ENVIADO ESPECIAL A AUSTIN (EUA) - No futuro, antes mesmo de você notar, os seus óculos inteligentes vão saber que você está com fome. Então, um anúncio poderá ser direcionado a você, com uma promoção em um restaurante com sua cozinha favorita. Só aí você vai sentir o estômago vazio. Com poucos cliques, você faz a compra e, em minutos, a refeição vai chegar à porta da sua casa.
Esse vai ser o mundo em alguns anos, segundo a futurologista Amy Webb, presidente executiva do Future Today Institute, conhecido por apontar tendências da tecnologia. Neste sábado, 9, a “Oráculo da tecnologia” subiu ao palco do South by Southwest (SXSW) 2024, festival de inovação, cinema e música que ocorre entre 8 e 16 de março em Austin, nos Estados Unidos, para falar sobre como devem ser nossas vidas nas próximas décadas.
Esse cenário previsto por Webb começa já neste ano, com os óculos Vision Pro, da Apple, lançados em 2 de fevereiro a US$ 3,5 mil nos Estados Unidos. A aposta é que esse mercado, dos “computadores de rosto”, como diz a futurologista, se aprimore e se massifique, similar aos PCs e smartphones de hoje em dia.
Esses aparelhos marcam o início de uma era em que dispositivos conectados vão ser capazes de ler nossas reações corporais e antever nossos desejos, graças à combinação de sensores de movimento e de leitura de íris com inteligência artificial (IA). O Vision Pro, por exemplo, é capaz de utilizar o movimento ocular para interagir com a interface, como se os olhos fossem o mouse em um PC.
“Esses computadores faciais são desenhados para ler as suas intenções”, diz Webb no palco do SXSW 2024. “Seu olho vai se mexer antes mesmo que você esteja ciente do pensamento que você vai ter. Sua pupila vai se mexer antes do seu corpo e o aparelho vai saber o que você vai fazer antes mesmo de você”.
Esses dispositivos vão gerar uma infinidade de novos dados que, hoje, são praticamente inexistentes num mundo dominado por smartphones e smartwatches. As informações coletadas podem ser não só de leitura corporal, mas também do mundo: gravações de sons e imagens em ambientes externos, por exemplo.
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Segundo Webb, esses dados enriquecidos vão se tornar a base dos Large Action Models (LAM, na sigla em inglês), ou modelos amplos de ação. São uma versão mais completa dos Large Language Models (LLMs, ou modelos amplos de linguagem), que é o tipo de estrutura por trás da inteligência artificial generativa, a tecnologia do ChatGPT e outros geradores de texto e imagem que têm surgido no último ano.
Ao contrário dos LLMs, cujos dados são tirados de acervos de textos e imagens da internet, os LAMs vão ter informações para além de linguagem, como dados sensoriais e visuais. Ou seja, vão se tornar muito mais completos e, claro, inteligentes do que as versões atuais de IA.
Nos próximos 20 anos, vão aparecer diversos aparelhos bizarros em nossas vidas
Amy Webb, futurologista e CEO do Future Today Institute
Ao fim, esses dispositivos tornam-se um gerador instantâneo de dados para abastecer IAs. “Por isso as empresas de tecnologia apostam na supremacia dos computadores faciais”, explica Webb.
Além dos computadores faciais, a aposta de Webb está nos dispositivos de IA, como o Rabbit R1 e o Ai Pin, para gerar esses dados de LAMs. Em janeiro, durante a Consumer Electronics Show (CES) 2024, em Las Vegas (EUA), o R1 foi apresentado como um dispositivo faz-tudo que recebe comandos por IA; já o Ai Pin, que deve ser lançado neste mês de março, é um broche que projeta informações na palma da mão. De forma similar, ambos prometem tirar do smartphone o papel central de nossas vidas.
A futurologista, no entanto, não sabe se essa promessa vai se cumprir em todo o seu potencial – mas o início da nova era já está dado.
“Vai haver uma explosão cambriana de novos dispositivos inteligentes”, diz Amy Webb. “Nos próximos 20 anos, vão aparecer diversos aparelhos bizarros em nossas vidas.”
*Repórter viajou para o festival South by Southwest (SXSW) 2024 a convite do Itaú
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