O frango assado pode ser minha terapia, mas o caldo de galinha é minha panacéia, minha madeleine mergulhada no chá.
Receita: Caldo de Frango Assado
Por Eric Kim
Rendimento: 1 1/2 a 2 litros | Tempo total: 1 hora, 10 minutos
- 1 sobra de carcaça de um frango assado inteiro, com a carne retirada e guardada
- 1 cebola amarela grande
- 1 cabeça de alho
- 8 folhas de louro secas pequenas ou 4 grandes
- 1 colher de sopa de sal kosher (Diamond Crystal) ou 1 1/2 colheres de chá de sal kosher grosso
- 1 colher de sopa de pimenta preta em grãos
- 1/4 de colher de chá de açafrão moído
- Para fazer este caldo em um Instant Pot: Adicione a carcaça de frango a um Instant Pot de 3 ou 6 litros ou outra panela de pressão elétrica. Corte a cebola em oito partes e corte a cabeça de alho ao meio transversalmente para expor os dentes de alho; despeje-os na panela sobre o frango. Esmague as folhas de louro e adicione, juntamente com o sal, a pimenta preta e açafrão. Adicione água fria suficiente para atingir a linha máxima em 3 litros ou para cobrir os ossos em 6 litros (5 a 6 xícaras). Mexa delicadamente e cubra com a tampa. Cozinhe na pressão alta por 1 hora e deixe a pressão sair naturalmente.
- Para fazer este caldo no fogão: Siga o passo 1, mas coloque todos os ingredientes, incluindo a água, em uma panela grande de fundo grosso, como um forno holandês ou caldeirão, e mexa delicadamente. Deixe ferver em fogo alto e, em seguida, reduza imediatamente o fogo para manter uma fervura suave. Cubra e cozinhe até que o caldo esteja profundamente dourado, os ossos de frango estejam se desfazendo nas articulações quando você tenta pegá-los e os legumes estejam como um mingau, cerca de 3 horas.
- Coe o conteúdo da panela em um coador colocado sobre uma tigela grande; pressione os ossos para sair todo o líquido. Prove os temperos, ajustando com sal a gosto. Coloque o caldo em canecas grandes para beber ou use como ingrediente em sua cozinha. Alternativamente, você pode deixar o caldo coado esfriar um pouco antes de transferir para recipientes e armazenar na geladeira.
- Este caldo de galinha conserva-se na geladeira durante 3 a 4 dias ou no congelador por até 4 meses. Aqueça porções individuais em canecas de café para beber no café da manhã ou use como base para sopas, ensopados e mingaus ao longo da semana.
Receita: Frango Assado com Repolho Caramelizado
Por Eric Kim
Rendimento: 4 porções | Tempo total: 1 hora, 20 minutos, mais 1 hora de salmoura
- Sal Kosher e pimento do reino moída na hora
- 2 colheres de chá de sementes de erva-doce
- 1 colher de sopa cheia de açúcar mascavo escuro
- 1 frango inteiro (cerca de 1,5 Kg)
- Cerca de 1 Kg de repolho verde (cerca de 1 cabeça grande), sem caroço e cortado em pedaços de 1 polegada
- 1 cebola amarela grande, cortada ao meio e em fatias finas
- 5 colheres de sopa de azeite
- 1 colher de sopa de vinagre de xerez
- Em um prato pequeno, misture 1 1/2 colher de sopa de sal kosher Diamond Crystal ou 1 colher de sopa de sal kosher Morton grosso, 1 colher de chá de pimenta do reino, 1 colher de chá de sementes de erva-doce e o açúcar mascavo.
- Coloque o frango em um prato grande ou assadeira e, com uma toalha de papel, seque a superfície do frango o máximo que puder. Retire os miúdos da cavidade e reserve. Polvilhe um terço da mistura de especiarias na cavidade do frango, concentrando-se especialmente na parte de baixo dos peitos. Use as mãos para realmente esfregar as especiarias na cavidade. Agora, polvilhe o restante da mistura de especiarias por toda a superfície do frango, incluindo a parte inferior, mas especialmente a parte superior, onde estão os peitos, e novamente, esfregue bem na pele. Se for assar imediatamente, deixe o frango descansar em temperatura ambiente por pelo menos 1 hora. Alternativamente, você pode colocar o frango, descoberto, na geladeira em salmoura seca por até 24 horas; apenas certifique-se de deixá-lo descansar em temperatura ambiente por pelo menos 1 hora antes de assar.
- Enquanto o frango está chegando à temperatura ambiente, posicione uma grelha no terço inferior do forno e aqueça o forno a 425 graus. Em uma assadeira grande, adicione o repolho, a cebola, 4 colheres de sopa de azeite e a colher de chá restante de sementes de erva-doce. Tempere generosamente com sal e pimenta e misture até ficar homogêneo. Empurre o repolho e as cebolas para as bordas da panela para dar espaço para o frango e coloque o frango no centro da panela, com o peito para cima; o frango deve ter contato direto com a panela e não ficar sobre nenhum dos vegetais. Massageie o frango com colher de sopa de azeite restante e dê uma generosa pitada final de sal e pimenta (colocando menos tempero dependendo do tempo em que o frango estiver em salmoura seca).
- Asse o frango, girando a panela na metade do tempo, até que a pele fique dourada e crocante e a carne da coxa atinja 160 graus em um termômetro de leitura instantânea (continuará cozinhando enquanto descansa), 40 a 55 minutos. Não corte para verificar se está cozido. O repolho e a cebola devem estar macios e levemente chamuscados em alguns pontos.
- Deixe o frango descansar por pelo menos 15 minutos na assadeira antes de transferir para uma tábua de cortar e cortar em porções. Não se esqueça de virar a carcaça e comer as duas “ostras” no fundo do frango, onde a parte de trás das coxas encontra a espinha. É sem dúvida a melhor parte da experiência do frango assado e o deleite do chef.
- Adicione o vinagre ao repolho e às cebolas, misture até ficar bem distribuído e prove o tempero, ajustando com sal e pimenta. Sirva ao lado do frango.
TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES.
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