O irredutível William Parker

O baixista, líder de banda e compositor de "Migration of Silence Into and Out of the Tone World" convida você a ouvir e deixar a música fazer o seu trabalho

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Por Alan Scherstuhl

"Ouça." É isso que a cantora Raina Sokolov-Gonzalez pede nas notas de abertura de uma monumental caixa de CDs com gravações de William Parker, defensor da música improvisada, construtor de comunidades e apreciador da beleza.

Parker compôs a faixa como "um mapa ou um mantra" para a grande coleção de músicas que vêm na sequência, distribuídas ao longo de "Migration of Silence Into and Out of the Tone World", obra recém-lançada pelo baixista e compositor em um box com dez CDs de novos materiais. Para muita gente, o free jazz tem a fama – justificada ou não – de ser cansativo ou difícil.

William Parker em New York. Foto: Nathan Bajar/The New York Times

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Mas a faixa "Listen" declara que só precisamos de uma coisa para entrar no que Parker chama há muito tempo de "o mundo dos tons": saber ouvir. Na segunda faixa da obra, um groove R&B estrondoso ao estilo dos anos 1970, tocado por um trio de jazz e um quarteto de cordas, Sokolov-Gonzalez celebra aquilo que Parker acredita que só pode acontecer quando os ouvidos estão sintonizados: "O funk cósmico salvará o mundo".

Parker, compositor que já foi chamado pelo jornal The Village Voice de "o baixista de free jazz mais consistente e brilhante de todos os tempos", explicou seu conceito de "mundo dos tons" durante uma entrevista por vídeo no fim de janeiro. "Quando você toca música neste mundo, na verdade você entra em outro mundo. Não importa o que esteja lhe acontecendo: se você está devendo dez meses de aluguel ou está passando por alguma dificuldade ou ansiedade, a música assume o controle e você entra no mundo dos tons", disse em seu apartamento, em Manhattan.

Ele elaborou esse conceito com uma analogia em que o som é água: "Quando a água vibra o bastante, transforma-se em vapor e muda as propriedades e a aparência. Quando muda, você entra em outro lugar, e lá encontra a visão de um corredor de luz. Você caminha por esse corredor e, ao fim dele, há uma porta. Atrás dessa porta estão os segredos da vida".

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Desde 2011, Parker publicou três volumes de suas conversas com outros músicos e pensadores sobre música, espiritualidade, política, raça e cultura. Ele escreveu livros, letras, poemas e textos de contracapa nos convidando a encontrar a transcendência na beleza, além de uma série de manifestos radicais em que ataca a maneira como o racismo e o capitalismo sufocam a imaginação e deixam crianças e músicos famintos.

Portanto, se seu lado mais prático fica irritado ao ouvir alguém falando de "corredores de luz" em um momento histórico com tantas inquietações, lembre-se de seu imperativo: "Ouça." "Sempre que você toca uma música, consegue abrir essa porta, descobrir um dos segredos da vida e levá-lo consigo. Quando a música para, não foi a música que parou. Foi você. Então, você toca de novo, e de novo, e, a cada vez que toca, vislumbra um pouco dessa beleza", continuou Parker, com os olhos animados por trás dos óculos escuros que sempre usa.

William Parker em Nova York. Foto: Nathan Bajar/The New York Times

Para Parker, de 69 anos, música é cura, consolo e amor. Ele acredita que ouvir é como sair de casa e olhar para cima: "Não importa onde você esteja, nem o que esteja acontecendo, você olha para cima e o céu sempre está bonito. Nunca vi um céu feio. Ele sempre vibra com esperança e alegria. É nosso professor".

No mundo da música improvisada, Parker é basilar. Músico fundamental da cena loft dos anos 1970 e colaborador crucial nos anos 1980 e 90 em conjuntos liderados por Cecil Taylor e David S. Ware, já gravou mais de 50 discos como líder, incluindo clássicos como O'Neal's Porch, Piercing the Veil e Wood Flute Songs, conjunto de gravações ao vivo feitas na primeira década do milênio.

Ele é um colaborador incansável que, em tempos sem pandemia, faz dezenas de shows por ano, em salas de concerto e no porão de lojas de discos, com bandas bem estabelecidas ou que foram reunidas de improviso, às vezes com composições prontas, outras vezes sem. Patricia Nicholson, dançarina e ativista com quem é casado desde 1975, organiza todos os anos o Vision Festival, que oferece uma plataforma vital para os músicos de vanguarda e de free jazz, bem como para outros artistas, e é a culminação das décadas em que o casal vem fomentando a comunidade a criatividade.

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Parker é o tipo de figura que ficaríamos tentados a chamar de gigante, se essa expressão não soasse hierárquica e de mau gosto para ele. Basta conversar com seus colegas para ouvir histórias em que ele leva pessoalmente os equipamentos para um show, ou lidera manifestações de rua, ou faz tudo que está ao seu alcance para que cada participante de um projeto se sinta tão livre quanto ele.

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"É uma pessoa maravilhosa. Parker confia nos músicos, nos desafia e nos lembra de sermos rígidos conosco, mas sem perder a humildade", disse a pianista e compositora Eri Yamamoto, colaboradora de Parker que toca inúmeras composições dele para piano solo na nova caixa. Ela se lembra de ter perguntado, certa vez, enquanto estudava uma marcação ambígua em uma partitura que ele havia escrito, se deveria tocar um mi ou mi bemol". Ele respondeu que, se eu achasse que era para tocar um mi maior, então seria mi maior. Se quisesse tocar mi menor, seria mi menor".

A compositora Fay Victor também se inspira em Parker: "Ele mostra maneiras de continuar expandindo a criatividade, de trilhar todas as vias criativas, mas faz isso de maneira incrivelmente generosa, sem esperar muito alarde em troca".

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