Dix: perfil secreto no Instagram é válvula de escape para pressão social

Contas paralelas são usadas por quem não quer se submeter ao ideal de ‘vida perfeita’ da plataforma; onda já chegou até ao ex-presidente americano Barack Obama

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Foto do author Bruna Arimathea
Em 2018, Amandaresolveu criar uma dixx para postar fotos que não combinavam com a imagem de sua conta principal, que tem mais de mil seguidores Foto: Taba Benedicto/Estadão

Nos últimos anos, o Instagram se tornou sinônimo de fotos felizes e um estilo de vida que beira a perfeição – até dando origem a um novo adjetivo, “instagramável”. Mas há também muita gente que tenta subverter essa ideia com um mundo paralelo, imperfeito e mais real. Para isso, esses usuários acabam criando um segundo perfil na rede social, voltado apenas a amigos íntimos, sem tantas regras ou pressões sociais. A moda tem até vários nomes diferentes: aqui no Brasil, costuma ser chamada de “dix”, gíria na internet para algo “sem censura”. Lá fora, é tratada como “finsta” – uma abreviação para “instagram falso”, em inglês. 

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A ilustradora Amanda de Pinho Jorge, de 21 anos, é uma adepta do perfil secreto há anos. Em 2018, ela resolveu criar uma dix para postar fotos que não combinavam com a imagem de sua conta principal, que tem mais de mil seguidores. “Tento criar uma estética única no meu perfil pessoal, com efeitos parecidos, com cores parecidas. Já a segunda conta é um lugar menos regrado”, conta a jovem. 

Hoje, a conta secreta de Amanda tem 27 seguidores — todos são pessoas próximas dela. “Lá eu compartilho mais o meu dia a dia e minha vida privada. Já tive uma fase em que eu postava Stories todos os dias, falando bom dia, andando na rua, algo mais natural”, diz ela. Criar um segundo perfil não é exatamente difícil: a estrutura do Instagram permite que o usuário tenha mais de uma conta logada no mesmo aplicativo. Alternar as identidades é simples: bastam dois ou três cliques para mudar de lado. 

Geração

Esse fenômeno de perfis secretos é tendência principalmente entre jovens e adolescentes. Estudante do Ensino Médio, Luana Zaccariotto, de 17 anos, conta que a maioria de seus amigos próximos têm uma conta paralela no Instagram. “Uso bastante para postar umas fotos meio aleatórias e compartilhar as músicas que estou escutando. Em geral, são coisas que eu não queria que qualquer pessoa visse, só os (amigos) que estão lá mesmo”, diz. 

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Para a professora Sandra Montardo, da Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul, a tendência das dix pode mostrar uma visão da nova geração sobre as redes sociais: “Por terem crescido no mundo digital, esses jovens talvez tenham mais consciência de como funciona a exposição na internet”, diz. “É uma ideia de privacidade diferente da que outras gerações estão acostumadas.” 

A tendência, porém, não se resume aos mais novos. Também atinge quem busca sair dos holofotes ou voar abaixo do radar na internet. No mês passado, o ex-presidente americano Barack Obama admitiu ter um finsta. 

“Nos últimos meses, aprendi algumas coisas com os jovens sobre como passar a quarentena com sucesso. Vocês me ensinaram a como fazer fermento natural e me mostraram um desafio de dança que eu estou curtindo no meu finsta”, disse Obama, em uma postagem no Twitter que pretendia ensinar os jovens a como votar nas eleições americanas. Desde então, usuários estão enlouquecidos na internet à caça do perfil secreto do ex-presidente. 

Fora dos padrões

Para o Instagram, o fenômeno acompanha outras tendências de comunicação privada na rede – como o aumento no envio de mensagens diretas entre usuários. Outro é o recurso Melhores Amigos, que permite que o usuário publique alguns Stories (mensagens efêmeras, que se apagam em 24 horas) apenas para um grupo seleto. “Foi algo que fizemos porque os usuários estavam pedindo”, diz Jim Squires, vice-presidente de negócios e mídia do Instagram, ao Estadão. “Vejo que muitos gostam de manter múltiplas contas porque têm vários interesses para expressar.”

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Na visão de pesquisadores, porém, há motivo mais profundos para a onda das dix. Um estudo realizado pela pesquisadora Jin Kang, da Universidade Carleton, no Canadá, entrevistou mais de 150 jovens sobre os motivos pelos quais mantêm uma conta do tipo. A resposta? Fugir da pressão que existe na rede social de se mostrar sempre feliz publicamente – e da competição por curtidas. 

Estudante de Ciências Sociais e dona de um perfil paralelo, Carolina de Lima Gallina concorda. “Na dix, posto mais as coisas para mim do que para os outros. É um lugar livre de curtidas, não há preocupação com engajamento”, diz a jovem. Ela afirma postar mais na conta secreta do que no perfil oficial. “Acaba sendo mais confortável, porque não exige que eu escolha com cuidado o que eu vou publicar. Posto umas fotos mais "feias" mesmo”, brinca.

*É estagiária, sob supervisão do editor Bruno Capelas

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