THE NEW YORK TIMES - Quando Rosie Grant fez sorvete para compartilhar com Marian Montfort no mês passado, seu maior desafio foi entregá-lo. Ela havia voado de Shreveport, Louisiana, para Portland, Maine, onde Montfort estava esperando. Lá, ela correu para o seu Airbnb, comprou uma sorveteira, reuniu e combinou os ingredientes - damascos secos, conserva de damasco, açúcar, creme de leite e uma pitada de noz-moscada - e transportou sua criação sem que ela derretesse sob uma forte chuva de verão. Foi difícil fazer tudo sozinha, mas Montfort não podia ajudá-la - ela estava morta há 16 anos. Grant havia seguido a receita gravada em seu túmulo.
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Grant é uma das muitas influenciadoras do TikTok na hashtag #gravetok, com mais de 1 bilhão de visualizações. Criadores postam vídeos seguindo conselhos de culinária, visitando locais de sepultamento e limpando lápides. Com o aumento da demanda por cremação nos Estados Unidos, eles esperam inspirar uma nova geração de entusiastas de cemitérios, ou tafófilos, que possam ajudar a preservar o passado do país.
Desde 2021, Grant, de 33 anos, viajou pelo país para jantar nos locais de sepultamento daqueles que deixaram receitas em seus túmulos. Ela os encontra através de uma combinação de pesquisa e ajuda de seus seguidores, e viaja para cada um deles com uma refeição.
“Em certo nível, parecia apenas um presente muito bom para essas pessoas deixarem uma receita para trás”, disse Grant, uma arquivista de Los Angeles que filma suas refeições junto às sepulturas em sua conta @ghostlyarchive. Para Grant, cada uma dessas refeições é especial, incluindo o sorvete que ela compartilhou com Montfort, que ela descreveu como “um belo momento de tranquilidade”.
Um profundo interesse em rituais de morte não é algo novo, disse Cole Imperi, fundadora da Escola de Tanatologia Americana e ex-presidente do Conselho do Histórico Cemitério e Arboreto Linden Grove em Covington, Kentucky. Cemitérios frequentemente são preservados como locais históricos e jardins abertos ao público, ela disse. Imperi acredita que o aumento do interesse no turismo em cemitérios é um sintoma da vida moderna.
“As redes sociais precisam de conteúdo em pedaços pequenos, e uma lápide é uma história em pedaços pequenos de uma pessoa, então essas duas coisas estão em perfeita sintonia”, ela disse. “Há uma sensação de enraizamento e herança significativa em aprender sobre as pessoas que vieram antes de nós.”
É uma qualidade que outros criadores também notaram. Caitlin Abrams, 37 anos, desenvolvedora de software de Vermont, com a conta TikTok @manicpixiemom, acredita que seus 3 milhões de seguidores preferem as histórias de pessoas comuns às famosas. Em seus vídeos, ela restaura túmulos centenários e narra os clipes com detalhes sobre a vida da pessoa falecida, incluindo linhagem familiar e tragédias como a perda de filhos. “Todos nós adoramos ver como outras pessoas vivem”, ela disse.
É difícil dizer exatamente o que os espectadores procuram em #gravetok. Alguns descrevem a comunidade como um oásis de tamanho reduzido. “Acho caminhar por cemitérios muito tranquilo”, disse Enocha Edenfield, uma guia de turismo de 42 anos e seguidora do #gravetok que mora em Savannah, Geórgia. “Isso me dá a chance de pensar longe do barulho da cidade, enquanto também aprendo um pouco sobre sua história através das lápides que passo.” Nos comentários desses vídeos, os espectadores também compartilham seus sentimentos de satisfação ao verem túmulos sendo limpos ou a esperança de que um dia possam ser lembrados dessa maneira.
Os vídeos às vezes alcançam as famílias das pessoas falecidas apresentadas neles, disse Grace Waronker, uma artista de gesso de 26 anos de Los Angeles que compartilha vídeos por meio de sua conta TikTok, @grace_goodnight. “Quando eu posto um vídeo de um túmulo que encontro, muitas vezes a família ou amigos dizem que é um sinal”, ela disse.
Mas os criadores disseram que ainda há trabalho a ser feito para tornar o #gravetok mais inclusivo. “Os túmulos nos contam apenas parte da história, porque as pessoas que eram da classe média e alta teriam acesso às lápides que ainda permanecem”, disse Abrams. “A maioria dos túmulos que limpo são de pessoas brancas porque principalmente pessoas brancas tinham acesso a lápides.”
Grant citou a história dos Estados Unidos de destruir locais de sepultamento de nativos americanos e cemitérios afro-americanos como outra razão pela qual ela continua a postar sobre seu trabalho - para inspirar uma nova geração de tafófilos que possam proteger e cuidar de cemitérios negligenciados. “É realmente importante que uma comunidade local esteja conectada aos seus cemitérios locais e se preocupe com eles em algum nível”, ela disse. “Parece uma maneira estranha de colocar, mas qualquer quantidade de apoio pode ajudar a manter o próprio cemitério vivo.” / TRADUÇÃO POR JESSICA SKROCH
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