Celulares básicos resistem ao lado de smartphones, mas devem desaparecer até 2030

‘Dumbphones’ atraem pessoas em busca de desconexão e segurança, mas mercado segue em queda

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Foto do author Guilherme Guerra

Nos últimos 10 anos, o mercado de telefonia móvel foi tomado pelos smartphones, que se tornaram minicomputadores com tela sensível ao toque, lojas de apps, câmeras potentes e conectividade constante. Ainda assim, tem gente que resiste à modernidade, o que deu sobrevida aos celulares básicos — como se fossem antítese dos primos modernos, foram batizados nos últimos anos de “dumbphone” (ou “telefone burro”).

Esses dispositivos ainda podem ser encontrados à venda em lojas do Brasil com certa facilidade. Lacrado na caixa, um dumbphone parte de R$ 70 e pode chegar a R$ 300. São celulares que trazem funcionalidades que eram espetaculares 20 anos atrás: recebem e realizam ligações telefônicas, enviam mensagens de texto e, em alguns casos, têm conexão com rádio.

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Nada disso parece muito empolgante, mas os consumidores recorrem a esses dispositivos principalmente por dois motivos. Há um aspecto vintage, como um ode aos anos 2000 (e que caminha lado a lado com a volta das câmeras digitais em festas de adolescentes). E o outro aspecto é que os dumbphones podem trazer o sossego de uma vida mais desconectada, sem aplicativos apitando notificações.

A necessidade de desconexão foi o que levou o comunicador Marcos de Araújo Furtado, 29, a abandonar o smartphone em dezembro de 2022 e viver hoje com um Positivo P38. O aparelho possui tela de 2,8 polegadas (um iPhone 14, por exemplo, tem 6,1 polegadas), teclado numérico físico, câmera VGA (ou seja, tira fotos de 480 pixels, enquanto há dispositivos com resolução 10 vezes superior), rádio FM e capacidade para até dois chips de operadora. Nas lojas, sai a partir de R$ 174.

“Decidi ter um aparelho mais simples para quando não estou trabalhando”, conta Furtado, que é dono da Luiz Café, cafeteria de grãos especiais em Goiânia. Pelo smartphone corporativo, o comunicador faz o atendimento digital e administra as redes sociais do estabelecimento. Encerrado o expediente, volta à desconexão, sem WhatsApp pessoal ou outra rede social (a comunicação acontece por e-mail): “Hoje em dia, estamos sempre trabalhando pelo celular”, diz. “Com esse dumbphone, consigo deixar o trabalho de lado depois do expediente”.

Marcos de Araújo Furtado, de 29 anos, é dono de um 'dumbphone', celular básico da Positivo Foto: Marcos de Araújo Furtado

Quem usa o dumbphone?

Pela facilidade de uso, é comum imaginar que pessoas mais velhas sejam os principais consumidores dos celulares básicos. Porém, não há um perfil definido para quem usa os aparelhos tradicionais. Apesar de limitados em termos de tecnologia, a gama de usuários interessados é grande.

No TikTok, é possível encontrar diversos usuários e criadores que buscam dumbphones para se desconectar ou, ao menos, diminuir o uso do smartphone nas ruas. Já no YouTube, vídeos recém-publicados avaliando os celulares básicos reúnem nos comentários pessoas que planejam comprar um desses aparelhos para idosos ainda não “convertidos” aos celulares inteligentes.

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No Twitter, usuários relatam adotar os dumbphones em eventos que podem colocar em risco o smartphone, cujo valor agregado inclui não só o aparelho, mas também os aplicativos financeiros, redes sociais e fotos pessoais que podem ser expostos. Não à toa, o Carnaval de rua é onde esses telefones “burrinhos” costumam aparecer com mais frequência.

Maior fabricante no mundo nesse segmento, a marca Nokia, propriedade da companhia finlandesa HMD Global, virou sinônimo de “dumbphone”, ainda que também possua telefones inteligentes em seu portfólio. E a empresa, é claro, aproveita o interesse geral: “Dumb phone, smart choice” (“Telefone burro, escolha inteligente”, em tradução livre), diz um anúncio no site da empresa.

“Acreditamos que há potencial para mais pessoas usarem esses telefones, por isso estamos trazendo mais produtos desse tipo”, explica Junior Favaro, diretor de marketing e vendas da HMD Global no Brasil — nas próximas semanas, a Nokia deve lançar um “dumbphone” com conexão 4G no País. “É uma marca conhecida globalmente.”

Ainda assim, Favaro acredita que os dumbphones devem atuar como um aparelho reserva para a fatia de público mais jovem. “É uma segunda opção, com um mercado menor do que os smartphones”, diz. “É possível usar o smartphone e ter esse celular mais básico também.”

Celulares básicos ainda resistem  Foto: Nacho Doce/Reuters

Celular em extinção

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Apesar do interesse, o mercado dos celulares básicos encolhe ano a ano. A tendência é que, no médio e longo prazos, esses dispositivos desapareçam.

Chamados oficialmente de “feature phones” por analistas, os telefones móveis “burros” perderam o posto de queridinho em vendas em 2013 no Brasil — desde então, essa fatia vem encolhendo anualmente. Segundo a consultoria IDC, responsável por monitorar o mercado de eletrônicos em todo o mundo, foram vendidas 1,9 milhão de unidades de dumbphones no Brasil no ano passado, queda de 18,28% em relação a 2021.

Para o analista Reinaldo Sakis, da IDC, os básicos não têm espaço no mercado atual porque as próprias fabricantes e teleoperadoras não consideram esse aparelho como rentável, já que possuem tíquete médio baixo e consomem pouco volume de dados de telefonia (o que inclui consumo de internet móvel, ligações e mensagens).

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“Nenhuma das fabricantes ganha dinheiro com esse produto”, afirma, citando que o custo de produção e importação e custo de vendas são pouco atraentes para os vendedores.

Além disso, os nichos de usuários, que inclui jovens, não devem segurar a queda do setor — no máximo, prolongar o desaparecimento. “Não é algo que vá mudar a tendência de diminuição das vendas”, diz. “É bem provável que esse aparelho desapareça até o final da década.”

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