Como Jeff Bezos foi para Hollywood e perdeu o controle

Pessoas que trabalham mais perto do executivo têm observado perplexos como um homem famoso pela sua discrição podia acabar no meio de um melodrama repleto de revelações lascivas, traição familiar e de intriga internacional

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Por Amy Chozick
Do pai discreto de Seattle, Bezos se transformou em uma presença esculpida no tapete vermelho de Hollywood Foto: Kyle Johnson/The New York Times

Jeff Bezos acumulou a maior riqueza do mundo confiando no que chamou de“estrutura de minimização do arrependimento”. Ele criou uma companhia avaliada em US$ 800 milhões com 14 princípios codificados e uma cultura brutalmente rigorosa. Seu salário anual de US$ 81.840 não teve alteração desde 1998.

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Mas então ele foi para Hollywood.

Nas semanas seguintes depois de o fundador da Amazon informar pelo Twitter que ele e sua mulher estavam se divorciando, Bezos entrou em guerra com um tabloide e intensificou um conflito com o presidente dos Estados Unidos. E basicamente cedeu o controle da sua própria narrativa a dois personagens desonestos: um consultor de segurança fanfarrão, Gavin de Becker, e o empresário do irmão da sua namorada em busca da fama, Michael Sanchez. Ambos vêm prolongando as notícias do escândalo quase que diariamente.

Bezos está no centro de um melodrama repleto de revelações lascivas, traição familiar e de intriga internacional. Em Seattle, o vice-presidente sênior para assuntos corporativos globais da Amazon, o ex-secretário de imprensa da Casa Branca Jay Carney, tentou recentemente frear a história. Mas em Hollywood é impossível conter o torvelinho em torno da vida amorosa de Bezos, num ecossistema de fofoca e favores, onde a difamação dos ricos e poderosos é moeda corrente.

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Os executivos da Amazon foram pegos de surpresa por uma sequência de fatos que começou no início de janeiro: o anúncio feito por Jeff e Mackenzie Bezos do seu divórcio; a reportagem de 11 páginas do National Enquirer relatando que ele estava envolvido com uma ex-âncora da Los Angeles TV, Lauren Sanchez; e uma postagem de Bezos em um blogacusando o diretor do tabloide, aliado de Donald Trump, de tentar extorqui-lo no caso de “um selfie e outras mensagens explicitamente sexuais”.

Não ajudou o fato de os detalhes íntimos da vida pessoal de Bezos surgirem na mesma ocasião em que a empresa cancelou abruptamente seus planos de construir uma nova sede em Nova York, depois de brigas com parlamentares e ativistas. Pessoas que trabalham mais perto de Bezos têm observado perplexos como um homem famoso pela sua discrição podia acabar no meio dessa “palhaçada”.

Bezos, no caso dessa crise, confiou inteiramente em de Becker, que além de fornecer segurança para astros e estrelas é também uma celebridade. Ele protegeu Cher e fez um tributo a Carrie Fischer, sua amiga, no funeral dela. Seu livro “The Gift of Fear, foi um enorme sucesso e foi respaldado por Oprah Winfrey e é uma espécie de TED Talks  (palestras de orientação) para ricos e medrosos.

Becker é empregado de Bezos, não da Amazon, e parece não ter muito contato com estrategistas da companhia. Além dele, está o famoso escritório de advocacia Boies Schiller Flezner, como também Marty Singer, um conhecido advogado de Los Angeles, que representou John Travolta e Sharon Stone.

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Lauren Sanchez consultou a mestre em divórcios de Los Angeles, Laura Wasser, que tem como clientes Kim Kardashian e Angelina Jolie. Também na confusão está o marido de Sanchez, Patrick Whitesell, que,como chairman executivo da Endeavor é uma das figuras mais poderosas de Hollywood. Seu sócio na agência é Ari Emanuel e ambos sabem como ninguém como usar um tabloide para impulsionar um cliente ou destruir um concorrente.

Depois que o caso veio à luz, não demorou muito para Whitesell ser visto deixando uma boate com uma modelo nos seus 20 anos. Seu nome? Alexa.

Um elenco de personagens só de Los Angeles. A figura mais imprevisível e descontrolada é Michael Sanchez. O irmão de Lauren é agente de uma série de personalidades de reality show da TV e um fofoqueiro incorrigível, mesmo numa cidade repleta deles. Ele também é apoiador de Trump e tem relações com alguns agentes do presidente, incluindo Roger Stone e Carter Page. Michael Sanchez tem contato regular com uma série de jornalistas em todo o país e está sempre fornecendo a eles novas insinuações sobre o drama envolvendo Bezos.

Sanchez alega que de Becker vem tentando manter sua irmã longe de Bezos, na esperança de manter intacto o casamento do executivo. “Gavin tem brilhantemente tramado com o objetivo claro de destruir seu amor por minha irmã”, Michael Sanchez escreveu em um e-mail para Bezos no Dia dos Namorados, e uma cópia dele foi para o The New York Times. “Sei que seu amor por Lauren é verdadeiro e o amor dela por você”.

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Quatro pessoas com conhecimento direto da relação dos irmãos disseram que Lauren não conversa mais com Michael. Ele desmentiu isto e Lauren não quis comentar a respeito.

Em fevereiro o The Daily Beast informou que de  Becker havia concluído uma investigação sobre quem vazou as mensagens de texto e que Michael Sanchez havia informado o The Enquirer com exclusividade sobre o caso de Bezos. Em uma entrevista, ele me disse que havia falado ao tabloide sobre o caso de sua irmã, mas negou ter enviado as mensagens sexuais de Bezos, às quais, afirmou, não teve acesso. Alegou que o The Enquirer obtivera as imagens por meio de uma socialite de Beverly Hills que as recebeu diretamente da sua irmã.

Disse a ele que duas pessoas que tinham conhecimento direto da reportagem no The Enquirer me disseram que ele fornecera detalhes sobre o caso, mas não as mensagens. E que tudo o que foi recebido pelo tabloide veio de uma única fonte.

Essa fonte teria sido paga pelo The Enquirer. Quanto? Um valor bem acima de US$ 150 mil, montante que foi pago à modelo da Playboy Karen McDougal para ficar calada sobre seu suposto caso com Donald Trump antes da eleição de 2016, disseram eles.

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Bezos muda Hollywood — e vice-versa. Bezos  comprou uma casa em Beverly Hills em 2007, quando a Amazon começou a se expandir na área de entretenimento. A companhia gastou furiosamente para criar um portfólio de filmes e programas de TV para enriquecer suas ofertas em horário nobre. Os serviços de assinatura renderam mais de US$ 14 bilhões no ano passado. Para os insiders de Hollywood, o dinheiro jorrando transformou Bezos num objeto de fascinação e desejo.

À medida que a Amazon entrava no setor, Bezos se transformou do pai discreto de Seattle em uma presença esculpida no tapete vermelho. Ele nunca foi fascinado pelo processo de filmagem. As operações do dia a dia ficavam com a diretora da Amazon Studios Jennifer Salke. Mas como Howard Hughes e outros magnatas antes dele, Bezos adotou inequivocamente a pompa do setor.

Sua chegada real a Hollywood foi em 2016 quando deu uma festa – suntuosa mesmo no contexto da temporada de prêmios – para comemorar a indicação do filme Manchester À Beira-Mar, uma produção da Amazon Studio, para o Oscar. A festa foi num edifício temporário no fim do longo caminho para a mansão de Bezos, bem acima de Sunset Boulevard. Parece que aquela noite foi a primeira vez que ele e Laura foram fotografados publicamente juntos.

Eles haviam se encontrado um ano antes. Quando a Amazon ingressou no setor de entretenimento, a companhia trabalhava constantemente com a Endeavor, e Whitesell e Sanchez começaram a se socializar com a família Bezos. Seus filhos brincavam com os de Bezos em sua casa em Seattle, e eles corriam numa sala decorada com lembranças da NASA e uma cadeira em que JK Rowling escreveu trechos dos livros de Harry Potter.

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Sanchez, um entusiasta de aviação, que tem licença para pilotar helicóptero, discutia com Bezos, que passava muito do seu tempo criando a Blue Origin, sua empresa de exploração espacial.

No ano passado, Lauren e Bezos estavam tendo um caso. Três pessoas do círculo social de Lauren disseram que ela se mostrava inebriada e apaixonada, exibindo as mensagens de amor para inúmeras mamães de Brentwood e Beverly Hills.

Intensamente concentrado. Na Amazon, Bezos implementou um sistema de reuniões idiossincrático. Os executivos se sentam em silêncio, leem um memorando de seis páginas sobre o assunto a discutir. Os documentos têm de ser convincentes. Quando todos digeriram as seis páginas de informação, as discussões começam.

Este processo pode ter sido o adotado por Bezos quando publicou em sete de fevereiro um explosivo ensaio no blog Medium acusando o tabloide de extorsão e chantagem. O Enquirer estava ameaçando publicar fotos que obtivera, incluindo uma delas com “sua masculinidade semiereta”, se ele não atendesse às condições estabelecidas.

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Bezos convocou David Pecker, diretor executivo da American Media, empresa matriz do tabloide, que é conhecido por usar sua influência para favorecer Trump

Bezos acrescentou ter pedido a de Becker para realizar uma investigação sobre como o tabloide obteve as fotos e as mensagens de texto. E deu a entender que Trump e a família real saudita, descontentes com o The Washington Post, de sua propriedade, estavam por trás das ações do The Enquirer.

Quando ele publicou seu ensaio, os comentaristas, quase que por unanimidade, o elogiaram como um golpe de mestre de relações públicas: de algum modo, o homem mais rico do mundo, pego traindo sua mulher, agora era uma vítima.

Mas desde então mais de três semanas se passaram e embora Becker tenha dito ao The Washington Post que a reportagem do tabloide foi “politicamente motivada”, uma prova direta de vínculos de Trump ou dos sauditas não surgiram. Um antigo executivo da Amazon se perguntou como o comportamento de Bezos se enquadrava numa recente carta que enviou aos acionistas em que falou sobre decisões irrevogáveis ou o que chamou de “irreversíveis”.

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“Estas decisões têm de ser tomadas metodicamente, cuidadosamente, lentamente e com muita reflexão e consultas. Se você seguir o caminho e não gostar do que vê do outro lado não poderá retornar ao ponto em que estava antes”, afirmou. /Tradução de Terezinha Martino 

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