BRUXELAS – Há três anos, a União Europeia paga a outros países para manter fugitivos em busca de asilo longe do seu território, onde são numerosos os partidos populistas e contrários à onda migratória. Pagou bilhões à Turquia para impedir que os refugiados cruzassem a fronteira para a Grécia. Financiou a Guarda Costeira líbia para que apreenda e devolva barcos de migrantes ao norte da África; criou centros no longínquo estado de Níger para o processamento dos documentos de pessoas em busca de asilo – se é que elas conseguiram chegar tão longe. A maioria não consegue.
Embora criticada, a sua rede, que mantém estas pessoas à distância, está tão sobrecarregada que a União Europeia procura expandi-la. O bloco prepara-se para concluir um acordo em Ruanda que prevê a criação de mais um local na esperança de aliviar parte da pressão crescente sobre este sistema de terceirização.
Segundo críticos, o acordo dependerá de uma política perigosa do ponto de vista moral, enquanto ressalta a atual precariedade do sistema da União Europeia para lidar com a crise dos migrantes. Dezenas de milhares de fugitivos e pessoas em busca de asilo continuam presos na Líbia, onde as milícias controlam os centros de detenção e os migrantes são vendidos como escravos ou para a prostituição.
Um ataque a bomba em um destes centros em julho deixou 40 mortos, mas continuou operando, embora tenha sido parcialmente reduzido a escombros. Bruxelas há muito defende a possibilidade de a necessidade de uma triagem dos que buscam asilo em lugares remotos, seguros. Ali, eles poderiam se qualificar como refugiados sem empreender uma viagem perigosa até a Europa, contribuindo, ao mesmo tempo, para desmantelar as redes de contrabandistas, e dar a pessoas vulneráveis uma chance justa de conseguirem uma nova vida. Mas o plano de expansão revelou falhas fundamentais do sistema: os centros distantes são pequenos demais e as garantias de reassentamento dos refugiados escassas demais.
A política de migração da União Europeia reduziu drasticamente o número de novas chegadas ao continente. Em 2016, 181.376 pessoas atravessaram o Mar Mediterrâneo procedentes do norte da África tentando alcançar as costas da Itália. No ano passado, o numero despencou para 23.485.
Mas a estratégia do bloco foi criticada pelas organizações humanitárias e de defesa dos direitos dos refugiados. “Começa a parecer um processo em um lugar distante e uma porta de saída secundária para os países europeus manterem estas pessoas longe da Europa”, afirmou Judith Sunderland, especialista do Observatório dos Direitos Humanos.
As críticas surgiram inicialmente em 2016, quando a União Europeia aceitou pagar à Turquia aproximadamente US$ 6 bilhões para impedir que os que estão em busca de asilo chegassem à Grécia. Bruxelas financiou a Guarda Costeira da Líbia para interceptar navios de migrantes e esta foi uma medida de extrema eficácia, mas deixou os migrantes vulneráveis a abusos.
Centros de detenção
Calcula-se que meio milhão deles vivam na Líbia, enquanto apenas 51 mil estão registrados junto à ONU. Outros cinco mil são mantidos em centos de detenção esquálidos e inseguros. “Os países europeus enfrentam um dilema”, explicou Camille Le Coz, especialista do Instituto de Política da Migração, em Bruxelas. “Não querem receber mais migrantes procedentes da Líbia, temem criar fatores determinantes, mas, ao mesmo tempo, não podem deixar as pessoas presas nos centros de detenção”.
Nos dois últimos anos, a agência da ONU para os refugiados evacuou cerca de 4 mil pessoas e as encaminhou para o centro de trânsito no Niger. A capacidade do centro é de cerca de mil, mas já chegou a receber até três vezes mais. Quatorze países no Ocidente prometeram reassentar cerca de 6.600 pessoas diretamente da Líbia ou do centro em Niger. Precisou de dois anos para atender à metade destas garantias. Poucos países que deram as confirmações, como Bélgica e Finlândia, só aceitaram algumas dezenas de pessoas; outros, como a Holanda, menos de 10; e o Luxemburgo aceitou apenas uma.
Pelo acordo com Ruanda, o país aceitará cerca de 500 migrantes evacuados da Líbia e os hospedará até que eles sejam reassentados ou enviados de volta a seus países de origem. “O programa de Niger sofreu uma série de contratempos, hesitações, um processamento muito lento dos países europeus e outros, e um número muito baixo de reassentamentos de fato”, afirmou Sunderland. “Não temos muitas esperanças de que o mesmo processo em Ruanda produza resultados significativamente diferentes”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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