A enorme desigualdade de renda do Brasil é evidente a todos. Não são necessárias grandes análises econômicas, basta apenas andar por qualquer um dos nossos centros urbanos. Porém os números ajudam a mostrar a real dimensão da tragédia.
Os 10% brasileiros mais ricos recebem cerca da metade de toda a renda do país. E até mesmo entre eles a renda é bastante concentrada. O 1% mais rico recebe cerca de três quartos de todos os lucros, dividendos e rendas de empresas do país. Cada dia na vida do 1% mais rico compra pelo menos um mês na vida de uma família pobre. No Brasil, muitos têm pouco e poucos têm muito.
Essas e outras informações estão disponíveis no livro recém publicado “Os ricos e os pobres”, de Marcelo Medeiros, o sociólogo especialista em desigualdade que atualmente é professor visitante na Universidade Columbia.
Duas grandes conclusões podem ser retiradas do livro. A primeira é que a grande desigualdade brasileira vem principalmente dos mais ricos. A segunda é que não existe uma fórmula mágica e imediata para resolver o problema.
Até mesmo o aumento da escolaridade é apontado no livro como uma solução sobrevalorizada. Considerando-se o atual abismo entre a massa de pobres e os poucos ricos do país, como seria possível uma grande ascensão social?
Um passo inicial poderá ser por meio da massificação do acesso ao conhecimento graças à transformação digital. As barreiras enfrentadas pelos mais pobres começam com a baixa quantidade de profissionais de saúde nas regiões mais remotas do país, que sofrem com a falta de especialistas.
Uma cidade sem obstetra tem dificuldade em garantir consultas pré-natal adequadas, impactando o desenvolvimento cognitivo futuro dessa criança. Uma cidade sem oftalmologista não consegue diagnosticar adequadamente crianças com problemas de visão, impactando diretamente o seu aprendizado na escola.
Num futuro não muito distante, novas tecnologias impulsionadas por inteligência artificial (IA) e telemedicina, abrirão a possibilidade de trazer um atendimento adequado para regiões remotas do Brasil mesmo com a ausência de um especialista local. O mesmo irá acontecer na educação, a partir do aumento da disponibilidade de tutores digitais cada vez mais personalizados para as realidades locais.
As barreiras que separam pobres de ricos poderão diminuir também no mercado de trabalho. O aumento do uso de ferramentas de tradução automática tem permitido o acesso a conhecimentos antes limitados a pessoas bilíngues. No mercado de TI, algoritmos que ajudam no desenvolvimento de códigos de programação têm permitido a entrada de novos profissionais nessas áreas com altos salários.
Essas mudanças, entretanto, não serão nem fáceis nem garantidas de acontecer. Como escreveu Marcelo Medeiros, os ricos brasileiros têm uma capacidade notável de conseguir manter seus privilégios. A disseminação de novas tecnologias em regiões mais pobres, assim como a taxação progressiva da renda, dependerá de uma mobilização social e política.
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