A lei eleitoral e a liberdade de expressão na internet

Para pesquisador que analisou o Brasil em relatório mundial de liberdade online, caso do Google expõe problemas da Justiça

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Por Redação Link
Atualização:

Para pesquisador que analisou o Brasil em relatório mundial de liberdade online, caso do Google expõe problemas da Justiça

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Análise Ivar A. Hartmann* No início deste ano escrevi com Omar Kaminski o capítulo sobre o Brasil do relatório Freedom on the Net, da ONG independente Freedom House. Na ocasião, analisamos diversos aspectos da liberdade da web no País. A censura sistemática operada pelo Judiciário brasileiro em nome de critérios subjetivos como “honra” e “boa fama” pesou e atribuímos uma nota menos que satisfatória. Ainda assim, o País entrou na categoria da internet “livre”. Com os últimos episódios vexatórios de censura em nome da lei eleitoral, cheguei à conclusão de que talvez a nota do Brasil devesse ter sido pior.

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A lei eleitoral brasileira é fruto de uma cultura de regulação de meios de comunicação de massa. O Brasil teve de adotar regras minuciosas porque menos de 1% dos cidadãos têm controle dos jornais, redes de televisão, rádio e similares. E a maioria deles está na política. Em um ambiente em que os interessados são os que detêm os meios, o Estado precisa intervir.

Mas essa não é mais a realidade. Mais de 80 milhões de brasileiros acessam a internet, segundo o estudo mais recente. Oitenta milhões de brasileiros têm voz. A intervenção do Estado é desnecessária e apenas silencia os próprios eleitores.

Esses cidadãos, ao contrário de jornais, redes de televisão e rádio, não lucram com a comunicação. Não possuem recursos para pagar advogados e custos judiciais. Se um eleitor sabe que pode ser processado ao criticar um político, ele pensará duas, três vezes antes de falar. E no mais das vezes se calará. Ao levar a discussão sobre os méritos de cada candidato para o Judiciário, o legislador efetivamente tornou mais caro exercitar a liberdade de expressão. O efeito disso é o nosso Brasil cordial, educado e quieto. O eleitor se manifesta nas redes sociais e em blogs, com vídeos e outras ferramentas. Mas tem um grande incentivo para não falar de política.

Quando se trata de criticar políticos, a quase totalidade das democracias constitucionais elevou esse tipo de expressão ao patamar mais alto. Falar de política garante maior liberdade de expressão que fazer propaganda comercial. Mas não no Brasil.

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Aqui a lei determina que os cidadãos devem ter cuidado ao criticar um político durante o período de eleição. A mais perfeita subversão da democracia. Talvez mais chocante ainda: a censura prévia é aplicada como se a ditadura militar nunca houvesse acontecido. Determinar a remoção de um vídeo do YouTube com uma liminar é a pior solução possível para o problema. Ao fazer isso, o juiz rouba dos eleitores brasileiros a oportunidade de analisar a crítica veiculada e formar opinião sobre ela.

Posição. Muitos têm afirmado que a prisão do diretor do Google no Brasil, Fabio Coelho, foi problema de mero descumprimento de ordem judicial. Esquecem, é claro, que o tribunal de Nuremberg condenou os nazistas que apenas haviam cumprido a lei. Um dos maiores avanços da democracia nas últimas décadas é a constatação de que ninguém deve baixar a cabeça e cumprir leis formalmente válidas quando elas lhe obrigam uma escandalosa violação dos direitos humanos protegidos por tratados internacionais. Nesse caso, a Constituição de 1988 também protege. Pouco importa se é o direito à vida ou à liberdade de expressão.

Alguns juízes prestam um grande desserviço ao Brasil ao deixar de declarar a inconstitucionalidade das regras do Código Eleitoral que proíbem que um eleitor critique um candidato. Devem fazer cumprir a Constituição acima do Código Eleitoral.

Se isso beneficia uma empresa, trata-se de mero efeito colateral. O Google fez o que fez porque é do seu interesse comercial que a comunicação seja livre. Nesse caso o interesse da população em proteger a liberdade de expressão está alinhado ao da empresa. Trata-se de proteger esse direito fundamental, não o interesse do Google. Imagine que a lei proibisse brasileiros de utilizar hospitais particulares e estas empresas se insurgissem contra tal regra. Ninguém iria afirmar que há conspiração dos hospitais: o problema seria de violação do direito fundamental à saúde.

O relatório da Freedom House dá pontuação péssima aos países nos quais os juízes não têm independência e onde o governo monitora sistematicamente a internet, removendo conteúdo de maneira arbitrária. Felizmente esse não é o nosso caso. Mas, assim como o racismo, no Brasil a violação da liberdade de expressão é dissimulada. É escondida pela legitimidade da atuação independente do Judiciário. O resultado final, entretanto, não é lá tão diferente: todos calados.

*É pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e mestre em Direito pela Universidade Harvard

—-Leia mais:Link no papel – 8/10/2012

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