Até recentemente, duas grandes áreas eram apontadas pelos críticos da inteligência artificial (IA) como as primeiras a serem substituídas pela tecnologia: radiologia e jornalismo. A primeira tem sido nos últimos anos pioneira na adoção de IA na saúde, principalmente nos Estados Unidos, onde softwares de radiologia já utilizam machine learning para ajudar a identificar tumores, fraturas, hemorragias e outros agravos em raios-X, ressonâncias magnéticas e tomografias.
O resultado é que, desde o início dessa adoção de IA, a demanda por novos radiologistas tem aumentado rapidamente. Nos últimos anos, foi a especialidade médica que mais cresceu nos Estados Unidos, tanto em relação à abertura de novas vagas de trabalho como na demanda por residência médica.
Isso tem ocorrido porque o uso de algoritmos melhorou a qualidade e a produtividade (menor custo) dos laudos feitos pelos radiologistas. Com isso, a IA tem proporcionado um crescimento da demanda por exames de imagem por parte dos hospitais e de outros especialistas médicos, beneficiando tanto os pacientes quanto os radiologistas.
O resultado da chegada de IA será semelhante para jornalistas. No ano passado, vivenciamos os primeiros passos da IA generativa, em que algoritmos começaram a conseguir escrever textos jornalísticos sobre qualquer tema em apenas alguns segundos. Os críticos de IA, junto com a extrema direita, voltaram mais uma vez a decretar a morte do jornalismo.
O que IA irá fazer nesse caso é diminuir radicalmente o custo de produzir fake news. Se antes eram necessárias fábricas russas e gabinetes do óbito, em breve será possível em alguns segundos criar milhares de notícias falsas sobre qualquer pessoa e sobre qualquer tema. Após a sua publicação em algum blog ou site de fake news, essas notícias falsas estarão rapidamente disponíveis para disparos em grupos de chat.
Esse enorme tsunami de notícias mentirosas publicadas em sites obscuros irá aumentar ainda mais a desconfiança geral sobre qualquer notícia que não tenha saído em um meio de comunicação com credibilidade histórica. Mesmo na era pré-IA generativa, esse movimento já havia começado, com a decadência dos blogs pessoais e de sites de notícias clickbait como Gawker e Buzzfeed.
Qual foi a última vez que você encaminhou uma notícia importante publicada em um site desconhecido? A maioria das pessoas atualmente, em uma era ainda anterior ao afluxo gigantesco de fake news que serão geradas por IA, já busca a chancela de algum veículo de comunicação com credibilidade antes de confiar em algo publicado na internet.
Esse movimento deve se intensificar nos próximos meses. Isso torna ainda vez mais urgente a necessidade de os grandes meios de comunicação se esforçarem de verdade para manterem sua credibilidade por meio do jornalismo de qualidade e abandonarem de vez a tentação dos clickbaits.
Algumas direções tomadas por jornais nos últimos tempos, como editorias científicas sensacionalistas e publicações de boatos políticos, precisam ser urgentemente cortadas em prol do jornalismo investigativo e de uma cultura mais forte de checagem de fatos. Alguns milhões de cliques hoje poderão custar vários milhões de reais nos próximos anos.
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