O TikTok vem sendo perseguido há meses por acusações de que seu aplicativo tem mostrado uma quantidade desproporcional de conteúdo pró-palestino e antissemita aos usuários de sua plataforma de vídeo extremamente popular. A empresa rejeitou veementemente esses argumentos, e seus executivos se reuniram várias vezes com grupos judeus para discutir essas preocupações. No entanto, as acusações de preconceito ajudaram a alimentar o debate sobre um projeto de lei da Câmara americana aprovado este mês, que forçaria o proprietário chinês do TikTok, a ByteDance, a vender o aplicativo ou a proibi-lo.
Quando Barak Herscowitz entrou para o TikTok há dois anos, no escritório da empresa em Tel Aviv, sua função era recrutar agências governamentais israelenses e outros grupos do setor público para participar do serviço de vídeo e tirar proveito de sua popularidade. Sua proposta: o TikTok era uma poderosa ferramenta de comunicação e estava se tornando mais influente no país a cada dia.
Mas Herscowitz, 38, israelense que trabalhou para o ex-primeiro-ministro conservador do país, Naftali Bennett, e que às vezes criticava os palestinos na rede social X, ficou desencantado com a empresa após o início da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas em outubro.
Suas frustrações resultaram do fato de ver alguns funcionários expressarem opiniões anti-Israel em um bate-papo de grupo interno e do que ele percebeu ser um padrão duplo na forma como a empresa aprovava anúncios que se referiam à guerra, disse ele em uma entrevista. E ele não ficou satisfeito com a resposta da empresa quando levantou essas preocupações.
No final de janeiro, ele se demitiu.
A experiência de Herscowitz, bem como as entrevistas com quatro funcionários atuais do TikTok e dezenas de capturas de tela de conversas internas, indicam como algumas dessas mesmas correntes de descontentamento têm agitado o TikTok internamente. Herscowitz aludiu a algumas dessas preocupações em um post no X logo após sua saída, que foi mencionada naquela semana em uma audiência no Senado com executivos de rede social, incluindo o executivo-chefe da TikTok, Shou Chew.
Herscowitz e os quatro funcionários disseram que eles e outros colegas expressaram insatisfação nos canais internos com a forma como a empresa gerenciou as críticas internas a Israel e o diálogo sobre a guerra. Além disso, eles ficaram chateados ao ver opiniões pessoais, às vezes extremas, divulgadas em uma sala de bate-papo da empresa que os funcionários criaram após o início da guerra, chamada Palestinian Support. Os funcionários ficaram frustrados com o fato de o grupo incluir alguns funcionários da divisão de confiança e segurança do TikTok, que estabelece regras sobre o conteúdo da plataforma.
“Acho que eles estão cientes que existem alguns funcionários que não apenas compartilham essas opiniões, mas que estão em posição de moldar o conteúdo e a política da plataforma”, disse Herscowitz, acrescentando que muitos israelenses achavam que a empresa era tendenciosa contra os judeus.
O TikTok, quando questionado sobre as preocupações levantadas por Herscowitz e outros colegas, disse que todos os seus funcionários eram responsáveis por aderir ao código de conduta interno do TikTok, “que promove o respeito mútuo e prevê um local de trabalho livre de discriminação e assédio”. A empresa acrescentou que as postagens que Herscowitz havia sinalizado como inadequadas ou ofensivas não haviam sido feitas por pessoas que trabalhavam diretamente na moderação de conteúdo ou na política de conteúdo.
O TikTok há muito tempo diz que seu algoritmo de recomendação não “toma partido” em questões. A empresa apontou para dados da empresa Gallup que mostram que os millennials — jovens nascidos entre os anos 80 e meados dos anos 90 — nos Estados Unidos têm se tornado cada vez mais simpáticos aos palestinos nos últimos anos.
A empresa disse que estava trabalhando agressivamente para combater o discurso de ódio no aplicativo. A empresa removeu mais de 34 milhões de vídeos que violavam suas regras nos Estados Unidos de outubro a dezembro de 2023, e mais de 96% foram retirados antes que os usuários os denunciassem, disse a empresa.
O TikTok também disse que seus moderadores dos EUA receberam treinamento sobre preconceito inconsciente e outros direcionamentos e desenvolvimentos de políticas. Sua equipe de confiança e segurança, que o TikTok disse ser composta por mais de 40 mil pessoas, participou de um programa de enriquecimento do Yad Vashem, o memorial do Holocausto de Israel, para aprofundar sua compreensão e erradicar melhor o antissemitismo no aplicativo.
“Essas acusações deturpam deliberadamente nossas ações de remoção de conteúdo inapropriado em poucos minutos após a notificação”, disse Jamie Favazza, porta-voz do TikTok, em um comunicado. “Nós nos opomos vigorosamente ao antissemitismo em todas as suas formas e aplicamos nossas políticas igualmente a todos os conteúdos e anúncios no TikTok.”
Nas principais empresas de tecnologia, as tensões internas sobre questões políticas são frequentemente acompanhadas de acusações de que as opiniões dos funcionários poderiam influenciar a forma como as postagens sobre essas questões são exibidas em suas plataformas. Em 2019, o Google desencorajou os funcionários a discutir política em listas de discussão e fóruns internos. Em 2022, a Meta disse aos funcionários para não discutirem abertamente a decisão da Suprema Corte que elimina o direito constitucional ao aborto.
No TikTok, grande parte da tensão surgiu em torno dos bate-papos em grupo no Lark, o sistema interno de mensagens da empresa, de acordo com os quatro funcionários, que falaram sobre as frustrações na companhia. Esses funcionários, em três escritórios ao redor do mundo, falaram apenas sob a condição de anonimato, por medo de represálias por discutir detalhes da empresa.
Os funcionários compartilharam suas opiniões sobre o conflito de várias maneiras. Alguns adicionaram bandeiras israelenses e fitas amarelas para os reféns mantidos pelo Hamas em seus perfis internos de trabalho que aparecem quando enviam mensagens aos colegas, disseram dois dos funcionários. Outros adicionaram bandeiras palestinas e frases como “pare a limpeza étnica” ou “do rio ao mar” - um slogan nacionalista palestino de décadas que muitos também veem como um apelo à aniquilação de Israel - a seus perfis, de acordo com os funcionários e capturas de tela.
O TikTok já tinha um grupo formal de afinidade para funcionários judeus e israelenses chamado MazalTok, mais tarde renomeado L’Chaim. Seu número dobrou após o início da guerra. Vários funcionários disseram que ser judeu no TikTok nos meses após o ataque às vezes parecia um fator de isolamento.
Um grupo de funcionários criou o grupo de apoio aos palestinos depois de 7 de outubro, atraindo centenas de membros, onde compartilhavam experiências pessoais, bem como informações sobre o conflito e sugestões sobre onde fazer doações para obter ajuda.
Logo no início, vários funcionários judeus argumentaram no bate-papo L’Chaim que o grupo de Apoio à Palestina continha postagens ofensivas. Um executivo da TikTok repreendeu esses funcionários por reações injustas a colegas que buscavam um espaço seguro, dizendo: “quando conteúdo inadequado é postado nos canais da Lark, há um grupo de pessoas trabalhando duro para remover as coisas nos bastidores”.
Alguns funcionários israelenses criaram outro bate-papo chamado grupo de apoio israelense, que também atraiu centenas de funcionários. O TikTok parece ter gerentes supervisionando as conversas em cada um dos grupos, com base em capturas de tela compartilhadas com o jornal americano The New York Times, embora os grupos não sejam considerados oficialmente aprovados pela empresa.
Herscowitz compilou um memorando em dezembro sobre o que ele e vários outros colegas do escritório de Israel consideravam postagens ofensivas no grupo de Apoio à Palestina, bem como seus problemas com anúncios, e o enviou a um grupo de altos executivos da TikTok, incluindo Adam Presser, seu chefe de operações que foi recentemente promovido para supervisionar a divisão de confiança e segurança da empresa.
O memorando, que, segundo ele, circulou entre mais de 20 funcionários, mostrava que um membro do grupo havia compartilhado uma publicação que dizia: “arrume um amigo que o ame como o Iêmen ama a Palestina”, o que parecia tolerar os ataques da milícia Houthi, e outro compartilhava informações sobre como apoiar o movimento de boicote, desinvestimento e sanções contra Israel. O TikTok disse que essas publicações foram removidas rapidamente após serem sinalizadas, às vezes em questão de minutos.
Herscowitz disse, ainda, que teve algumas conversas com um executivo em resposta ao seu memorando, mas que se sentiu amplamente ignorado. O TikTok disse que vários líderes fizeram esforços de boa-fé para abordar as preocupações de Herscowitz e que tomou medidas em relação a vários itens que ele sinalizou.
No mês passado, o grupo de apoio aos palestinos removeu quase todos os seus membros que eram judeus ou que tinham vínculos com o grupo de apoio aos israelenses e passou a ser apenas para convidados, de acordo com capturas de tela de ambos os grupos. Vários membros da equipe argumentaram que foram removidos por serem judeus e apresentaram queixas de discriminação ao escritório de ética do TikTok, de acordo com três dos funcionários. O TikTok disse: “oferecemos uma maneira de relatar preocupações anonimamente e investigamos todas as denúncias”.
A decisão foi tomada pelos funcionários que administram o grupo. O Times entrou em contato com seis pessoas listadas como membros do grupo Palestinian Support. Nenhuma respondeu a um pedido de comentário. Os moderadores do grupo de Apoio à Palestina disseram aos membros que removeram determinados colegas para “proporcionar uma melhor sensação de segurança a essa comunidade” e minimizar “a sensação de estar sendo monitorado por pessoas que podem não ter intenções positivas”, como mostra uma captura de tela.
Herscowitz disse que também estava preocupado com o fato de o TikTok aplicar suas políticas de anúncios de forma inconsistente. A empresa rejeitou anúncios com reféns israelenses no ano passado, alegando que eles violavam as diretrizes de exibição de cenas de guerra. Mas ele disse que a empresa aceitou anúncios de grupos de ajuda humanitária em busca de doações que mostravam destruição em Gaza.
O TikTok disse que atualizou suas regras este ano para que os anúncios de campanhas humanitárias possam ser veiculados mesmo que façam referência à guerra ou retratem vítimas da guerra. A empresa disse que veiculou anúncios da Cruz Vermelha israelense e outros que mostravam vítimas de reféns.
Gabe Zichermann, que presta consultoria sobre cultura corporativa e envolvimento dos funcionários, disse que muitas empresas estavam enfrentando um diálogo interno intenso com o qual nunca haviam lidado antes.
“O conflito entre Israel e Hamas está criando novos problemas, e as empresas certamente estão lidando com isso de maneiras diferentes”, disse ele.
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