Hoje em dia, quem quer comprar ingressos para um evento esportivo ou show concorrido não demora para se deparar com uma fila virtual. Trata-se de um tipo de sala de espera online em que os interessados esperam, em ordem, até a chegada de sua vez para comprar o ticket, ocasião em que terão um espaço de tempo predefinido para fazer a transação.
Não raramente, porém, surgem reclamações de pessoas que contam não ter conseguido comprar o ingresso, mesmo muitas vezes aguardando em colocações mais favoráveis do que outras pessoas que conseguiram fazer a compra. Além disso, existem relatos de indivíduos e grupos que estariam usando robôs – os chamados bots – para segurar um lugar ou até furar a fila. Então, como funcionam esses sistemas?
O funcionamento da fila
“A fila de espera virtual do Queue-it funciona assim: de 30 a 60 minutos antes de uma venda ficar disponível, a empresa ativa uma espécie de pré-fila, para a qual todos os usuários que entram cedo demais são direcionados”, explica Jesper Essendrop, CEO da Queue-it, empresa responsável pelas filas virtuais de sites como Ticketmaster, Sympla e Ingresso.com. “Quando o timer chega a zero, todas as pessoas nessa sala são embaralhadas, como em uma rifa, e colocados em fila.”
Por que, então, você pode falhar em conseguir o ingresso enquanto um amigo ou conhecido que entrou depois na fila às vezes assegura o seu ticket? A resposta é complicada.
“Isso ocorre porque, na fila virtual, há um mecanismo que trava ou reserva os ingressos no carrinho. Por exemplo: há uma venda com dez mil ingressos disponíveis e o site aceita cinco mil pessoas, cada uma das quais põe dois ingressos no carrinho”, diz Essendrop.
“Quando a pessoa de número cinco mil e um tentar entrar no site, ela verá que não há ingressos disponíveis. No entanto, nem todos os cinco mil indivíduos com ingressos no carrinho completarão a compra. Pode haver pessoas que decidem que o preço é alto demais, por exemplo. Quando essas pessoas abandonarem a compra, seus ingressos se tornarão disponíveis novamente. Assim, quando a pessoa número seis ou sete mil entrar no site, ela encontrará ingressos à venda e poderá fazer a compra.”
O uso de bots
Fãs mais emocionados ou cambistas também podem recorrer a bots para furar a fila. Mas, afinal, você pode usar um robô para ajudar a segurar um lugar na fila ou para furá-la? Depende do que diz cada site que conta com filas virtuais.
“A prática será ilegal se os termos de uso dos sites a vedarem. Se não o fizerem expressamente, será apenas antiético”, afirma Alexandre Atheniense, advogado especialista em direito digital. “Mesmo se esses sites não tiverem o cuidado de inserir uma cláusula que vede essa prática, eles certamente ainda poderão detectar esse tipo de procedimento e banir essa conduta se julgarem que é um ato, na visão deles, ilícito.”
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Nesse sentido, o Ticketmaster estabelece que “é expressamente proibido a utilização, pelo usuário, de robô (bot), spider, dispositivo automático ou processo manual para monitorar ou copiar as páginas da web relacionadas à Ticketmaster ou o conteúdo nelas contido para qualquer propósito”, acrescentando que não é permitido o uso de nenhum dispositivo, software ou procedimento para interferir ou tentar interferir no funcionamento adequado do site.
O Ticketmaster informa ainda que seus próprios protocolos internos eliminam possíveis bots que tentam competir com compradores reais - ao menos em teoria.
Já o Ingresso.com exige a confirmação de que o usuário “não usará qualquer robô, spider, outro dispositivo automático ou processo manual para monitorar ou copiar nossas páginas da web ou o conteúdo contido nesses sem permissão prévia e por escrito da Ingresso.com.”
No entanto, pode ser bastante complexo coibir a utilização de robôs. “Essas leis são difíceis de pôr em prática por alguns motivos: é complexo encontrar quem faz isso, especialmente se estiverem agindo em escala pequena; os incentivos financeiros são muito grandes para quem se dispõe a quebrar as leis; e a legislação não consegue acompanhar quando revendedores inventam novas formas de praticar abusos nessas vendas de ingressos”, argumenta Jesper Essendrop.
Esses robôs funcionam quase como clientes normais, com cartões cadastrados no site de venda de ingressos. Os programadores os habilitam para fazer a compra dos tickets, os quais, muitas vezes, estarão disponíveis pouco depois em sites de revenda - por preços muito mais altos.
A principal diferença desses bots para um cambista “regular” é a escala: enquanto o indivíduo se depara com um limite de ingressos que podem ser comprados, os robôs, às vezes utilizados aos montes ao mesmo tempo, podem adquirir tickets em grandes quantidades simultaneamente.
A compra de ingressos por bots não tem passado em branco. Em 2022, a Eventim foi notificada pelo Procon-SP para prestar esclarecimentos sobre o motivo pelo qual os ingressos para os shows do Coldplay esgotaram de forma tão veloz.
No ano seguinte, o mesmo órgão afirmou que, embora tivessem se esgotado rapidamente nos canais oficiais, os tickets para os shows da cantora Taylor Swift estavam sendo anunciados em sites não oficiais por valores mais altos, em um caso de cambismo digital. Como consequência, a empresa Tickets For Fun também foi notificada.
Em sites como o Reclame Aqui, é possível encontrar diversos comentários criticando as filas virtuais e questionando os seus métodos, incluindo a menção ao possível uso de bots como cambistas.
Segundo os especialistas, a melhor forma de evitar esse tipo de prática começa na segurança dos próprios sites de venda de ingressos. Somente eles são capazes de coibir ações como o cadastro de contas falsas por meio do uso de verificações como captchas, por exemplo, que diferenciam entre usuários humanos e robôs.
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