Na Quarta-Feira de Cinzas, Mark Zuckerberg surpreendeu a todos com um longuíssimo post no qual anuncia uma mudança radical na estratégia do Facebook para os próximos anos. Talvez a maior mudança desde sua fundação, quando Zuck ainda vivia num dormitório estudantil na Universidade Harvard. Tendo construído a rede desde então para que fosse aberta, e estimulando o compartilhamento das vidas de todos, ele agora dá uma guinada na direção oposta. “Conforme penso sobre o futuro da internet”, escreveu, “me convenci de que uma plataforma de comunicação focada em privacidade se tornará ainda mais importante do que as atuais, abertas.”
Não será um desafio trivial. Para que a proposta seja levada a sério e se torne factível, o Face também precisará reinventar a maneira como se sustenta financeiramente.
O Facebook não é uma coisa só — é uma holding com três das maiores redes do mundo. Além dele próprio, também Instagram e WhatsApp. E foi baseado nas experiências com estas duas últimas que começou a se desenhar a nova ideia.
Do Insta, pescou o Stories — em verdade criado por um concorrente, o Snapchat. A ideia de um conteúdo volátil, aquelas populares fotos, divertidas, que se apagam após 24 horas.
Do WhatsApp, a ideia de uma rede voltada para comunicação um a um, quando muito com grupos pequenos, de no máximo 250 pessoas, e na qual cada mensagem é criptografada no celular de origem. Nem os próprios donos do Zap conseguem saber o que foi escrito. Privacidade mais segura não há.
O novo Facebook imaginado por Zuckerberg continuará tendo uma parte pública, mas será menor. O grosso do conteúdo se apagará após algum tempo. Assim, os vacilos da juventude não voltarão para atormentar ninguém no futuro. A ênfase estará na comunicação pessoa a pessoa ou, no máximo, grupos pequenos. As três plataformas se comunicarão. Desta forma, ninguém precisará mais tornar público seu celular — do perfil no Face ou Insta, será possível enviar uma mensagem para o WhatsApp de qualquer um. E a encriptação será forte, de forma que aquilo que cada um escreve ou publica não será visto por mais ninguém.
Zuckerberg está tentando resolver alguns problemas de uma só tacada. Um é o monstro que criou sem querer: uma máquina de manipulação política que afeta eleições. Outro, que nasce do primeiro, é a ameaça de regulação que parte dos governos de Europa e EUA. Mas há também a insatisfação dos próprios usuários, que se sentem cada vez mais expostos. As redes se tornaram um ambiente desagradável, de conflitos constantes e ataques. Como um vício do qual não conseguimos nos livrar.
Há, porém, duas questões para as quais ainda não há resposta. Por exemplo, o dinheiro. O Facebook vive de explorar aquilo que postamos publicamente. O sistema nos conhece, em alguns pontos, mais que nossos psicanalistas. E transforma isto em informação que vendedores usam para distribuir com foco sua publicidade. Numa rede mais privada, isto deixa de existir. O WhatsApp não dá dinheiro.
A outra questão, bem, a outra questão é o caso brasileiro. Ele exibiu uma fragilidade do WhatsApp. Embora pensado para comunicação um a um, foi transformado por aqui numa ferramenta de distribuição de informação em massa. E, aí, a ultraprivacidade opera contra. Quem distribui informação falsa para manipular eleições ou cometer crimes jamais é encontrado. O crime perfeito. Por enquanto, os executivos da companhia acreditam que conseguirão reverter este processo e impedir o que consideram mau uso da plataforma. Se não conseguirem, é com o futuro de nações inteiras que estão brincando de vamos errando até acertar.
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