Sempre que percorre uma das ruas que costuma frequentar, Yasmim Ribeiro, 19, encontra com a mãe em frente ao portão do colégio em que trabalhava, na cidade de São Paulo. A calçada e as roupas são sempre as mesmas, mas algo mudou nos últimos meses. As caminhadas deixaram de ocorrer no mundo offline e passaram a ser virtuais, dentro do Google Street View. Dona Jakeline, mãe de Yasmim, morreu em março, mas sua presença ficou registrada em uma imagem da ferramenta do Google.
Quando quer reencontrar a mãe em uma cena totalmente cotidiana, Yasmim acessa o serviço - e não está sozinha. Com 15 anos de existência, o Google Street View virou uma espécie de memorial involuntário para amigos e parentes de pessoas que já morreram.
A principal função do serviço, é claro, não é ser um álbum de fotos. A ferramenta, que arquiva imagens 360º de ruas em todo o mundo, é uma velha aliada na hora de programar viagens e orientar trajetos. Com várias tecnologias desenvolvidas nos últimos anos, a integração com informações de transporte público e trânsito, por exemplo, fazem do site um sucesso da gigante das buscas.
Mas a procura por rostos conhecidos nas ruas do mapa sempre existiu — seja para dar risada de registros inusitados ou sentir-se vaidoso por ter sido captado pelas lentes da empresa. Com o tempo, porém, os usuários perceberam que a ferramenta passou a eternizar aqueles que já partiram.
Recentemente, um tuíte viralizou ao mostrar como um homem encontra a mãe no serviço do Google. Na publicação, que já tem mais de 10 mil compartilhamentos e quase 307 mil curtidas, Cris Silva conta sobre a perda da mãe e de como encontrou a foto no site.
“Quando eu tô com muita saudade, eu abro o Google Maps e vejo essa foto dela me esperando chegar. Que você tenha um feliz Dia das Mães aí no céu, saudades demais”, escreveu no Twitter.
Foi a partir do relato de Cris que muita gente também se sentiu inspirada a buscar suas próprias histórias no mapa — Cecilia Sobral, 20, de Lagoa da Prata (MG), é uma delas. Para a mineira, não é exatamente a foto do avô que está registrada, mas um hábito muito comum que lhe era característico:
“(Encontrei) não exatamente o meu avô, mas onde ele ficava sentado na porta de casa. Dá pra ver a água escorrendo no canto da casa, onde ele ia tomar banho de mangueira à tarde. A gente se lembra como era no dia a dia. É muito mais forte”, diz Cecilia.
Recursos
Criado em 2007, o Street View exige um processo minucioso de registro. Para oferecer as visões de diversas partes do globo, a equipe já percorreu 16 milhões de quilômetros em cerca de 100 países. No total, a equipe produziu mais de 200 bilhões de imagens.
Recentemente, a gigante anunciou novas funções e formas de captar as imagens. Entre as novidades estão uma nova câmera, mais leve e adaptável a diferentes tipos de veículos, e novas visualizações imersivas, como a visão da parte de dentro de estabelecimentos e projeções 3D em tempo real de placas, avisos e instruções para acessar pontos turísticos, por exemplo.
Um desses recursos, porém, serve especialmente para quem procura parentes e amigos.Em um menu abaixo da imagem mais recente no serviço, estarão disponíveis todas as fotos já feitas pelo Google ao longo do tempo.
Essa função permitiu que Natan Moraes, 26, de Parnaíba (PI), descobrisse fotos do avô. “Em dezembro de 2020, eu estava vendo umas fotos antigas minhas e da minha família, então me deu uma saudade da casa que morávamos, tenho muitas memórias afetivas nesse lugar”, conta Moraes. “Meu avô fazia sempre o mesmo percurso (perto de casa). Sempre quando estou com saudades, eu dou uma olhada lá”.
Importância
De acordo com Maria Julia Kovács, professora do laboratório de estudos sobre a morte da Universidade de São Paulo (USP), o encontro de fotos como as contidas no Street View é parte de um processo para manter vivo um laço com quem já se foi.
“Os registros podem ser importantes porque podem ajudar a memória e lembranças que são importantes para o processo de luto. Guardar isso é garantir que (o laço com a pessoa perdida) não se deteriore”, explica.
“Chorei bastante, porque ainda é uma ferida muito aberta. Fiquei feliz de ver ela ali registrada. Fiquei emocionada até em passar pelas imagens antigas e ver que o carro dela estava sempre parado ali na porta”, explica Yasmim.
Embora estejam longe de exibir a mesma qualidade de fotos feitas pelo celular, as imagens captadas pelo Street View carregam uma característica bastante importante para quem quer cultivar o laço com quem já se foi: espontaneidade. Julie Swets, especialista em nostalgia pela Universidade Cristã do Texas, afirma que a lembrança de cenas cotidianas podem fazer parte de uma fase importante para quem vive o luto — a diferença entre uma foto posada e uma espontânea, por exemplo, causa diferentes reações nos usuários.
“Pesquisas mostram que pode haver alguma diferença em nossas reações a sentimentos nostálgicos, dependendo se procuramos intencionalmente a nostalgia ou algo em nosso ambiente desencadeia a emoção contra nossa vontade”, explica Julie.
Esse parece ser o caso de Yasmim: “Minha mãe não era muito fotogênica, então tirar foto era bem raro. Geralmente, era só quando ela ia sair. No mapa (do Google), era como eu estava acostumada a vê-la sempre”, diz.
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