Digidog, um 'cão-robô' policial, causa preocupações em relação à privacidade

Testado pelo Departamento de Polícia de Nova York, o robô pode ser acionado em situações perigosas para manter os policiais mais seguros; equipamento é visto como uma possível ferramenta de vigilância

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Por Maria Cramer e Christine Hauser
Segundo a polícia, o robô é capaz de enxergar no escuro e avaliar se é seguro para policiais entrarem em um local em que possa haver uma ameaça Foto: Boston Dynamics

Dois homens eram mantidos reféns em um apartamento do Bronx, em Nova York (EUA). Eles tinham sido ameaçados com armas de fogo, amarrados e torturados por horas por outros dois homens, que se passaram por encanadores para entrar no local, afirmou a polícia. Uma das vítimas conseguiu escapar e chamou a polícia, que apareceu no apartamento sem saber se os homens armados ainda estavam lá. Diante do cenário, os policiais decidiram que era o momento de acionar o cão robótico Digidog para ajudar no caso. 

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Digidog tem 30 quilos e se locomove com passos firmes. Ele tem câmeras e luzes instaladas em sua estrutura e conta com um sistema de comunicação de duas vias que permite aos policiais que o controlam remotamente ver o que está acontecendo e ouvir sons do ambiente. Segundo a polícia, o robô é capaz de enxergar no escuro e avaliar se é seguro para policiais entrarem em um local em que possa haver uma ameaça.

No caso do assalto no apartamento do Bronx, a polícia afirmou que o Digidog ajudou os agentes a determinar que não havia ninguém mais por lá. A polícia disse que ainda está realizando buscas para tentar prender os dois homens que roubaram um celular e US$ 2 mil em dinheiro — e queimaram uma das vítimas com um ferro de passar.

“A polícia de Nova York tem usado robôs desde a década de 1970 para salvar vidas em situações de reféns e incidentes que envolvem produtos perigosos”, afirmou o departamento policial no Twitter. “Esse modelo de robô está sendo testado para avaliarmos sua capacidade em relação a outros modelos já em uso pelo nosso serviço de emergência e pelo esquadrão antibombas.”

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Mas há ceticismo em torno do uso desse robô, principalmente em relação à privacidade

A deputada federal Alexandria Ocasio-Cortez, do Partido Democrata, descreveu o Digidog no Twitter como um drone “terrestre de vigilância robótica”.

“Perguntem a si mesmos, quando foi a última vez que vocês viram uma tecnologia de ponta, de alto nível, usada para educação, assistência médica ou habitação etc. Ter uso consistente e prioritário em comunidades carentes dessa maneira?”, postou ela no Twitter, com um link para uma reportagem do New York Post a respeito do Digidog.

A preocupação já foi formalizada. A Câmara Municipal de Nova York aprovou a Lei de Supervisão Pública de Tecnologias de Vigilância em junho do ano passado, em meio a esforços para reformar a polícia, muitos deles desencadeados pelas manifestações do movimento Black Lives Matter. A lei exige do Departamento de Polícia mais transparência em relação às suas estratégias de vigilância e ferramentas tecnológicas, incluindo o Digidog, algo que os defensores das liberdades civis afirmam faltar.

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Jay Stanley, analista sênior de políticas da União Americana pelas Liberdades Civis, afirmou que dar poder para um robô realizar trabalho policial poderia influenciar preconceitos, vigilância por dispositivos móveis, atuação de hackers e invasões de privacidade. Também existe a preocupação com a possibilidade de o robô ser associado a outras tecnologias e transformado em arma.

“Não vemos muitos departamentos de polícia adotando novas ferramentas poderosas de vigilância sem avisar, ou pedir permissão, às comunidades a que servem”, afirmou ele. “Então, clareza e transparência são a chave.”

O Departamento de Polícia de Nova York não respondeu a pedidos de comentários a respeito de preocupações relativas a liberdades civis.

Um dispositivo móvel capaz de obter informações de uma situação volátil remotamente tem um “tremendo potencial” para evitar ferimentos e mortes, afirmou Keith Taylor, ex-sargento do batalhão de operações especiais (SWAT) do departamento de polícia que leciona na Faculdade John Jay de Direito Criminal. “É importante questionar a autoridade policial, mas o Digidog parece ter uma finalidade bem objetiva”, afirmou ele. “O robô é projetado para ajudar policiais a obterem informações que eles precisam — evitando, por exemplo, uma troca de tiros mortífera.”

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Invenção da Boston Dynamics

O Departamento de Polícia de Nova York é uma das três corporações policiais do país que possuem o Digidog, que é fabricado pela empresa de tecnologia Boston Dynamics, conhecida por seus vídeos de robôs dançando e saltando com uma fluidez assustadoramente humana.

A Boston Dynamics começou a vender o cão-robô, batizado de Spot, em junho do ano passado. A maioria dos compradores são prestadoras de serviços ou empresas de energia, assim como fábricas e construtoras, que usam o Digidog para entrar em ambientes perigosos para humanos, afirmou Michael Perry, vice-presidente para desenvolvimento de negócios da Boston Dynamics.

O robô tem sido usado para inspecionar locais que contêm materiais perigosos. No início da pandemia, por exemplo, foi usado para agentes de saúde se comunicarem com pacientes possivelmente doentes em setores de triagem de hospitais, afirmou Perry.

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A maioria das empresas rebatiza os robôs depois que os adquirem, dando nomes como Bolt e Mac and Cheese, afirmou ele.

Além de Nova York, a Polícia do Estado de Massachusetts e o Departamento de Polícia de Honolulu também estão utilizando o cão robótico, cuja bateria dura 90 minutos e com autonomia de locomoção a até 4,8 km/h.

Outros departamentos de polícia entraram em contato com a empresa para aprender mais a respeito do robô, que tem um preço inicial de US$ 74 mil e pode custar mais caro de acordo com as funcionalidades contratadas, afirmou Perry.

Perry afirma que o Digidog não foi projetado para funcionar como uma ferramenta secreta de vigilância em massa. “Ele é barulhento e tem luzes piscando”, afirmou ele. “Não é nem um pouco discreto.”

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O uso de robôs que podem ser acionados em situações perigosas para preservar a segurança de policiais pode se tornar uma regra.

Em Dallas, em 2016, a polícia pôs fim a um confronto com um atirador procurado pelas mortes de cinco policiais, explodindo o suspeito com uma bomba levada por um robô.

Em 2015, um homem armado com uma faca que ameaçava se jogar de uma ponte em San Jose, Califórnia, foi impedido após a polícia mandar para ele uma pizza e um celular levados por um robô.

Em 2014, a polícia de Albuquerque, Novo México, usou um robô para “acionar munição química” dentro do quarto de motel em que um suspeito se escondia com uma arma, informou um relatório do departamento. Ele se rendeu. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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