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Organização notifica autoridades sobre uso de dados de brasileiros para treinar IAs de Zuckerberg

Meta fez mudança silenciosa em termos de uso para treinar o seu ‘ChatGPT’, mas Idec considera que gigante violou direito dos cidadãos

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Por Sabrina Brito

O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) notificou em 26 de junho a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por conta da maneira como a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp está utilizando os dados de usuários brasileiros para o treinamento de inteligência artificial (IA).

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De acordo com o instituto, “a violação aos direitos básicos do consumidor está evidente.” A organização pede às autoridades que impeçam o uso de dados pessoais de consumidores para o treinamento da IA generativa da companhia. Procurada pela reportagem, a Meta não quis comentar o assunto.

No documento, o Idec afirma que é dever da empresa de Mark Zuckerberg garantir aos consumidores informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre seu intuito de treinar a IA com base nos dados de usuários. Além disso, a empresa também não explica a relação entre o treinamento da inteligência artificial e os serviços prestados ao titular da conta.

Idec pede que autoridades fiscalizem práticas da Meta para treinamento de IA  Foto: Taba Benedicto/Estadão

“O uso de algoritmos de inteligência artificial carrega consigo um alto risco de violação a direitos e liberdades individuais e um alto potencial discriminatório, sendo necessário, portanto, a mitigação de riscos e a tomada de salvaguardas de proteção”, diz o documento.

Mudança de termos de uso no Brasil deixa interrogações

Recentemente, a Meta fez um movimento de atualização de seus termos de uso no sentido de permitir o aperfeiçoamento de sua IA por meio da análise de posts feitos por usuários nas redes sociais, incluindo textos e fotos. No entanto, a mudança deixou mais perguntas do que respostas.

No Brasil, nenhuma data foi informada com antecedência aos usuários para o início da prática. A única pista que indica que a companhia já teria começado a usar os dados de brasileiros é de 22 de maio. Na data, foi publicado o formulário para usuários indicarem que não desejam ter seus dados usados por IA. No mesmo dia, foi publicado um comunicado informando sobre a mudança na política de uso dos usuários.

O caso ganhou repercussão depois que a Meta teve seus planos frustrados na União Europeia. A companhia tinha planos de lançar a nova política de privacidade no bloco no dia 26 de junho. Contudo, a Meta recuou após sofrer críticas de usuários e autoridades locais.

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A ausência de clareza e diferença no tratamento de a cidadãos de diferentes países também motivou o Idec. “Diferentemente da União Europeia, no Brasil, os usuários não foram informados sobre a alteração na política de privacidade para uso de dados para treinamento de IA generativa. A informação prévia, adequada e clara é um requisito essencial para a eficácia de um contrato de consumo; sendo assim, os usuários não devem ser obrigados a ter seus dados utilizados para treinamento de ferramentas de IA”, acrescenta Marina Fernandes de Siqueira, advogada do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec.

“A mera alteração da política não é capaz de informar adequadamente os consumidores. Além disso, ela também falha ao não informar o objetivo do tratamento, quais os (eventuais) benefícios e facilidades aos consumidores e qual tipo de modelo generativo”, diz ela.

O que pretende a nova política da Meta

Com a mudança nos termos de uso, as publicações no Facebook e no Instagram serviriam para que a inteligência artificial generativa desenvolva “conhecimentos” para produzir texto. Sistemas como o ChatGPT precisam de uma grande quantidade de dados para fazer conexões entre os termos - e a busca por dados “inéditos” e “de qualidade” se tornou uma das principais corridas comerciais entre gigantes da IA. Os posts das redes da Meta, que são proprietários (ou seja, não são acessados por mais ninguém), são vistos como uma das principais vantagens da empresa na disputa.

Embora a companhia já utilize IA há anos em suas plataformas, os dados dos usuários passariam a ser usados também para alimentar modelos capazes de gerar textos e imagens – tudo isso para que, no futuro próximo, a Meta possa lançar o seu “ChatGPT”. Para esse fim, seriam usadas as postagens realizadas de modo público. Assim, conversas e posts privados seriam poupados.

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Para aqueles que não quiserem fazer o treinamento de IAs, a Meta criou um formulário pelo qual o usuário pode vetar o uso, chamado “Direito de se opor”. Ele está disponível na página de privacidade da Meta.

No entanto, argumenta o Idec, o fato de que é preciso seguir nove passos para se opor ao uso de suas informações para treinar a inteligência artificial da empresa forma um design que dificulta o exercício dos direitos por parte do consumidor.

“Com isso, a Meta visa minimizar o número de titulares de dados que irá se opor ao tratamento de seus dados para treinamento de uma ferramenta de inteligência artificial”, afirma o instituto. “Inclusive, no formulário para oposição, o consumidor ainda tem que fornecer informações desnecessárias e excessivas, como a justificativa.”

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Assim, o Idec solicita que a Meta seja obrigada a se adequar no sentido de tratar os dados dos usuários de forma considerada regular - ou seja, com finalidade, adequação, necessidade e transparência. Isso implica não utilizar os dados de usuários do Brasil para aperfeiçoar a sua inteligência artificial.

“As autoridades brasileiras devem demonstrar à empresa que os cidadãos brasileiros não podem ser tratados como sendo de ‘segunda classe’”, diz Marina. “Elas devem agir para que a política de privacidade seja suspensa e que seja cessado o treinamento da IA generativa da Meta com dados de usuários brasileiros.”

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