Na sala da casa do designer gráfico Fabio Pires, 40 anos, há uma caixa preta em cima do rack que não serve para quase nada desde o final do ano passado. O aparelho, que reproduzia ao menos 20 filmes piratas por mês, se tornou obsoleto conforme Pires passou a se interessar mais por serviços de streaming de vídeo. Pires não é o único e essa progressiva mudança de hábito que aponta para um futuro em que baixar músicas e filmes piratas será coisa do passado.
“A chegada de novas séries, algumas produzidas pelo próprio Netflix, acabou tomando o tempo que eu dedicava para ver o que eu baixava na internet”, conta Pires. “Atualmente, fico assistindo ao Netflix em 95% do tempo que estou diante da TV.”
Ainda que a batalha entre serviços legais e ilegais esteja longe de acabar, há sinais de que o streaming está ganhando mais espaço na vida das pessoas. Estimativa da consultoria indiana Markets and Markets indica que o mercado global de streaming de vídeo deve chegar a US$ 30 bilhões em 2016 – e deve saltar para US$ 70 bilhões nos próximos cinco anos. Em relação aos serviços de música, a receita das empresas cresceu 45% no ano passado e atingiu US$ 2,9 bilhões, de acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês).
Segundo o diretor de relações institucionais do serviço de streaming de música Deezer, Henrique Leite, esse formato nasceu para atender a demanda por consumo de conteúdo audiovisual. “Antes não havia como fazer o usuário deixar de consumir conteúdos ilegais, pois não havia muita oferta legal na internet”, diz ele.
Para que o usuário mude de hábito, porém, os serviços de streaming precisam oferecer, além de conteúdo de qualidade, preço baixo. Isso porque muitos usuários se acostumaram a não pagar para ver filmes e ouvir músicas na web. “Enquanto houver pessoas que não podem pagar uma assinatura do Netflix, sempre haverá pirataria”, diz Rodrigo Tafner, coordenador do curso de sistemas de informação em comunicação e gestão da ESPM.
No Brasil, o desafio é grande. Dados de 2014 da consultoria de audiência Tru Optik indicam que o País é o segundo maior consumidor de conteúdo ilegal na internet, com 1,2 bilhão de downloads – só é superado pelos Estados Unidos, com 2,1 bilhões de arquivos baixados no período. Outra consultoria, a SimilarWeb, informa que os 50 maiores sites de pirataria de filmes e séries de TV receberam mais de 2 bilhões de acessos a partir do Brasil – oito vezes mais que a quantidade de acessos ao site do Netflix.
Aos poucos a indústria está abandonando o ataque ao download ilegal e passou a destacar os benefícios dos meios legais. “As pessoas estão substituindo o download ilegal pela facilidade de acessar o conteúdo em vários dispositivos”, diz o diretor de negócios da plataforma brasileira de streaming de vídeo Looke.
O publicitário Guilherme Toscano, 26 anos, viu justamente na comodidade o fator decisivo para abandonar o consumo de filmes e músicas piratas. “Decidi assinar um plano de streaming para ter uma biblioteca sempre a mão, sem ter que procurar legenda e correr o risco de pegar um vírus no computador”, afirma o mineiro, que mora em Goiânia. “O custo é pequeno e é um incentivo para que conteúdos que gosto de assistir continuem a ser produzidos.”
Combate. O fechamento de sites de torrent, que permite baixar “pedaços” de filmes piratas de múltiplas fontes, também tem contribuído para a mudança. O formato se tornou um padrão depois da criação do protocolo BitTorrent, em 2001. Segundo a Tru Optik, mais de 18 bilhões de arquivos no formato foram compartilhados em 2014 – mais da metade era composta por filmes e programas de TV.
“Como o formato facilita a indexação de arquivos, os principais sites de torrent se tornaram buscadores de conteúdos piratas”, diz Tafner, da ESPM.
No final do mês passado, o Kickass Torrents – maior site de distribuição de pirataria do mundo, segundo a ferramenta de medição de audiência Alexa – saiu do ar e seu criador, o ucraniano Artem Vaulin, foi preso por infração de leis de direitos autorais relacionada à distribuição de mais de US$ 1 bilhão em filmes, músicas, games e outros conteúdos. Duas semanas depois, foi a vez do TorrentZ, considerado o quarto maior site do segmento, a encerrar suas atividades.
De acordo com Ygor Valerio, vice-presidente jurídico e de proteção a conteúdos da Motion Picture Association para América Latina – entidade que reúne os seis maiores estúdios de produção de filmes, como Disney e Sony Pictures – as ações policiais se concentram em grandes sites de pirataria. “Como as pessoas sempre buscam pirataria nos mesmos sites, uma parte delas deixa de baixar conteúdo ilegal quando um deles é fechado”, explica.
Nem sempre a pessoa que encontra seu site de torrent preferido fora do ar busca conteúdo legal. Mas uma pesquisa feita pela Universidade de Carnegie Mellon mostra que o bloqueio de sites resultou em um aumento de 8,8% na quantidade de visitas em sites legais de streaming. O estudo analisou 60 mil usuários três meses antes e depois do bloqueio a 53 sites piratas no Reino Unido em 2014.
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