Pedidos de admissão gerados por IA viram dor de cabeça para faculdades nos EUA

Chegada do ChatGPT pode aumentar casos de plágios automatizados nas universidades

Por Natasha Singer
Atualização:

The New York Times - Rick Clark, diretor executivo de admissões de graduação do Georgia Institute of Technology, nos Estados Unidos, e sua equipe passaram semanas neste verão fingindo ser alunos do ensino médio, usando chatbots de inteligência artificial (IA) para preencher os formulários de inscrição para a faculdade.

Cada um dos oficiais de admissão assumiu uma personalidade diferente no ensino médio: capitão da equipe de natação, escoteiro Eagle Scout, artista de teatro musical. Em seguida, eles inseriram detalhes pessoais sobre os alunos fictícios no ChatGPT, fazendo com que o chatbot de IA produzisse o tipo de lista de atividades extracurriculares e redações pessoais normalmente exigidas nas inscrições para a faculdade.

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Clark disse que queria ter uma ideia de como os chatbots de IA poderiam remodelar o processo de admissão neste outono (o início do primeiro ano acadêmico completo em que as ferramentas estarão amplamente disponíveis para os alunos do último ano do ensino médio) e apresentar orientações para os alunos que se candidatarem ao Georgia Tech.

“Os alunos, em algum nível, terão acesso e usarão a IA”, disse Clark. “A grande questão é: como queremos orientá-los, sabendo que ela está disponível para eles?”.

A fácil disponibilidade de chatbots de IA, como o ChatGPT, que pode produzir textos semelhantes aos humanos em resposta a solicitações curtas, está pronta para mudar o processo tradicional de inscrição em faculdades seletivas - dando início a uma era de plágio automatizado ou de acesso democratizado dos alunos à ajuda para escrever redações. Ou, talvez, ambos.

A ruptura digital ocorre em um momento decisivo para as instituições de ensino superior dos Estados Unidos. Depois que a Suprema Corte decidiu, em junho, que os programas de admissão universitária baseados em raça eram ilegais, algumas universidades esperavam confiar mais em perguntas de redação (sobre a educação, as identidades e as comunidades dos candidatos) para ajudar a promover a diversidade no campus.

Chegada do ChatGPT pode aumentar casos de plágios automatizados Foto: Colégio Lumiar

Redação como inscrição em vestibulares

Há muito tempo, a redação pessoal é um elemento básico do processo de inscrição em faculdades de elite, além de ser um obstáculo para gerações de alunos do ensino médio. Os responsáveis pelas admissões costumam usar as redações dos candidatos como uma lente para analisar o caráter único, a coragem, o potencial e a capacidade de lidar com as adversidades. Como resultado, alguns ex-alunos dizem que sentiram uma enorme pressão para desenvolver, ou pelo menos inventar, uma voz pessoal e singular para escrever.

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Porém, as novas ferramentas de IA ameaçam reformular a redação de inscrição para a faculdade como uma espécie de mistura genérica para bolo, que os alunos do ensino médio podem simplesmente untar ou temperar para refletir seus próprios gostos, interesses e experiências - lançando dúvidas sobre a legitimidade das amostras de redação dos candidatos como critérios de admissão autênticos e individualizados.

“Parte do processo da redação para a faculdade é encontrar sua voz escrita durante todo o processo de redação e revisão”, disse Susan Barber, professora de literatura inglesa na Midtown High School, uma escola pública em Atlanta. “E acho que isso é algo que o ChatGPT estaria roubando deles.”

Parte do processo da redação para a faculdade é encontrar sua voz escrita durante todo o processo de redação e revisão. Isso é algo que o ChatGPT estaria roubando deles

Susan Barber, professora de uma escola de Atlanta

Em agosto, Barber designou seus alunos do 12º ano para escreverem redações para a faculdade. Esta semana, ela realizou discussões em sala de aula sobre o ChatGPT, alertando os alunos de que o uso de chatbots com IA para gerar ideias ou escrever poderia fazer com que suas redações para a faculdade soassem muito genéricas. Ela os aconselhou a se concentrarem mais em suas opiniões e vozes pessoais.

Outros educadores disseram esperar que as ferramentas de IA pudessem ter um efeito democratizante. Esses especialistas observaram que os alunos mais ricos do ensino médio geralmente têm acesso a recursos - pais de ex-alunos, amigos da família, treinadores de redação pagos - para ajudá-los a fazer um brainstorming, redigir e editar suas redações de admissão na faculdade. O ChatGPT poderia desempenhar um papel semelhante para os alunos que não dispõem de tais recursos, disseram eles, especialmente para aqueles que frequentam grandes escolas de ensino médio, onde os orientadores universitários, sobrecarregados de trabalho, têm pouco tempo para treinar redações individualizadas.

Até o momento, entretanto, pouquíssimas universidades americanas publicaram políticas de admissão sobre o uso de ferramentas de IA pelos candidatos.

A Faculdade de Direito da Universidade de Michigan emitiu recentemente diretrizes dizendo que “os candidatos não devem usar o ChatGPT ou outras ferramentas de inteligência artificial como parte de seu processo de redação”. No entanto, a faculdade de direito permite que os candidatos peçam a mentores, amigos ou outros seres humanos “assistência básica de revisão e feedback e críticas gerais”.

ChatGPT foi lançado em novembro de 2022 pela startup americana OpenAI Foto: Richard Drew/AP - 18/5/2023

A Faculdade de Direito Sandra Day O’Connor, da Universidade Estadual do Arizona, adotou a posição oposta. O site da faculdade de direito diz que os candidatos podem usar ferramentas de IA para preparar seus materiais de inscrição, desde que “usem essa tecnologia com responsabilidade” e se certifiquem que as informações enviadas são verdadeiras.

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Depois de experimentar o ChatGPT neste verão, a equipe de admissões da Georgia Tech escolheu uma terceira via. O site da universidade publicou recentemente diretrizes que incentivam os candidatos do ensino médio a usar ferramentas de IA como colaboradores para “fazer brainstorming, refinar e editar” suas ideias. Ao mesmo tempo, o site alertou os candidatos que eles não deveriam “copiar e colar conteúdo que não foi criado diretamente em sua inscrição”.

Clark, oficial de admissões da Georgia Tech, disse que o ChatGPT não poderia competir com treinadores de redação ao vivo ou pais experientes no fornecimento de feedback aos alunos do ensino médio sobre suas redações pessoais. Mas ele espera que ele possa ajudar muitos alunos a começar.

“É gratuito, acessível e útil”, disse Clark. “É um progresso em direção à equidade.”

Alunos optam por não usar a IA

Vários alunos do último ano do ensino médio disseram em entrevistas que optaram por não usar ferramentas de IA para ajudar a redigir suas redações - em parte porque queriam contar suas próprias histórias pessoais e em parte porque muitas universidades não adotaram posições claras sobre o uso de chatbots pelos candidatos.

“A indefinição e a ambiguidade são um pouco difíceis para nós”, disse Kevin Jacob, aluno do último ano da Gwinnett School of Mathematics, Science and Technology, na região de Atlanta. A escola pública de ensino médio tem um centro de redação dedicado, onde os alunos podem receber feedback sobre suas redações para a faculdade.

O New York Times enviou um e-mail para mais de uma dúzia de universidades e faculdades - incluindo grandes escolas estaduais, escolas da Ivy League e pequenas faculdades particulares - perguntando sobre suas políticas em relação aos candidatos do ensino médio que usam ferramentas de IA para redigir suas redações de admissão. A maioria não respondeu ou se recusou a comentar.

Em uma declaração enviada por e-mail, o Escritório de Admissões de Graduação da Universidade de Michigan disse que a escola estava “ciente da nova tecnologia”, mas “não fez nenhuma alteração em nosso processo de inscrição de graduação, incluindo nossas perguntas de redação”.

Sinto um pouco mais de pressão para criar, por exemplo, um tema super exclusivo e interessante, porque um tema básico hoje em dia poderia ser gerado pelo ChatGPT

Ritika Vakharia, aluna

Ritika Vakharia, aluna do último ano da Gwinnett School of Mathematics, Science and Technology, disse que tentou pedir ao ChatGPT ideias para redações de admissão em faculdades. Mas ela achou as respostas muito amplas e impessoais, mesmo depois de fornecer detalhes sobre suas atividades extracurriculares, como dar aulas de dança para alunos mais jovens.

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Agora, ela disse que estava trabalhando para criar um tema de redação mais pessoal para a inscrição na faculdade.

“Sinto um pouco mais de pressão para criar, por exemplo, um tema super exclusivo e interessante”, disse Vakharia, “porque um tema básico hoje em dia poderia ser gerado pelo ChatGPT”. / Tradução: Guilherme Guerra

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