Falar de inteligência artificial (IA) está na moda. É a expressão do momento no mundo dos investimentos. Mas se por um lado sabemos que ela irá mudar o mundo numa velocidade jamais vista em qualquer outra tecnologia já inventada, por outro sabemos que, na prática, investir em empresas que estão construindo o futuro com base em IA não é tão fácil.
O conceito de IA não é novidade. A tecnologia foi inventada no início da década de 1950 pelo cientista britânico Alan Touring, o primeiro a realizar um teste em que máquinas poderiam substituir seres humanos em algumas funções. Desde então, evoluiu ora devagar ora aceleradamente, até cair nas graças das Big Techs (especialmente Apple, Amazon, Google, Meta, Nvidia e Tesla) e, nos últimos dois anos, surpreender o mundo e ganhar as massas com o lançamento do ChatGPT, da OpenAI. No mundo dos investimentos, tenho o privilégio de atuar numa empresa, o SoftBank, que acompanha o desenvolvimento dessa tecnologia há quase 15 anos.
Se tentar prever o futuro sempre foi um desafio para todos os fundos de investimento do planeta, no SoftBank esse apetite para apostar em novas tecnologias sempre carregou uma dose de risco acima da média. O visionário Masayoshi Son, o Masa, anteviu revoluções tecnológicas ainda em seu início, com a coragem de abraçá-las mesmo não sabendo se iriam vingar ou não. Foi assim com a ascensão dos softwares para computadores pessoais na década de 1980, com a telefonia móvel na década de 1990, com a internet no início dos anos 2000 e com IA desde meados de 2010. Esse know how se transformou numa cultura corporativa que nos ajuda a compreender quais empresas, realmente, tem o potencial de usar IA como vetor de mudança na maneira como trabalhamos, compramos, estudamos ou nos divertimos.
O mundo dos investimentos divide as empresas de IA em duas categorias. A primeira é a das companhias que inventaram modelos próprios de linguagem, a chamada “infraestrutura” de IA ou “foundation systems”. Fazem parte desse seleto grupo Alphabet, dona do Google e da DeepMind, a OpenAI, dona do ChatGPT, a Anthropic, inventora do Claude, e algumas outras. Investir nessas empresas é o sonho de consumo de todo fundo de investimento – e, por isso mesmo, uma tarefa árdua. Requer escolher empresas que tenham PhDs em ciência de dados, machine learning e diversas tecnologias e centenas de milhões de dólares de capital intensivo para treinar bases de dados gigantescas. A grande maioria dessas empresas tem origem nos Estados Unidos, Europa, Israel, Coreia do Sul e China. É um cenário um pouco mais distante da nossa realidade na América Latina, devido principalmente à quantidade limitada de talentos nesse campo.
Já o segundo grupo de empresas é composto por aquelas que inventam ferramentas baseadas em IA – e que, portanto, são usuários de parte da tecnologia inventada pelas companhias do primeiro grupo, usando a infraestrutura como base para criar produtos e serviços, ou mesmo ganhar eficiência e produtividade. É nesse segundo grupo que enxergamos muitas oportunidades, aí sem a limitação das fronteiras geográficas. Há muitas empresas incrementando suas ofertas (ou criando novos negócios) em diversas áreas, como atendimento ao consumidor, modelagem de crédito, controle de fraudes, contas a pagar, contabilidade e qualquer processo que possa ser automatizado, e aprimorado, com IA. Ao utilizarem a IA de forma intensiva, essas empresas não só aprimoram suas ferramentas e melhoram seus faturamentos, margens e retornos, mas também otimizam seu valor de mercado.
Há ainda um terceiro e especial grupo, que possui o que chamamos de moat, ou diferencial único. São empresas que possuem uma base de dados enorme, o que as coloca na dianteira para treinar modelos que podem criar negócios e trazer clientes que também disponibilizem seus dados. Cria-se assim um ciclo constante de aprimoramento que resulta em melhores serviços, maior velocidade e escala e menor preço – que pode tanto ser oferecido aos clientes ou melhorar as margens. Acompanhamos empresas promissoras desse grupo em áreas como marketing, recursos humanos, jurídica e cibersegurança, para citar alguns segmentos que olhamos com entusiasmo.
Comparar preços de entrada e de saída em ativos de IA é algo complexo, assim como foi, no passado, definir aportes e valores de mercado das empresas pioneiras em software, mobilidade e internet. Não há comparação precisa, e as referências são escassas – o que torna a decisão de investir muito desafiadora. Grosso modo, há duas questões essenciais a serem respondidas. A primeira é saber quais empresas vão usar IA da maneira tão “matadora” a ponto de se tornarem as líderes de mercado do futuro. Amazon, Google e Facebook, por exemplo, foram criados entre 1994 e 2004, surgindo numa década em que a internet ainda se consolidava. Identificar uma tendência tecnológica e desenvolver as melhores plataformas gerou uma quantidade gigantesca de valor para investidores iniciais (e até mesmo não tão iniciais) nessas empresas. Quais serão os atores que repetirão esse padrão em IA?
Já a segunda questão é tentar responder se o valor gerado pela IA irá se reverter para empresas novas (apoiadas pelo capital de risco) ou para as gigantes tecnológicas já existentes (como ocorre com frequência quando surge alguma inovação revolucionária). Sair na frente ao adotar uma nova tecnologia é diferente de ser capaz de ganhar dinheiro com ela. Há ainda muitos temas que trazem desafios ao retorno financeiro, dado o quão no início dessa jornada nós estamos: alto custo de implementação, escassez de talentos, desafios éticos e de privacidade, necessidade de infraestrutura de dados, integração com sistemas existentes, regulamentação e compliance.
Serão as empresas de IA as protagonistas de uma nova onda de aberturas de capital (IPOs) bem-sucedidos, formando a base da próxima geração de empresas tecnológicas de grande capitalização?
O tempo dirá. Bons investidores, contudo, não devem se preocupar em acertar nenhuma das questões acima, mas sim em simplesmente estarem comprados em ambas. Aparentemente só há uma certeza: ficar de fora da revolução da IA, ou somente observá-la de forma passiva, pode significar a extinção no longo prazo.
* Alex Szapiro, managing partner do SoftBank na América Latina
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