O laboratório da Terray Therapeutics é uma sinfonia de automação miniaturizada. Robôs zunem transportando minúsculos tubos de fluidos para suas estações. Cientistas com jalecos azuis, luvas esterilizadas e óculos de proteção monitoram as máquinas.
Mas a verdadeira ação está acontecendo em nanoescala: proteínas em solução se combinam com moléculas químicas mantidas em poços minúsculos em chips de silício personalizados que são como forminhas de brigadeiro microscópicas. Cada interação é registrada, milhões e milhões por dia, gerando 50 terabytes de dados brutos diariamente - o equivalente a mais de 12 mil filmes.
O laboratório, com cerca de dois terços do tamanho de um campo de futebol, é uma fábrica de dados para a descoberta e o desenvolvimento de medicamentos assistidos por inteligência artificial (IA) em Monrovia, Califórnia. Ele faz parte de uma onda de empresas jovens e startups que tentam aproveitar a inteligência artificial (IA) para produzir medicamentos mais eficazes e mais rapidamente.
As empresas estão aproveitando a nova tecnologia - que aprende com enormes quantidades de dados para gerar respostas - para tentar refazer a descoberta de medicamentos. Elas estão mudando o campo de um trabalho artesanal meticuloso para uma precisão mais automatizada, uma mudança alimentada pela IA que aprende e fica mais inteligente.
“Quando você tem o tipo certo de dados, a IA pode trabalhar e se tornar muito, muito boa”, disse Jacob Berlin, cofundador e executivo-chefe da Terray.
Oportunidade
A maioria dos primeiros usos comerciais da IA generativa, que pode produzir de tudo, desde poesia até programas de computador, tem sido para ajudar a eliminar o trabalho penoso das tarefas rotineiras de escritório, atendimento ao cliente e elaboração de códigos. No entanto, a descoberta e o desenvolvimento de medicamentos é um setor enorme que, segundo os especialistas, está pronto para receber uma transformação da IA.
A IA é uma “oportunidade única no século” para o setor farmacêutico, de acordo com a empresa de consultoria McKinsey & Company.
Assim como os populares chatbots, como o ChatGPT, são treinados com base em textos da internet, e os geradores de imagens, como o DALL-E, aprendem com grandes quantidades de fotos e vídeos, a IA para a descoberta de medicamentos se baseia em dados. E são dados muito especializados - informações moleculares, estruturas de proteínas e medições de interações bioquímicas. A IA aprende com padrões nos dados para sugerir possíveis candidatos a medicamentos úteis, como se estivesse combinando chaves químicas com as fechaduras de proteínas certas.
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Como a IA para o desenvolvimento de medicamentos é alimentada por dados científicos precisos, as “alucinações” tóxicas são muito menos prováveis do que com chatbots mais amplamente treinados. E qualquer medicamento em potencial deve passar por testes extensivos em laboratórios e em testes clínicos antes de ser aprovado para os pacientes.
Empresas como a Terray estão construindo grandes laboratórios de alta tecnologia para gerar as informações que ajudam a treinar a IA, o que permite a experimentação rápida e a capacidade de identificar padrões e fazer previsões sobre o que pode funcionar.
A IA generativa pode então projetar digitalmente uma molécula de medicamento. Esse projeto é traduzido, em um laboratório automatizado de alta velocidade, para uma molécula física e testado quanto à sua interação com uma proteína-alvo. Os resultados - positivos ou negativos - são registrados e alimentam o software de IA para aprimorar seu próximo projeto, acelerando o processo geral.
Longo caminho
Embora alguns medicamentos desenvolvidos por IA estejam em testes clínicos, ainda é cedo para uma conclusão.
“A IA generativa está transformando o campo, mas o processo de desenvolvimento de medicamentos é confuso e muito humano”, disse David Baker, bioquímico e diretor do Institute for Protein Design da Universidade de Washington.
Tradicionalmente, o desenvolvimento de medicamentos tem sido um empreendimento caro, demorado e de acerto ou erro. Os estudos sobre o custo do desenvolvimento de um medicamento e da realização de testes clínicos até a aprovação final variam muito. Mas a despesa total é estimada em US$ 1 bilhão, em média. O processo leva de 10 a 15 anos. E quase 90% dos medicamentos candidatos que entram em testes clínicos em humanos fracassam, geralmente por falta de eficácia ou efeitos colaterais imprevistos.
Os jovens desenvolvedores de medicamentos de IA estão se esforçando para usar sua tecnologia para melhorar essas chances e, ao mesmo tempo, reduzir o tempo e o dinheiro.
Sua fonte mais consistente de financiamento vem das gigantes farmacêuticas, que há muito tempo atuam como parceiros e banqueiros de empreendimentos de pesquisa menores. Os atuais fabricantes de medicamentos com IA geralmente se concentram na aceleração dos estágios pré-clínicos de desenvolvimento, que, convencionalmente, levam de quatro a sete anos. Alguns podem tentar entrar em testes clínicos por conta própria. Mas é nesse estágio que as grandes corporações farmacêuticas geralmente assumem o controle, operando os caros testes em humanos, que podem levar mais sete anos.
Para as empresas farmacêuticas estabelecidas, a estratégia de parceria é um caminho de custo relativamente baixo para explorar a inovação.
“Para elas, é como pegar um Uber para levá-lo a algum lugar em vez de ter que comprar um carro”, disse Gerardo Ubaghs Carrión, ex-banqueiro de investimentos em biotecnologia do Bank of America Securities.
As principais empresas farmacêuticas pagam a seus parceiros de pesquisa para que atinjam marcos em direção a candidatos a medicamentos, o que pode chegar a centenas de milhões de dólares ao longo dos anos. E se um medicamento for aprovado e se tornar um sucesso comercial, haverá um fluxo de receita de royalties.
Empresas como Terray, Recursion Pharmaceuticals, Schrödinger e Isomorphic Labs estão buscando avanços. Mas há, em linhas gerais, dois caminhos diferentes - aqueles que estão construindo grandes laboratórios e aqueles que não estão.
A Isomorphic, o spinout de descoberta de medicamentos do Google DeepMind, o grupo central de IA da gigante da tecnologia, acredita que quanto melhor for a IA, menos dados serão necessários. E está apostando em sua capacidade de software.
Em 2021, o Google DeepMind lançou um software que previa com precisão as formas em que as cadeias de aminoácidos se dobrariam como proteínas. Essas formas tridimensionais determinam o funcionamento de uma proteína. Isso foi um impulso para a compreensão biológica e útil para a descoberta de medicamentos, uma vez que as proteínas determinam o comportamento de todos os seres vivos.
No mês passado, o Google DeepMind e a Isomorphic anunciaram que seu mais recente modelo de IA, o AlphaFold 3, pode prever como as moléculas e as proteínas irão interagir - uma etapa adicional no projeto de medicamentos.
“Estamos nos concentrando na abordagem computacional”, disse Max Jaderberg, diretor de IA da Isomorphic. “Acreditamos que há um enorme potencial a ser desbloqueado.”
A Terray, como a maioria das startups de desenvolvimento de medicamentos, é um subproduto de anos de pesquisa científica combinada com desenvolvimentos mais recentes em IA.
Jacob Berlin, o executivo-chefe, que obteve seu Ph.D. em química pela Caltech, buscou avanços em nanotecnologia e química ao longo de sua carreira. A Terray surgiu de um projeto acadêmico iniciado há mais de uma década no centro de câncer City of Hope, perto de Los Angeles, onde Jacob Berlin tinha um grupo de pesquisa.
A Terray está se concentrando no desenvolvimento de medicamentos de moléculas pequenas, basicamente qualquer medicamento que uma pessoa possa ingerir em um comprimido, como aspirina e estatinas. As pílulas são fáceis de tomar e de produção barata.
Os laboratórios elegantes de Terray estão muito longe dos velhos tempos da academia, quando os dados eram armazenados em planilhas do Excel e a automação era um objetivo distante.
“Eu era o robô”, lembrou Kathleen Elison, cofundadora e cientista sênior da Terray.
Mas em 2018, quando a Terray foi fundada, as tecnologias necessárias para construir seu laboratório de dados de estilo industrial estavam progredindo rapidamente. A Terray contou com os avanços de fabricantes externos para produzir os chips em microescala que a Terray projeta. Seus laboratórios estão repletos de equipamentos automatizados, mas quase todos são personalizados, o que é possível graças aos avanços na tecnologia de impressão 3D.
Desde o início, a equipe da Terray reconheceu que a IA seria crucial para dar sentido aos seus armazenamentos de dados, mas o potencial da IA generativa no desenvolvimento de medicamentos só se tornou aparente mais tarde - embora antes de o ChatGPT se tornar um sucesso em 2022.
Narbe Mardirossian, cientista sênior da Amgen, tornou-se diretor de tecnologia da Terray em 2020, em parte devido à riqueza de dados gerados em laboratório. Sob o comando de Narbe Mardirossian, a Terray desenvolveu suas equipes de ciência de dados e criou um modelo de IA para traduzir dados químicos em matemática e vice-versa. A empresa lançou uma versão de código aberto.
A Terray tem acordos de parceria com a Bristol Myers Squibb e a Calico Life Sciences, uma subsidiária da Alphabet, empresa controladora do Google, que se concentra em doenças relacionadas à idade. Os termos desses acordos não foram divulgados.
Para expandir, a Terray precisará de fundos além de seus US$ 80 milhões em financiamento de risco, disse Eli Berlin, irmão mais novo de Jacob Berlin. Ele deixou um emprego em private equity para se tornar cofundador e diretor financeiro e operacional da startup, convencido de que a tecnologia poderia abrir as portas para um negócio lucrativo.
A Terray está desenvolvendo novos medicamentos para doenças inflamatórias, incluindo lúpus, psoríase e artrite reumatoide. A empresa, segundo Jacob Berlin, espera ter medicamentos em testes clínicos até o início de 2026.
As inovações na fabricação de medicamentos da Terray e de suas congêneres podem acelerar o processo, mas só até certo ponto.
“O teste definitivo para nós, e para o campo em geral, é se daqui a 10 anos você olhar para trás e puder dizer que a taxa de sucesso clínico aumentou muito e que temos medicamentos melhores para a saúde humana”, disse Jacob Berlin.
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