Na semana passada, o Papa Francisco declarou mais uma vez o seu entusiasmo cauteloso sobre as possibilidades de a inteligência artificial (IA) “contribuir para o processo de libertação da ignorância e facilitar a troca de informações entre diferentes povos e gerações”, na sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais.
Essa declaração segue a mesma linha da sua Mensagem para a Celebração do Dia Mundial da Paz, divulgada no fim do ano passado, em que o pontífice defendeu que o bom uso da IA irá “introduzir inovações importantes na agricultura, na instrução e na cultura, uma melhoria do nível de vida de inteiras nações e povos, o crescimento da fraternidade humana e da amizade social”.
O interesse do Papa Francisco sobre IA não vem de agora. Desde 2019, uma época que a maioria do debate sobre IA ainda era sobre riscos existenciais e extinção de empregos, o Papa já se reunia com representantes da Microsoft para falar sobre o direcionamento de algoritmos e lançava prêmios do Vaticano para as melhores teses de doutorado sobre IA.
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O único ponto negativo das declarações do Papa sobre IA, embora a sua intensidade tenha caído rapidamente a cada nova mensagem, é a defesa de regulações para crimes que já são de fato regulamentados, como é o caso da propagação de informações falsas e injuriosas. Trata-se de uma falácia muito presente no debate atual, e o Papa não está imune às suas influências. É necessário criminalizar o crime, e não a ferramenta.
O tema constante das declarações do Papa Francisco tem sido a importância da orientação humana para guiar as aplicações de IA da forma correta para o benefício de todos. A mensagem do Papa é a de que a IA não é uma entidade com interesse próprios, mas sim uma ferramenta que pode ser direcionada para o maior benefício humano.
Essa exortação à nossa humanidade reflete bem as limitações da IA, principalmente em relação às questões éticas. O uso de algoritmos sem qualquer orientação poderá levar à replicação dos preconceitos históricos presentes nos dados humanos e à manutenção das desigualdades.
O Papa em suas mensagens nos lembra que embora a IA possa revolucionar áreas importantes como a saúde, ela não deve substituir o elemento humano - o cuidado, a empatia e o entendimento. Isso é especialmente relevante quando consideramos o impacto da IA em decisões que afetam a vida e a morte, como na alocação de recursos médicos ou no diagnóstico de doenças complexas.
No fundo, o Papa Francisco vê a IA como um reflexo da dignidade humana e da nossa capacidade de criar, devolvendo a profunda responsabilidade da orientação da IA para o seu criador, que está longe de possuir qualquer capacidade divina.
A última mensagem do Papa Francisco termina colocando esse fardo em nossas mãos: “a resposta não está escrita; depende de nós. Compete ao homem decidir se há de tornar-se alimento para os algoritmos, ou nutrir o seu coração de liberdade”.
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