‘Gerenciador’ de newsletters Substack promete vida além das redes sociais

Startup americana ajuda criadores de conteúdo a conversar direto com seu público e faturar com textos

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Por Bruno Capelas
Atualização:

A ideia de uma newsletter não é exatamente nova: a prática começou na Veneza do século XV, ainda de maneira analógica. Mesmo em sua versão digital, via email, ela remete aos primórdios da internet. No entanto, ao longo dos últimos anos, essa forma de comunicação direta com o público tem ganho o gosto de muitos produtores de conteúdo, cansados de ter o alcance de suas ideias reduzido por conta dos algoritmos e bolhas das redes sociais. E como tudo que chama a atenção na rede hoje em dia, a ideia também virou negócio pelas mãos do Substack, uma das empresas mais discutidas do Vale do Silício no presente.

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Fundado em 2017 pelo engenheiro Chris Best, o matemático Jairaj Sethi e o jornalista de tecnologia Hamish McKenzie, o Substack ganhou popularidade ao criar um serviço simples, mas eficaz. Mais do que só uma ferramenta gratuita de disparo para emails a uma lista de contatos, a empresa oferece a novatos e veteranos escritores uma variedade de recursos. Entre eles, estão um site para hospedar os textos, um editor de texto eficiente e uma ferramenta que permite o pagamento de assinaturas – o que faz a empresa vender aos criadores de conteúdo o sonho de pagarem suas contas apenas escrevendo, mantendo a propriedade e o controle intelectual sobre suas criações. “O que você escreveu é seu”, diz um dos lemas da empresa.

Desde o início, o Substack afirma já ter ajudado seus usuários a faturarem mais de US$ 300 milhões – a empresa fica com uma fatia de 10% do valor pago pelos usuários nas assinaturas. A promessa atraiu nomes de peso: regularmente, enviam “cartas” pelo Substack gente como o escritor Chuck Palahniuk, a cantora Patti Smith, o repórter vencedor do Prêmio Pulitzer Seymour Hersh ou o jornalista de tecnologia Casey Newton, que largou um emprego no portal referência The Verge para abrir seu próprio veículo pela plataforma. Investidores renomados, como o fundo de venture capital Andreessen Horowitz, também embarcaram na ideia – ao todo, a empresa já levantou mais de US$ 85 milhões ao longo de suas rodadas de aportes.

Batalha das letras

Para além dos nomes estrelados, o Substack se tornou uma espécie de utopia para quem cria conteúdo com texto. No entanto, a meta de ser uma espécie de “oásis” para quem produz conteúdo em escrito na internet colocou a empresa na rota de mira do homem mais rico do mundo: Elon Musk, fundador da Tesla e atual dono do Twitter – rede social que também tinha o coração dos “órfãos” de mensagens em texto. Do início do ano para cá, enquanto Musk tentava entender o que queria fazer com a rede do passarinho azul, o Substack fez diversas campanhas para atrair usuários decepcionados tanto com as mudanças promovidas pelo empresário quanto com suas opiniões políticas conservadoras e controversas.

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A batalha mais tensa aconteceu em abril, quando o serviço de newsletters lançou o Notes, um similar do Twitter, dentro de seu próprio aplicativo. Havia, porém, uma diferença fundamental: zero anúncios. “Já houve um tempo em que as redes sociais eram mais divertidas que assustadoras, mas não há como voltar atrás. Ao mudar as regras de engajamento, acreditamos que a internet pode ser melhor do que já foi”, escreveram os fundadores do Substack ao anunciar o produto. O Twitter de pronto retaliou: passou a reduzir o engajamento de tuítes que incluíssem links para o Substack, que respondeu deixando de permitir que suas newsletters incluíssem tuítes.

“Foi um episódio de uma guerra de sangue, que deixou claro que o Substack pode ir muito além do que já fazem hoje, que é hospedar o conteúdo”, afirma o britânico Matt Navarra, consultor especializado em redes sociais. “As pessoas ainda gostam de ler e, mesmo odiando o Twitter, muita gente não saiu de lá. Não há outro lugar social com notícias e entretenimento como o Twitter, mas o Substack pode muito bem fazer isso – até porque, ao contrário de Instagram ou TikTok, o Twitter tem um serviço mais fácil de se copiar.”

Na visão de Alexandre Inagaki, publicitário e especialista em mídias sociais, o que o Substack tenta fazer é reunir um pouco das virtudes de diferentes plataformas. “Do compartilhamento de notas curtas até longos textos, é uma tentativa de dar ao produtor de conteúdo os recursos para criar uma comunidade em torno dele, o que é uma forma de ajudar todo mundo a monetizar”, diz Inagaki.

Ele próprio é um veterano das newsletters: nos anos 1990, quando a internet ainda era mato no Brasil, ele enviava uma missiva regularmente a mais de 3 mil assinantes, sem plataforma de disparo. “Era tudo no braço, eu mandava uns 15 emails com o mesmo conteúdo com as pessoas copiadas”, lembra. Depois disso, Inagaki viveu o auge e o declínio dos blogs pessoais com a coluna “Pensar Enlouquece, Pense Nisso” – o endereço pessoal chegou a atrair milhares de visitantes, mas, como muitos criadores de conteúdo, passou a perder espaço quando as redes sociais passaram a concentrar o conteúdo dentro de suas próprias plataformas. Há poucas semanas, Inagaki voltou a escrever… no Substack – e a apresentação da coluna resume tudo: “um ex-blog que não virou TikTok por ser desengonçado demais pra fazer dancinhas.”

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Hamish McKenzie, Chris Best (CEO) e Jairaj Sethi São os fundadores do Substack Foto: Substack/Divulgação

Incentivos e agressividade

A batalha com o Twitter e a vasta quantidade de funcionalidades são dois pontos que mostram a agressividade do Substack, ao menos nos negócios. Desde sua fundação, o serviço decidiu usar parte do dinheiro levantado no capital de risco para atrair autores e escritores – em reportagem recente, o New York Times revelou que alguns contratos de exclusividade chegavam a beirar US$ 500 mil por dois anos de newsletters. Além disso, o serviço criou diversos editais de incentivo, como o Substack Local, dedicado a impulsionar iniciativas de jornalismo regionais.

Com mais de 25 anos de carreira em áreas como música, turismo e literatura, a jornalista e escritora brasileira Gaía Passarelli foi uma das 12 contempladas do programa, ativo entre 2021 e 2022. A newsletter dela, a “Pauliceia”, oferecia um guia do panorama cultural de São Paulo durante a pandemia da covid-19. “Fiquei um ano escrevendo sobre o que eu queria escrever e sendo paga para isso”, lembra a autora, que participava ainda de reuniões com o time técnico da empresa, tinha acesso a novas funcionalidades e dicas para transformar sua cria em um negócio. “O Substack tem esse discurso de te ajudar a criar um império de mídia, que foi algo que eu não pilhei, mas a interação e a mentoria foram preciosas.”

O aprendizado daquele período tem sido usado por Passarelli em uma nova newsletter, a “Tá Todo Mundo Tentando”, que é enviada desde abril de 2021, todas às sextas-feiras, para uma base de mais de 12 mil leitores, sempre com uma crônica que transita entre a ficção e a não-ficção. Em julho do ano passado, a escritora implementou uma assinatura mensal de R$ 20 – que inclui dicas mensais de cultura, acesso ao arquivo da newsletter e também um guia semanal com dicas de eventos em São Paulo, uma reminiscência do “Pauliceia”. “Posso dizer que a assinatura já paga algumas contas da casa, mas não me sustenta. Pela taxa atual de crescimento, a newsletter poderia ser minha atividade principal em cinco anos – mas quem sabe onde a internet vai estar até lá?”, questiona. “Por outro lado, ela cumpre meu interesse principal, que é desenvolver uma relação com leitores toda semana, recebendo comentários e emails, e isso para quem escreve é muito importante.”

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A gratuidade da plataforma e a possibilidade de oferecer assinaturas de um jeito fácil foi também o que atraiu a criadora de conteúdo catarinense Cristal Muniz – veterana da internet, ela já produziu conteúdo para blog, site, canal no YouTube, Instagram, Twitter, TikTok e até mesmo livro, falando sobre sustentabilidade sob o título “Um Ano Sem Lixo”. No Substack, é dona da newsletter “Cuca Fresca”, com cerca de 8 mil usuários inscritos. “Em outras plataformas, eu pagava por planos de acordo com a audiência, gastava até uns R$ 400 por mês. Além disso, eu usava uma plataforma de financiamento coletivo para ter assinaturas, mas o sistema não tinha um aspecto de comunidade e eu tinha vontade de ter uma newsletter”, diz Muniz, que começou a usar o Substack em janeiro de 2022.

Para seus assinantes, ela costuma oferecer um Clube do Livro, com discussões ao vivo pelo Zoom – mas confessa que a iniciativa está em hiato por conta do baixo interesse. “O Clube é uma das muitas coisas que eu faço, mas o retorno não estava compensando: é preciso dedicar várias horas por muito tempo sem ganhar nada, é difícil”, afirma a criadora de conteúdo. Para ela, é uma das diferenças culturais entre o Brasil e os EUA, e que deixa o cenário de monetização proposto pelo Substack um bocado mais distante. “Sinto que as pessoas têm dificuldade no Brasil de pagar por conteúdo, apenas para receber textos – elas precisam sentir que estão recebendo uma vantagem, não vão colaborar por colaborar. Nos EUA, é diferente”, ressalta Muniz.

No Substack, Cristal é dona da newsletter “Cuca Fresca”, com cerca de 8 mil usuários inscritos Foto: Bia Braz

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Rachaduras

O aspecto “americanizado” do Substack é uma crítica frequente dos usuários locais à plataforma. Dos emails de incentivo aos usuários até as funcionalidades da plataforma, tudo é em inglês e pensado com a realidade dos Estados Unidos. Para Matt Navarra, porém, isso tem razão de ser: ao contrário das gigantes das redes sociais, o Substack ainda é uma empresa “pequena”, estando avaliado em cerca de US$ 500 milhões. “A maioria das plataformas gostaria de ter alcance global, mas plataformas de assinaturas têm de focar em países desenvolvidos, onde as pessoas estariam mais dispostas a pagar”, afirma o britânico.

O crescimento desenfreado dos últimos meses também tem sido outro problema: depois de anos trazendo pequenas implementações e crescendo sua base de usuários, o Substack lançou várias funcionalidades nos últimos meses. Além do Notes, houve também o Chat, uma janela direta de conversa entre escritores e leitores, cujo lançamento do dia para a noite encheu o aplicativo da empresa de notificações, algo que irritou quem justamente buscava fugir dos constantes “bips” de interrupção das redes sociais.

Outra funcionalidade chave do Substack é vista de maneira agridoce. São as Recomendações, um espaço que permite que cada escritor indique suas newsletters favoritas para os leitores. “É algo que existia nos blogs, a lista de indicações, e que é muito interessante: eu recebi inscritos antes mesmo de ter lançado a newsletter”, comenta Inagaki. Por outro lado, é possível apenas recomendar outros títulos que estejam hospedados no Substack – o que faz o discurso de “abertura” da empresa, perante o caráter fechado das redes sociais, parecer um pouco hipócrita. “Para mim, fazer o usuário ficar restrito é exatamente o oposto do que uma newsletter se propõe, de ser algo que se pode abrir a hora que quiser, clicando em links para expandir o conhecimento”, afirma Cristal.

Além disso, a briga com Musk colocou o Substack nos holofotes – e fez o serviço receber muitos novos usuários, interessados em usar a plataforma para disseminar discursos de ódio, racismo, violência e teorias da conspiração que infestam outras redes sociais. “Enquanto eram só newsletters, era cada um no seu canto, mas o lançamento do Notes fez todo mundo perceber que estávamos no mesmo barco, o que me fez pensar se eu quero gastar meu tempo nessa plataforma”, diz Gaía Passarelli.

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Em entrevistas recentes, o CEO do Substack, Chris Best, foi bastante criticado por não ter uma resposta incisiva sobre o que faria com discursos racistas e extremistas em sua plataforma, chegando a sugerir os usuários se auto moderassem. São questões complexas para uma empresa ainda jovem – e que muitos têm dúvidas se de fato vai existir por muitos anos. “Assim como qualquer startup, o que vai ditar a sobrevivência do Substack é o financiamento”, afirma Matt Navarra.

Tal instabilidade, porém, não preocupa os criadores de conteúdo: uma lição que se aprendeu ao longo das últimas décadas na internet é que é preciso estar em muitos lugares ao mesmo tempo para não deixar a peteca cair. “É importante lembrar que internet não é rede social: o produtor de conteúdo que está em um só lugar corre o risco de confiar tudo numa empresa só”, diz Cristal Muniz. Ao mesmo tempo, para evitar esse problema, a única vacina é a independência, afirma a catarinense. “Ter seu próprio site, sua casinha na internet, é a única garantia. Se você está alugando a casa de outra pessoa, não tem como garantir que o que você deixa vai continuar lá.”

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