Nos últimos anos, o Facebook vem conduzindo o que equivale a um teste A/B (comparação de elementos aleatórios com duas variantes, A e B, uma prática comum no mundo das startups), na sociedade humana, usando dois diferentes aplicativos de redes sociais.
O primeiro aplicativo tem design maximalista: é uma rede social que permite aos usuários postar longas atualizações de status, com links para artigos de notícias, fotos, vídeos e muito mais. O app foi projetado como um megafone gigante, com ênfase no compartilhamento público e em um feed algorítmico capaz de enviar rapidamente postagens para o mundo todo em segundos.
O segundo aplicativo no teste é mais minimalista, projetado para compartilhamento mais privado no lugar da transmissão viral. Os usuários deste aplicativo, muitos dos quais têm contas privadas com um limitado número de seguidores, podem publicar fotos ou vídeos, mas os links externos não funcionam e não existe um botão de re-compartilhamento, dificultando para os usuários a amplificação de postagens de outros.
Os resultados deste teste foram dolorosos. O primeiro aplicativo, o Facebook, transformou-se em um enorme e incontrolável gigante que engoliu a indústria de mídia, foi explorado por usuários estrangeiros hostis e criou as condições para uma epidemia de notícias falsas. No fim das contas, acabou se tornando uma gigantesca dor de cabeça para seus criadores.
O segundo aplicativo, o Instagram, se saiu muito melhor. Não foi dominado por notícias falsas, não foi explorado no mesmo nível, e a maioria de seus usuários parecem felizes com isso – especialmente os jovens, que o preferem ao Facebook.
Mark Zuckerberg prometeu passar o ano de 2018 fazendo uma limpeza no Facebook, garantindo que “nossos serviços não são só agradáveis de se usar, sendo também bons para o bem-estar das pessoas”. Ele se ainda comprometeu a lidar com o flagelo de notícias falsas no Facebook e fazer um melhor trabalho para manter maus participantes à distância.
Bom para ele. Mas pode haver uma solução mais simples aqui. Por que ele não faz seu sitiado aplicativo azul mais como o Instagram, o aplicativo pertencente ao Facebook que não está desestabilizando (tanto) a sociedade?
Se eu fosse Zuckerberg, aqui estão algumas lições dos Instagram nas quais estaria pensando:
- Lição nº 1: Dê ênfase ao visual – não ao texto.
É óbvio para quem usa que o Instagram é um meio visual. Fotos e vídeos são o foco da rede e o texto, quando presente, é basicamente confinado a legendas e comentários.
Como resultado, o Instagram dá maior sensação de intimidade que o Facebook, onde fotos e vídeos frequentemente ficam ao lado de longas diatribes, registros de restaurantes e atualizações banais de status – afinal, quem quer saber como você está se sentindo com um emoji?
Plataformas visuais podem ser boas para nós. Um estudo de pesquisadores da Universidade do Oregon, feito em 2016, verificou que o uso de plataformas baseadas em imagens como Instagram e Snapchat estava associado a níveis mais baixos de solidão entre os usuários. Além disso, essas redes traziam a seus usuários níveis mais elevados de felicidade e satisfação, enquanto as plataformas baseadas em texto não tiveram qualquer correlação com melhora de saúde mental.
Uma plataforma fortemente visual também é um canal relativamente ruim para notícias urgentes e comentários sobre acontecimentos do momento, o que pode explicar por que o Instagram geralmente parece ser menos cansativo que outras redes sociais. (Também explica porque, no mês passado, antes de sair de férias, eu deletei todos os aplicativos de mídias sociais do meu telefone, exceto o Instagram – o único aplicativo no qual eu confiava que não iria arruinar minha calma na praia.)
- Lição nº 2: Repensar o botão de compartilhamento.
Uma das virtudes mais subestimadas do Instagram é que existem certos limites estruturais para um post viralizar – isto é, a capacidade de uma publicação se espalhar além do público inicialmente pretendido. Ao contrário do que acontece no Twitter e no Facebook, no Instagram não há nenhuma função de compartilhamento, o que significa que o alcance da maioria das postagens do Instagram está limitado à quantidade de pessoas que seguem a conta do usuário.
(Existem maneiras de compartilhar uma foto de outra pessoa usando um aplicativo de terceiros – o chamado ‘regram’ -, mas elas são desajeitadas e poucas pessoas as usam. O Instagram também começou recentemente a exibir mensagens de usuários de pessoas que não são seguidas, uma mudança inspirada no Facebook. Particularmente, considero a alteração um erro.)
O botão de compartilhamento foi tremendamente útil para o crescimento do Facebook e do Twitter. Também permitiu que novas organizações de mídia, como BuzzFeed e Upworthy,criassem enormes públicos, especializando-se em histórias altamente compartilháveis. Mas a facilidade de compartilhamento também permitiu que as vozes mais elevadas e emotivas fossem recompensadas com cliques – e atenção. É essa estrutura de incentivo que permitiu a partidários e aproveitadores o sequestro dos algoritmos do Facebook, espalhando mensagens que criam divisões e disseminam notícias falsas para milhões de pessoas.
A facilidade do Facebook em tornar as postagens virais também parece ter tornado os usuários individuais mais hesitantes em se abrir. Isso faz sentido - é mais fácil compartilhar uma selfie se você souber que ela não irá acidentalmente encontrar no caminho um milhão de estranhos.
- Lição nº 3: Proibir links.
A maior vantagem estrutural do Instagram, no entanto, pode ser o resultado de sua decisão de funcionar sem links. Links em legendas e comentários do Instagram não são clicáveis e, embora alguns usuários tenham encontrado soluções alternativas, a grande maioria das postagens do Instagram não miram usuários de sites fora da rede social. (As exceções são os anúncios, que podem conter links acessáveis e são, por coincidência, a parte mais problemática da plataforma do Instagram).
A natureza do jardim murado (isto é, uma plataforma que se fecha em si mesma) que é o Instagram frustrou quem queria enviar seguidores para seus sites, onde as empresas e os criadores de conteúdo podem ganhar dinheiro publicitário e “controlar a experiência do leitor”. (Na realidade, é tudo apenas sobre dinheiro.) Mas, sabiamente o Instagram recusou-se a ceder, talvez percebendo que permitir links poderá transformar a plataforma em um bazar aos berros, com influenciadores fazendo atos circenses por cliques.
A remoção de links do Facebook causaria estragos na indústria de mídia digital, que construiu um modelo econômico em torno do tráfego de referência do Facebook. Também arriscaria alienar alguns usuários, que gostam de promover e discutir histórias de outras partes da internet. Mas também seriam solucionados alguns dos desafios mais irritantes da plataforma. E, afinal, seria melhor para o mundo.
- Lição 4: Maus usuários são inevitáveis, mas sua influência pode ser contida.
O Instagram está longe de ser uma rede social perfeita, e copiá-lo não corrigiria todos os problemas do Facebook da noite para o dia. Entre outras coisas, certas pesquisas mostraram que o uso do Instagram pode criar insegurança e bullying e exacerbar temas como imagem corporal, especialmente entre mulheres jovens.
O Instagram também hospeda sua própria microeconomia duvidosa – é só prestar atenção na calamidade de “instacelebridades” endossando produtos de saúde duvidosos, ou o aumento nas marcas pouco confiáveis que são comercializadas usando os anúncios Instagram.
E os propagandistas russos usaram o Instagram para tentar influenciar os eleitores dos EUA antes das eleições presidenciais de 2016, com postagens que chegaram até 20 milhões de usuários. (Muito menos que as cerca de 126 milhões de pessoas que foram alcançadas por postagens russas no Facebook, mas de qualquer forma, um número enorme.) Mas mesmo essas falhas são preferíveis aos problemas estruturais que têm assediado o Facebook.
Dada a escolha entre uma versão do Facebook que faz com que alguns de seus usuários sintam-se feios e impopulares, e uma que poderia ser usada para sabotar democracias e promover a desinformação em todo o mundo, eu sei qual escolheria. E acredito que alguns bilhões de usuários do Facebook poderiam concordar comigo. / Tradução de Claudia Bozzo
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