De manhã, você dá uma olhada no e-mail. Ao meio-dia, navega nas redes sociais e manda mensagens para os amigos. À noite, ouve música enquanto faz compras online. Na hora de dormir, entra debaixo das cobertas com um e-book nas mãos.
Em todas essas atividades, você provavelmente usa um produto fabricado ou vendido por Google, Amazon, Apple ou Facebook. Não tem um jeito muito simples de evitar essas quatro gigantes. Mesmo ouvindo o Spotify, você provavelmente usa um celular Android, do Google, um alto-falante da Amazon ou um iPhone, da Apple, para transmitir a música. Mesmo se você deletou o Facebook, talvez ainda esteja usando o Instagram ou o WhatsApp, que são de propriedade do Facebook.
Ficar na mão desse pequeno conjunto de empresas, que tocam todos os cantos da nossa vida digital, é precisamente o motivo pelo qual os congressistas americanos convocaram os principais executivos da Amazon, Google, Facebook e Apple para testemunhar numa audiência antitruste no mês passado. Os titãs da tecnologia foram questionados sobre o porquê de suas empresas terem se tornado tão poderosas e onipresentes, a ponto de prejudicarem os rivais e a todos nós também.
Então, o que podemos fazer para escapar do domínio?
À primeira vista, talvez pareça que não temos muita escapatória. “Você não vai falir a Amazon só de começar a comprar livros nas livrarias do seu bairro”, disse Jason Fried, fundador da Basecamp, empresa de Chicago que oferece aplicativos de produtividade.
Mas, quanto mais eu pensava no assunto, mais percebia que existem alguns passos que podemos dar para ajudar também as pequenas empresas de tecnologia. Para começar, faríamos um grande favor a nós mesmos e às pequenas empresas se nos mantivéssemos informados sobre as alternativas. Poderíamos mudar nossos padrões de consumo para não comprarmos produtos novos apenas das gigantes da tecnologia. E poderíamos demonstrar nosso apoio aos desenvolvedores independentes que fazem os aplicativos que amamos.
Como Fried disse, “podemos fazer algumas coisas para mudar a nossa própria consciência”. Veja como.
Quando possível, busque alternativas
O primeiro passo para se tornar um consumidor mais consciente é fazer algumas pesquisas.
Embora o Google Chrome seja o navegador de web mais popular, existem alternativas que coletam menos dados sobre nós. E, ainda que todos os nossos amigos estejam no Facebook, também existem outros aplicativos ou métodos que podemos usar para ficarmos conectados com eles. O negócio é ler sites de notícias e blogs de tecnologia para saber das opções.
“Você precisa ler e se informar”, disse Don Heider, executivo-chefe do Centro Markkula de Ética Aplicada na Universidade de Santa Clara. “Caso contrário, você não terá ideia de aonde ir, o que escolher e qual será o impacto”.
Heider deu alguns exemplos: em vez do Google Chrome, as pessoas podem baixar ótimos navegadores, entre eles DuckDuckGo, Brave e Opera, que se concentram em proteções mais fortes de privacidade e segurança. Em vez do Facebook, podemos falar para nossos amigos nos encontrarem em aplicativos de rede social como Vero e Mastodon, que não têm anúncios, disse ele.
O mesmo vale para a Amazon. Em vez de pedir papel-toalha e álcool gel na Amazon, tente comprar esses itens numa loja local. Em vez de encomendar uma nova coleira de cachorro na Amazon, procure comprar de um comerciante independente na Etsy.
Fried diz que raramente compra na Amazon, pega táxi em vez de Uber e procura livros via IndieBound, um recurso para comprar títulos de livrarias locais. “Quando o padrão é apenas Amazon, Amazon, Amazon, você está só alimentando a chama”, disse ele.
Por que comprar novo? Compre Usado
Por falar em alternativas, existe uma maneira diferente de comprar hardware: compre gadgets usados ou recondicionados.
Quando você compra um celular ou computador novo, seus dólares vão diretamente para os gigantes da tecnologia que criaram os produtos. Mas, quando você compra aparelhos usados, está apoiando uma comunidade mais ampla de pequenas empresas que consertam e revendem equipamentos.
Muitos de nós geralmente evitamos os eletrônicos usados porque tememos que os produtos estejam em péssimas condições. A realidade é que os revendedores trabalham com técnicos que restauram a antiga glória dos produtos antes de colocá-los à venda – e os aparelhos geralmente vêm com garantia. Entre os fornecedores respeitáveis de bens usados estão GameStop e Gazelle.
Comprar eletrônicos usados também contribui para uma missão mais ampla: o chamado movimento pelo direito de consertar.
Ao contrário da mecânica de automóveis, as pequenas oficinas de eletrônicos têm acesso limitado às peças e instruções necessárias para receber nossos smartphones, tablets e computadores. Grupos de defesa pública e a comunidade de reparos pressionaram pela aprovação de uma legislação que exigiria que os fabricantes de eletrônicos compartilhassem todos os componentes e informações necessárias para consertar nossos aparelhos.
Se mais pessoas optarem por comprar bens usados ou recondicionados, isto mostrará que há demanda por produtos que passaram por conserto. O que, por sua vez, pressionará os fabricantes a tornarem os reparos mais acessíveis a consumidores e técnicos independentes, disse Carole Mars, diretora de desenvolvimento técnico e inovação do Sustainability Consortium, que estuda a sustentabilidade dos bens de consumo.
“Tudo se resume a aceitar e demandar produtos recondicionados”, disse Mars. “Aí você vai perguntar: ‘Por que não consigo comprar esse produto depois de usado ou consertado? É porque a empresa não deixou’”.
Então, tente criar esse hábito: sempre que comprar um eletrônico online, verifique se há uma opção usada ou recondicionada. Se encontrar um produto em boas condições, vá em frente e economize alguns dólares.
Apoie desenvolvedores independentes
Muito do que fazemos com nossos dispositivos só é possível por causa de empresas menores que produzem nossos aplicativos e jogos. Uma maneira de demonstrar nosso apoio a Davi, e não a Golias, é ter um pouco de paciência e empatia pelos desenvolvedores independentes.
As pessoas geralmente ficam irritadas quando um aplicativo ou jogo que amam exige uma atualização de software e cobra entre US $ 3 a US $ 10 pela nova versão. Tente não se irritar – são empresas pequenas tentando sobreviver, não grandes empresas tentando ordenhar você – e se disponha a pagar. É o mesmo valor de uma xícara de café ou um sanduíche, e você está ajudando um software que ama.
“Se você pode pagar pelo software de que você gosta”, disse Brianna Wu, desenvolvedora de jogos, “você provavelmente tem uma responsabilidade ética de fazê-lo, da mesma maneira que teria a responsabilidade ética de dar gorjeta a uma garçonete. A realidade é que, na maioria das vezes, quando você joga um videogame independente, esse grupo de pessoas aposta o futuro de toda a empresa na esperança de você pagar para jogar”.
Lembre-se também de que os pequenos desenvolvedores de aplicativos não contam com os enormes orçamentos de marketing dos senhores da tecnologia. Eles dependem muito de todos nós para fazer marketing de base, na forma de resenhas ou de propaganda boca a boca, disse David Barnard, fundador do estúdio de aplicativos Contrast. Então, se você ama um aplicativo, conte para seus amigos.
Vou encerrar com um exemplo: meu software favorito para Mac é o Fantastical, um aplicativo de calendário que faz um trabalho melhor e mais confiável na organização de meus calendários online do que o aplicativo da Apple.
Era um aplicativo caro – US$ 50 –, mas me transformou num cara pontual, o que faz com que valha cada centavo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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