Por Nelson Lago*
Na sua edição de 17 de Junho de 2014, a revista científica "Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America" publicou um estudo em que é descrito um experimento feito com o feed de notícias do Facebook. Os autores tomaram mais de 600 mil usuários e os dividiram em dois grupos: durante uma semana, um dos grupos recebeu um número menor de notícias com caráter positivo enquanto o outro grupo recebeu um número menor de notícias com caráter negativo. A conclusão do estudo é que o humor das pessoas é influenciado pelo das outras pessoas, não apenas em situações sociais tradicionais, o que já se sabia, mas também no contexto das mídias sociais online.
O estudo teve grande repercussão por trazer consigo a questão ética da manipulação dos usuários sem seu consentimento explícito para esse tipo de cenário (embora os termos de uso do site sejam abrangentes o suficiente para servirem como proteção legal para a empresa). Afinal, durante uma semana os pesquisadores foram responsáveis por tornar mais sombrio o humor de 300 mil pessoas escolhidas a esmo.
Mas se o estudo tem interesse do ponto de vista das ciências sociais, ele certamente também tem valor para mostrar o poder de manipulações desse tipo para aumentar o lucro da empresa. Se pessoas com humor mais positivo tiverem maior probabilidade de consumir produtos, não é natural que se priorize notícias positivas no feed? Se notícias com textos curtos aumentarem a dispersão do usuário e, com isso, a probabilidade de que ele clique em um anúncio, não é natural que a empresa minimize a presença de textos mais longos? Se notícias sobre aditivos usados na indústria de alimentos resultarem na rejeição de anúncios de lanches pré-prontos, não é natural que qualquer material sobre o assunto seja desprezado caso haja anunciantes do setor? Ou você acha coincidência ter aparecido uma oferta interessante para você na sua rede social favorita?
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Também é plausível supor que manipulações similares podem ser levadas a cabo com vistas a explicitamente influenciar opiniões sobre temas polêmicos como o aborto ou a pena de morte. A própria política da empresa no tocante a "conteúdo impróprio", mais que "certa" ou "errada", é uma forma de censura que carrega em seu bojo uma ideologia (controversa em diversos aspectos), e nada os impede de celebrar contratos em que se selecionam notícias, patrocinadas ou não, para sutilmente defender ou atacar este ou aquele partido político, grupo de interesse ou ideia.
É claro que influências desse tipo já existem na mídia convencional. No entanto, há uma diferença fundamental: a comunicação na mídia tradicional é impessoal, ou seja, todo o conteúdo apresentado é igual para todos os leitores ou telespectadores. Portanto, o que se pode obter é uma influência parcial sobre a parte da população que se aproxima do perfil estatístico do "leitor ou telespectador médio". Ainda assim, é amplamente reconhecida a influência da televisão e de outras mídias sobre a população.
De forma contrastante, nas mídias sociais e outros sistemas online, a escolha e a apresentação do conteúdo podem ser totalmente personalizadas de forma automática: as grandes empresas atuando na Internet hoje possuem informações de perfil bastante sofisticadas sobre seus usuários, podendo adaptar o conteúdo de várias maneiras para ele. Além disso, o conteúdo em si que recebe ou não destaque não é gerado pela empresa ou por um jornalista, mas pelos contatos do próprio usuário, que certamente têm maior influência sobre suas opiniões. Essa congregação de fatores eleva a relevância desses sistemas a um novo patamar, exigindo-se uma nova discussão sobre os limites éticos da comunicação e da propaganda no contexto da Internet.
Um leitor desavisado poderia considerar que esses problemas afetam apenas o Facebook. No entanto, isso está longe de ser verdadeiro: twitter e google são outros exemplos dentre as várias empresas que, à sua maneira, estão sujeitas à mesma lógica. Na medida em que a tecnologia permitir esse tipo de manipulação, o mercado exigirá que ela seja posta em prática. Portanto, dificilmente esse problema será solucionado com meras diretrizes éticas ou com regulamentação sobre as empresas do setor.
O problema maior que leva a essa situação é, justamente, a disponibilização indiscriminada de informações pessoais por parte dos próprios usuários. Não à toa, existem diversos grupos na comunidade de software livre que alertam sobre esses problemas, sugerindo cuidados especiais por parte dos usuários e, principalmente, propondo alternativas. Friendica, Diaspora, RedMatrix, StatusNet e pump.io são tentativas de implementar novos modelos de redes sociais e de interação com vistas tanto a espalhar as informações sobre os usuários, de maneira a evitar a concentração de poder nas mãos de uma única empresa, quanto a oferecer melhores garantias e mecanismos de privacidade.
Elas sofrem, no entanto, do problema de qualquer outra rede social em sua infância: como há poucos usuários, não se consegue atrair novos usuários, num círculo vicioso. O que se vê é que os internautas parecem satisfeitos em usar as redes sociais já estabelecidas, a despeito dos problemas apontados anteriormente. Os ativistas do software livre não têm o poder de mudar isso; a decisão é de cada um. O que você vai fazer?
* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP.
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