Leah Langley-McClean, uma estilista de vestidos de noiva em Nashville, nos EUA, recebeu recentemente uma cliente com uma solicitação única: Ela apresentou uma foto de um vestido branco até o chão com um decote assimétrico, sem mangas e sem costas.
O vestido desafiava as leis da física, disse Leah à futura noiva. Não havia nada em sua estrutura que impedisse a queda do corpete. A imagem havia sido gerada por inteligência artificial (IA), explicou Leah, portanto o design precisaria de alguns ajustes para existir no mundo real.
No entanto, a cliente foi inflexível e decidiu ir para outro lugar, o que custou a Leah uma venda de cerca de US$ 2.000.
“O design não se trata apenas de criar algo que seja visualmente agradável”, disse a costureira de 36 anos. “Ele também precisa ser possível.”
Na era da IA, a linha entre o real e o impossível parece mudar a cada dia. Graças a ferramentas disponíveis publicamente, como o Midjourney e o Dall-E, da OpenAI, as imagens geradas por IA inundaram a internet e agora estão chegando a salões de cabeleireiro, consultórios de cirurgiões plásticos e outras empresas físicas, onde pessoas como a cliente de Leah pedem aos profissionais que as recriem.
A “inspo” de IA - abreviação de inspiração - que os clientes encontram online geralmente reflete padrões inatingíveis ou incorpora detalhes impossíveis, dificultando que as empresas do mundo real atendam às demandas dos clientes. Navegue pelo Pinterest em busca de ideias para reforma de banheiros e poderá ver uma banheira feita de mármore rosa sólido com um brilho sobrenatural. Pesquise locais para casamentos e você encontrará lustres de cristal pendurados no teto de uma estufa.
Os clientes que pedem o impossível não são novidade. Antes das fotos com IA, as pessoas entravam nos salões de cabeleireiro com fotos de celebridades penteadas de revistas ou de influenciadores online com filtros pesados, disseram os estilistas. Os varejistas de produtos para casa e beleza há muito tempo usam o Photoshop e imagens geradas por computador para fazer com que o fantástico pareça real.
Mas a fácil acessibilidade, a popularidade crescente e a margem de manobra criativa aparentemente ilimitada da IA a tornam uma armadilha especialmente pegajosa para as pessoas que buscam conteúdo aspiracional, de acordo com proprietários de pequenas empresas. No Pinterest e em outras plataformas onde as pessoas trocam ideias sobre estilo, eventos e decoração, há uma abundância de imagens de tirar o fôlego geradas por IA. Mas os clientes não têm mais conhecimento sobre o que é possível e o que podem pagar.
Kelsi Horn, porta-voz do Pinterest, que tem mais de 500 milhões de usuários ativos mensais em todo o mundo, disse que a empresa tem diretrizes comunitárias que se aplicam a todas as imagens, sejam elas geradas por IA ou não.
“O conteúdo gerado por IA atualmente representa apenas uma pequena porcentagem dos bilhões de pins em nossa plataforma”, disse Horn.
Ainda assim, em 2024, mais da metade dos profissionais de marketing estava usando IA generativa em suas estratégias, de acordo com a pesquisa da Gartner, com 47% usando-a para imagens em locais como anúncios de rede social. Muitas empresas e contas sociais não divulgam quando uma imagem é alterada ou gerada com IA, o que torna difícil para as pessoas perceberem a diferença, disse Nicole Greene, analista do setor de IA do Gartner.
“Estamos colocando sobre os consumidores o ônus de se protegerem em um ambiente em que a tecnologia está mudando a forma como diferenciamos o real do falso de uma maneira sem precedentes”, disse Greene.
As imagens de IA podem alterar as expectativas dos consumidores de maneiras importantes, disse ela e outros.
“Quando [os clientes] querem algo, a própria realidade é apagada de seus cérebros”, disse a cabeleireira Jenni Robinson, de Nova York. Ela está no setor há 20 anos, e gerenciar as expectativas dos clientes sempre fez parte do trabalho. Mas, para alguns clientes, a explosão de inspiração da IA está ampliando o abismo entre as expectativas e a realidade, disse ela, deixando profissionais criativos como ela na mão.
Rita Contreras, cabeleireira no Brooklyn, disse que, nos últimos seis meses, o número de clientes que chegam com imagens de IA aumentou muito. Embora as fotos falsas muitas vezes enganem seus clientes, Contreras consegue identificar uma imagem de IA a um quilômetro de distância, disse ela. Os detalhes são perfeitos demais, o cabelo é brilhante demais.
“Tenho que simplesmente dizer: ‘Esta não é uma pessoa real. Este não é um cabelo de verdade’”, disse Rita. Antes de cada consulta, ela passa algum tempo conversando com os clientes sobre as diferenças entre o cabelo com IA (imune à iluminação e ao clima ruins) e o cabelo real (vulnerável a ambos).
Antes de MacKenzie Page, 25 anos, entrar em um salão de cabeleireiro, ela passa horas percorrendo o Pinterest em busca da foto perfeita para mostrar ao cabeleireiro. O aplicativo de compartilhamento de fotos de 15 anos de idade é há muito tempo a base de inspiração de beleza de MacKenzie; no ensino médio, foi o primeiro lugar em que ela viu outras mulheres gays com cortes de cabelo curtos, disse a nativa do Missouri.
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Mas, ultimamente, algo parece estar errado, disse ela: Seu feed foi invadido por fotos de mulheres incrivelmente lindas, com pele sem poros e cabelos espetaculares. As imagens parecem ter sido geradas por inteligência artificial, e MacKenzie calculou que agora elas representam cerca de metade do conteúdo sobre cabelos que ela vê.
“Não quero salvar nenhuma imagem falsa em meu quadro de cabelos, por isso tenho que analisar cada uma delas com bastante atenção”, disse ela, acrescentando que teria vergonha de entrar no salão e pedir algo que não fosse realista.
Quando uma cliente em potencial abordou a planejadora de eventos Deanna Evans com uma visão gerada por IA para seu próximo casamento, Deannna não acreditou no que via, disse ela. O local imaginário era um país das maravilhas exuberante, com toalhas de mesa de cetim verde sob arranjos florais extensos, iluminação profissional suave e árvores crescendo no chão.
“Parecia o Met Gala”, disse Deanna. A ideia teria custado à cliente cerca de US$ 300 mil, ela calculou, o que era quatro vezes o seu orçamento. Evans explicou delicadamente o problema - e nunca mais ouviu falar da mulher. Deanna perdeu um salário de cinco dígitos, segundo ela.
Algumas pessoas chegam ao ponto de levar imagens geradas por IA para os consultórios dos cirurgiões plásticos para demonstrar seus rostos ideais, disse Keshav Magge, cirurgião plástico credenciado em Bethesda, Maryland, que já recebeu pacientes que trouxeram imagens geradas por IA para fazer plástica no nariz ou aumentar os seios. Assim como as imagens de IA de mulheres em geral, essas representações tendem a ter pele mais clara, seios maiores e narizes menores e mais empinados, disse ele.
“Estou nervoso com isso”, disse ele. “Tenho receio de que isso crie expectativas irreais.”
Mesmo as pessoas que criam suas próprias imagens de IA podem ser enganadas. Por exemplo, o proprietário de uma loja de varejo pode usar o Stable Diffusion para criar modelos de uma nova vitrine, um esforço que antes exigia a ajuda de um designer, mas que agora pode ser feito gratuitamente online. Mas quando levam o design resultante a um profissional, muitas vezes ficam chocados com o custo de dar vida ao seu sonho, disse Paris Venture, artista que fabrica itens personalizados para varejistas.
Em meio ao ataque da IA, alguns clientes e empresas estão reagindo. MacKenzie, que há uma década usa o Pinterest para coletar e organizar ideias para seu cabelo, unhas e casa, disse que vai procurar fotos de inspiração em outro lugar. Se ela vai se interessar pelo visual ou pela vida de alguém, pelo menos quer que sejam reais.
Lo Kalani, uma cabeleireira do Brooklyn, foi mais longe. Recentemente, ela suspendeu o uso de fotos de IA entre sua clientela.
“Eu disse a eles para pararem de trazê-las”, disse ela. “Estamos tentando fazer um trabalho criativo, e a IA está apenas forçando a perfeição.”
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