Durante meses ou até mesmo anos de pandemia e ensino remoto, os adolescentes recorreram à tecnologia para manter sua vida social ativa. E independentemente de os pais estarem cientes disso ou não, eles também a usaram para explorar suas sexualidades.
Pesquisas preliminares sugerem que os adolescentes praticaram sexting, ou seja, enviaram imagens, vídeos ou mensagens com teor sexual por meios eletrônicos mais do que nunca durante a pandemia, de acordo com a organização sem fins lucrativos Common Sense Media. Agora, eles estão voltando para a sala de aula e encarando de frente os riscos e recompensas de uma vida romântica vivida online. Uma enquete de uma pesquisa sobre o tema publicada na revista acadêmica Jama em 2018 descobriu que um quarto dos adolescentes já tinha recebido esse tipo de conteúdo, enquanto cerca de 15% afirmaram ter enviado algo do tipo alguma vez. Desde então, pesquisas conclusivas têm sido escassas, mas os especialistas dizem que a prática provavelmente está alta, já que os adolescentes ficaram confinados em suas casas.
A vontade de ver e enviar fotos de corpos nus é totalmente normal, disse Devorah Heitner, fundadora da organização que dá consultoria a pais e educadores a respeito do comportamento de crianças e jovens no mundo digital Raising Digital Natives. Os adolescentes não são exceção, mas são particularmente vulneráveis aos perigos relacionados a compartilhar ou receber imagens desse tipo. Depois de um adolescente clicar em “enviar”, é difícil controlar onde aquele conteúdo vai parar, seja nas mãos de colegas de classe cruéis ou estranhos na internet.
O uso cada vez maior das mídias sociais por adolescentes os expõe a mais predadores: de 2019 a 2020, os relatos de adultos seduzindo menores online dobraram de 19 mil para cerca de 38 mil, segundo os dados do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos.
O compartilhamento desse tipo de conteúdo pode levar a cyberbullying, violações de privacidade e chantagem, dizem os especialistas. E o estigma social do sexting muitas vezes leva as pessoas a punirem com mais severidade as vítimas de infrações relacionadas ao sexting do que os criminosos, ao mesmo tempo que a escassa educação sexual deixa os adolescentes confusos em relação a consentimento.
“Não sugiro prender uma criança de 13 anos na primeira vez que ela apresentar esse comportamento, mas deve haver uma maneira de responder por isso, sobretudo para as crianças do fundamental II que foram tão prejudicadas pela pandemia em seu desenvolvimento social nos últimos anos”, disse Devorah.
Para os pais, a tecnologia talvez pareça o problema, mas ela também pode ser parte da solução. Alguns aplicativos permitem que os responsáveis acompanhem a atividade online dos filhos, e um novo recurso nos dispositivos da Apple exibe um alerta a menores de idade antes de enviarem ou receberem fotos íntimas. No entanto, mais importante do que as configurações do celular é conversar com seus filhos adolescentes a respeito de sexting e qual o papel que eles querem que a tecnologia tenha em seus relacionamentos.
Aqui está o que todos os responsáveis por crianças e adolescentes precisam saber.
'Sexting' é ilegal para menores
Enviar ou receber fotos íntimas de menores de 18 anos é considerado crime de pornografia infantil de acordo com a lei federal dos EUA (e do Brasil também) – mesmo que tanto quem enviou como quem recebeu sejam menores e a troca tenha sido consensual.
O sexting entre adolescentes raramente é tratado como um delito, disse Carrie Goldberg, advogada do escritório de advocacia C.A. Goldberg e especialista em violações de privacidade sexual, mas ambas as partes estão expostas a problemas legais.
Determine limites no mundo digital e converse sobre o papel da tecnologia nos relacionamentos
Os adolescentes não deveriam lidar com esse tópico complicado sozinhos. Como responsável, avise-os que você verificará seus telefones e outros dispositivos e, depois, faça isso em intervalos não previsíveis, disse Lexx Brown-James, terapeuta sexual e educadora.
Se seus dispositivos forem da Apple e você tiver configurado o Compartilhamento Familiar, é possível ativar alertas no aplicativo Mensagens do seu filho para que ele receba um aviso antes de enviar ou receber nudes. As imagens com nudez aparecem com efeito desfocado antes de serem entregues, diz a Apple, e os menores recebem um aviso perguntando se desejam ver ou enviar a foto, ou alertar um adulto de confiança. (Segundo a Apple, ela analisa as imagens diretamente nos dispositivos para que a empresa não tenha acesso às fotos.)
Em seguida, ajude seu filho adolescente a definir alguns limites no mundo digital, disse Lexx. O sexting é permitido em sua família – e qual deve ser a consequência por quebrar essa regra?
O cérebro de um adolescente é diferente do de um adulto, o que pode tornar mais difícil para ele ponderar recompensas e consequências, disse Lexx. Ajudá-los a pensar nas razões pelas quais eles querem compartilhar ou ter acesso a esse tipo de conteúdo e as possíveis repercussões os preparará para tomar melhores decisões, disse ela.
Claro, isso significa reconhecer que há benefícios no sexting, ela observou: é divertido se sentir atraente, chamar a atenção de seu crush, admirar o próprio corpo e ver o de outras pessoas. Validar esses sentimentos é mais realista do que fingir que eles não existem, disse ela.
Os adolescentes também precisam de informações diretas em relação aos riscos do sexting. Carrie disse que seu escritório tem atendido centenas de clientes – alguns com apenas 11 anos – que foram chantageados, vítimas de cyberbullying ou tiveram sua privacidade violada depois de compartilharem nudes de si mesmos. As pessoas com frequência repassam essas imagens sem a permissão de quem as enviou. Os predadores usam essas fotos para extorquir as vítimas, ameaçando mostrá-las para amigos ou pais. Depois de as imagens serem espalhadas pelas redes sociais, as empresas de tecnologia podem demorar para tirá-las do ar, disse Carrie.(No entanto, o Google tem uma ferramenta que permite que menores e seus responsáveis solicitem a remoção das fotos dos resultados de imagens do mecanismo de busca.)
Continue trocando figurinhas com seu filho adolescente depois daquela primeira conversa, disse Lexx. Caso não se sinta confortável, ela recomenda pedir a um amigo de confiança ou familiar para abordar o tema com seu filho.
Não existe ‘sexting seguro’, mas há maneiras de ser mais cauteloso
Aplicativos de mensagens efêmeras, como o Snapchat, não impedem que os destinatários capturem telas com mensagens, e existem maneiras de fazer isso sem avisar ao remetente. Mesmo que um aplicativo não permita capturas de tela, alguém ainda poderia tirar uma foto da tela com outro dispositivo.
No caso de querer enviar uma mensagem com conteúdo erótico, é possível fazer isso de forma segura, deixando de fora o rosto e quaisquer marcas que permitam a identificação ou tatuagens, disse Lexx. Evite armazenar fotos íntimas em aplicativos sincronizados com a nuvem, como o Apple Photos ou o Google Photos. E fotos “sedutoras” que não revelam partes íntimas do corpo são mais seguras do que as explícitas, observou ela.
Consentimento é obrigatório
Mesmo se você disser a ele para não fazer isso, seu filho adolescente talvez decida compartilhar esse tipo de conteúdo.Uma conversa franca sobre consentimento pode ajudar a protegê-lo de situações de abuso, de acordo com especialistas.
Se alguém enviar uma foto íntima sem permissão – mesmo como uma brincadeira – não está tudo bem, disse Devorah, e eles podem denunciá-la a um adulto.
Sexting nem sempre é recíproco, disse Carrie. Alguns adolescentes se sentem obrigados a enviar uma foto ao receber um nude. Se alguém fizer pressão para enviar uma foto íntima ou pedir mais uma vez depois de receber um não, isso é falta de respeito, acrescentou ela. Deixe seu filho saber que não há problema em perder o interesse de pessoas agressivas.
Mudar o comportamento de quem recebe sexting tem mais efeito para evitar abusos do que mudar o comportamento de quem envia esse tipo de conteúdo, disse ela. Esclareça aos adolescentes que nunca é aceitável repassar ou ver imagens sem a permissão do remetente.
Eles podem contar com você caso algo ruim aconteça
O principal conselho de Carrie para os pais e responsáveis é eles deixarem claro para o adolescente que, se algum dia ele for pressionado ou humilhado por causa de sexting, poderá pedir ajuda a você.
Muitas vezes, a situação de abuso é prolongada porque as vítimas têm muito medo de contar aos responsáveis o que está acontecendo. Quando crianças e adolescentes não conseguem ver uma saída para o bullying ou abuso, eles geralmente se machucam, disse Carrie. Ao deixar seu filho consciente de que ele não terá problemas por se encontrar em uma situação como essa, você dá a ele uma tábua de salvação para o caso de algo ruim acontecer.
São os criminosos que devem sentir vergonha, não as vítimas
Muitas vezes, nudes vazados são repassados entre colegas de escola e as vítimas recebem mais desprezo do que os culpados, disse Carrie. As crianças aprendem esse comportamento com os pais e educadores, disse ela. Quando alguém é vítima de uma violação de privacidade sexual, mostre compaixão para os seus filhos e coloque a culpa no lugar certo: no infrator.
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