Pouco mais de dois anos após ser sancionado, o Marco Civil da Internet foi finalmente regulamentado na noite de anteontem, horas antes de a presidente Dilma Rousseff ser afastada do cargo. O decreto, publicado em edição extra do Diário Oficial da União, entra em vigor em 30 dias a partir da data de publicação. Com o novo texto – que recebeu alterações após quatro consultas públicas – o governo estabelece regras mais claras para garantir a neutralidade de rede, um dos princípios centrais do Marco Civil da Internet.
Segundo o decreto, as operadoras só poderão discriminar pacotes de dados que circulam pela rede como “medida excepcional”. A prática só será permitida, caso se mostre “requisito técnico indispensável para a prestação do serviço” ou em caso de “priorização de serviço de emergência”. Na prática, essa regra obriga as operadoras a tratar, da mesma forma, os pacotes de dados dos usuários conectados à rede – seja de quem manda uma mensagem no WhatsApp ou vê um filme no Netflix.
Apesar da regra clara, o texto do decreto também veda as operadoras de fazer acordos com empresas de internet que “priorizem pacotes de dados em razão de arranjos comerciais”. Isso evita que as operadoras adotem a prática conhecida como “fast lane” (pista rápida, em inglês), que prioriza os pacotes de dados de um serviço mediante o pagamento de taxas.
A preocupação não é inócua. Nos últimos anos, as operadoras norte-americanas Comcast e Verizon ameaçaram reduzir a velocidade de conexão dos usuários do Netflix e a empresa de internet acabou fechando acordos comerciais para “acelerar” a conexão dos assinantes e evitar a queda na qualidade do serviço. O acordo é considerado uma violação clara do princípio de neutralidade da rede. “O decreto impede que as operadoras façam acordos que priorizem alguns serviços em detrimento de outros”, diz o diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e colunista do Estado, Demi Getschko.
As novas regras devem ter impacto também nos acordos entre operadoras e empresas de internet que envolvem zero-rating. A prática permite que alguns aplicativos sejam acessados gratuitamente no smartphone, sem consumir dados do plano de internet contratado. Embora o decreto não proíba esses acordos, as operadoras não podem oferecer acesso mais rápido a esses sites nos contratos firmados.
“O decreto não descreve os tipos de acordo e nem diz que eles não podem acontecer”, diz Francisco Brito Cruz, diretor do Internet Lab, centro de pesquisa em direito e tecnologia. “As empresas poderão ter que reavaliar acordos já firmados.”
Procuradas pelo Estado, as operadoras Claro e Tim afirmaram que ainda avaliam o decreto que regulamenta o Marco Civil da Internet. Oi, Vivo e Facebook – que possui acordos de zero-rating com operadoras – não se pronunciaram.
Fiscalização. De acordo com o decreto, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) será a responsável por fiscalizar as operadoras, com base nos requisitos técnicos e diretrizes estabelecidos pelo Comitê Gestor da Internet (CGI), entidade multissetorial de governança da internet.
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