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Opinião | A colonização espacial poderá nos tornar mais sustentáveis

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Por Alexandre Nascimento
Atualização:
A colonização espacial poderá criar condições para vivermos melhor e em equilíbrio com a natureza em nosso planeta. 

 

Os séculos XV e XVI foram marcados por grandes expedições marítimas organizadas principalmente por Portugal e Espanha. Essas expedições, conhecidas como Grandes Navegações, foram possíveis pela união de um conjunto de fatores. Um deles foi o acúmulo de desenvolvimento tecnológico que permitiu a construção das caravelas e a utilização de novos instrumentos de navegação. 

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As caravelas, uma invenção portuguesa, permitiam navegar contra o vento e também aproximar de portos mesmo em marés mais baixas. Um exemplo de inovação na instrumentação da navegação foi o quadrante, instrumento para medida da distância angular de um objeto em relação ao horizonte, conhecido desde a Antiguidade, que foi utilizado pela primeira vez na navegação em 1467, pelo explorador português Diogo Gomes de Sintra. 

Outro fator foi a parceria entre a burguesia e o Estado, que trouxe o financiamento para um investimento ambicioso e de elevado risco. Tal parceria buscava um retorno econômico elevado num contexto em que a Europa vinha de uma retração econômica no século XIV e encontrava dificuldades estruturais para o crescimento econômico, aliado ao esgotamento de jazidas de metais no continente, à Guerra dos 100 anos, às pestes do Oriente e ao monopólio de especiarias e artigos de luxo pelos italianos e árabes. 

As Grandes Navegações tinham, portanto, a motivação, o financiamento e a tecnologia. E com isso, tornaram-se um dos grandes acontecimentos da humanidade. Tratou-se de uma jornada incrível com risco elevadíssimo - a média de óbito era de 40% dos tripulantes, dentre outras perdas. Por exemplo, das 13 caravelas que partiram na expedição que descobriu o Brasil, apenas 3 chegaram. 

Como resultado, as Grandes Navegações mudaram o mundo e consolidaram o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna. O eixo econômico foi deslocado do Mar Mediterrâneo para o Atlântico, com Portugal e Espanha se consolidando como novas superpotências. O comércio mundial se expandiu com as práticas econômicas do mercantilismo, reforçando a política econômica da Europa e contribuindo para o desenvolvimento do sistema capitalista no longo prazo. Por fim, vale ressaltar que o impacto das Grandes Navegações foi muito além da Revolução Comercial. As Grandes Navegações criaram o acúmulo de capital e matéria prima que culminou na Revolução Industrial.

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A história se repete. Uma nova parceria entre o Estado e a iniciativa privada se materializou através de contratos entre a NASA (National Aeronautics and Space Administration) e empresas do setor privado, como SpaceX, de Elon Musk, e Blue Origin, de Jeff Bezos. Diversos progressos, como por exemplo, em telecomunicações, computação e inteligência artificial aplicados a tecnologias de navegação espacial e sistemas de suporte à vida estão permitindo o avanço das explorações espaciais com mais segurança. De fato, até 2019 foram enviados em torno de 566 astronautas ao espaço, sendo que 18 perderam a vida, o que representa uma taxa média de óbito de 3,2% - muito menor do que os 40% do período das Grandes Navegações. 

Inúmeras são as motivações para a corrida espacial, dentre elas a preservação de nossa espécie frente ao conhecimento cada vez maior que temos de potenciais cataclismas, as alterações das condições climáticas, a poluição e a exploração agressiva levando à escassez de recursos naturais e ao dano permanente a diversos ecossistemas que no longo prazo colocarão em risco o equilíbrio que permite nossa vida no planeta. 

Estamos testemunhando uma nova era de "Grandes Navegações". A exploração espacial é um dos grandes acontecimentos da humanidade atualmente. Tal como ocorreu com as Grandes Navegações, os desdobramentos da exploração espacial transformarão profundamente nossa forma de viver e a nossa visão de mundo. 

Os benefícios da tecnologia espacial já fazem parte de nossas vidas há décadas. Eles estão presentes nas telecomunicações, computação, agricultura, controle de recursos naturais e reciclagem, saúde, monitoramento de clima para predição de desastres naturais, dentre muitas outras áreas. De fato, as raízes de muitas das tecnologias que permeiam nossas vidas hoje estão nos programas espaciais de décadas atrás. 

O espaço é um ambiente inóspito para o ser humano. Ele não oferece as condições necessárias para vivermos. Dessa forma, diferentemente do que acontece na exploração do nosso planeta, onde a abundância de recursos não moldou uma cultura rígida de evitamento de desperdício, a exploração do espaço é totalmente realizada sob um paradigma de escassez de recursos, não desperdício e reciclagem. De fato, enquanto usamos de 6 a 12 litros de água limpa ao acionar a descarga do vaso sanitário na Terra, os astronautas reciclam a própria urina para obter a água que irão beber no espaço. 

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Assim, a engenharia busca desenvolver tecnologias que nos permitirão viver transformando recursos para dar suporte à vida humana e, principalmente, viver sob condições de escassez, reduzindo o desperdício e realizando o reaproveitamento dos recursos através da reciclagem. Sob esse paradigma, estamos desenvolvendo tecnologias que nos permitirá harmonizar nossa mentalidade e nossa existência na Terra. Portanto, paradoxalmente, um dos maiores benefícios da colonização espacial poderá ser o desenvolvimento de condições para vivermos melhor e em equilíbrio com a natureza em nosso planeta.

Opinião por Alexandre Nascimento
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