Com empurrão das redes, geração Z descobre seu novo eletrônico favorito: a máquina de costura

Nova onda de interesse no TikTok e no Instagram empurrou as vendas, reformulou estratégias de marketing das empresas e deu origem a um ecossistema de influenciadores e costureiros muito jovens

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Foto do author Alice Labate
Atualização:

Costurar não é mais coisa de vovó, longe disso. A prática da costura, tradicionalmente associada a gerações passadas, ganhou novos adeptos com um empurrão do TikTok e do Instagram e rejuvenesceu, transformando a boa e velha máquina de costura no novo eletrônico preferido da geração Z. O movimento empurrou as vendas, reformulou estratégias de marketing das empresas e deu origem a um ecossistema de influenciadores e costureiros muito jovens.

Descobrir que as máquinas de costura estão em alta não é tão difícil quanto era encontrar antigamente uma boa costureira de bairro. No TikTok, por exemplo, a hashtag #costura já acumula mais de 600 mil publicações, e é alimentada por influenciadores, que compartilham suas criações e processos, e por usuários, que oferecem dicas e tutoriais de suas produções.

Juliana Francisco é estudante de arquitetura e designer de moda. Seu perfil no TikTok já conta com 145,5 mil seguidores Foto: Juliana Francisco/Arquivo pessoal

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Cecília Pedersoli (@cedipedersoli), influenciadora digital de Belo Horizonte, com 23 anos, já acumula 1,8 milhão de seguidores no TikTok, onde documenta sua jornada na costura. “Minhas avós sempre trabalharam como costureiras, então, desde criança, tive contato com esse universo”, conta. Ela iniciou sua trajetória na costura criativa em 2021, quando, com o incentivo de sua mãe, decidiu fazer um curso de costura. “Me encantei pela possibilidade de criar minhas próprias peças, porque eu sempre gostei de roupas sob medida”, afirma Cecília.

Seu aprendizado foi gradual, começando com peças simples e evoluindo para criações mais complexas. Com o crescimento rápido de sua base de seguidores, ela conta que em apenas seis meses, alcançou um milhão de seguidores e que a costura continua sendo um dos temas mais populares em seu perfil.

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Juliana Francisco (@_jufrancisco) é estudante de arquitetura, influenciadora digital e designer de moda do Rio de Janeiro. Aos 27 anos, ela tem 145,5 mil seguidores no TikTok e uma trajetória familiar também ligada à costura. “Minha avó e meu pai sempre trabalharam com costura, então cresci nesse ambiente”, diz ela, que aprendeu a costurar desde pequena. “Entre 2018 e 2019, fiz um curso de design no Istituto Europeo di Design (IED) e foi um divisor de águas para mim”, lembra Juliana, que agora compartilha os bastidores de suas criações de moda festa. “A costura tem sido uma maneira de criar algo único e personalizado para cada cliente, e isso me encanta”, afirma.

Juliana também destaca a influência das redes sociais em sua trajetória. “A costura virou uma tendência, as pessoas estão buscando hobbies criativos e, ao mesmo tempo, querem algo único que saia do consumo em massa”, observa.

A costura virou uma tendência, as pessoas estão buscando hobbies criativos e, ao mesmo tempo, querem algo único que saia do consumo em massa

Juliana Francisco, influenciadora de costura

Aulas no TikTok?

Entre os seguidores dessa turma, há gente interessada em aprender — e que rapidamente foi atrás da própria máquina. Sabrina Correia, 19, trabalha em uma loja de tecidos em Sumaré, SP, e conta que o TikTok foi essencial para seu aprendizado. “Eu comecei a costurar logo depois que comecei a trabalhar na loja onde estou atualmente”, explica, “Entrei no trabalho em setembro e, em dezembro já comprei minha máquina e comecei a costurar algumas peças com ajuda do TikTok”.

Auxiliar administrativa, Rosilene das Graças Campos, 31, deu novo rumo à carreira após descobrir a costura nas redes. Aos 31 anos, criou sua própria marca de roupas e também recorreu ao TikTok para aprimorar suas habilidades. “Aprendi a costurar com a minha tia, quando tinha uns sete anos”, explica, “Como eu sou bem baixinha, tenho 1,42 m, tive que aprender a fazer ajustes nas minhas roupas desde cedo, e, quando comecei a trabalhar em escritório, percebi que encontrar roupas sociais era ainda mais complicado. Foi então que, pesquisando na internet, principalmente no TikTok, comecei a buscar tutoriais para melhorar minha prática. No ano passado, criei minha marca própria para pessoas pequenas, a Rouse Pettite”.

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Cecília Pedersoli alcançou um milhão de seguidores no TikTok em apenas seis meses na plataforma, produzindo conteúdo de costura Foto: Cecília Pedersoli/Arquivo pessoal

A demanda por vídeos ensinando a costurar ou a realizar técnicas mais ousadas vem crescendo rapidamente, impulsionada pelo fácil acesso a conteúdos educativos nas redes sociais. “Em casa ninguém costura, só eu. Aprendi sozinha, pesquisando no YouTube e TikTok, além de tirar dúvidas com as clientes da loja em que trabalho”, diz Sabrina. Ela se aprofundou na técnica e hoje cria peças para si mesma e para sua família, sempre com a ajuda de influenciadoras como Eloise Pereira e Patrícia Vilarinho, cujos conteúdos ela considera didáticos.

Mercado aquece

Com interesse renovado por uma nova geração, o mercado de máquinas de costura se aqueceu. Dados da Singer, uma das marcas gigantes do mercado, apontam um aumento de 26% nas vendas de suas máquinas em 2024. Entre os modelos mais vendidos, a linha Facilita, com preços na casa dos R$ 1,2 mil, se destaca.

Concheta Feliciano, diretora de vendas da companhia para a América Latina, destaca os esforços da marca para se conectar com as novas gerações. Um exemplo é o lançamento da SE9185, que se conecta ao aplicativo mySewnet para personalização automatizada de bordados. Além disso, novas versões da linha Facilita, incluindo modelos coloridos, têm atraído um público jovem.

Influenciadores e marcas de máquinas de costura aproveitam o crescente movimento de customização e criatividade impulsionado pelas redes sociais Foto: Cecília Pedersoli/Arquivo pessoal

Segundo Concheta Feliciano, 37% dos clientes da Singer têm entre 18 e 34 anos. A influenciadora Juliana Francisco reforça essa tendência ao destacar que a maioria de seus seguidores estão na faixa etária de 18 a 35 anos. “Eles querem entender a história por trás da costura e como ela se conecta com um estilo de vida mais consciente”, explica.

Isso se soma a um público que sempre esteve ligado à costura e que, agora, busca sobre o assunto nas redes sociais. Cecília Pedersoli observa que, além dos jovens adolescentes, muitas mulheres acima dos 50 anos a seguem nas redes sociais e elogiam o retorno da costura como uma prática valorizada pelas novas gerações.

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Máquinas de costura baratas (e frágeis)

Embora a busca por máquinas mais avançadas tenha crescido, a nova mania deu origem a uma categoria de equipamentos ultra baratos, mirados por quem quer ter uma noção se gosta mesmo da atividade. A Shopee, por exemplo, registrou um aumento de 38% nas buscas por “máquinas de costura” em 2024, com modelos compactos e portáteis entre os mais procurados. Esses produtos, que variam entre R$ 50 e R$ 200, chamam atenção pelo preço, mas costumam ter menor durabilidade. Amazon e Mercado Livre não quiseram participar da reportagem, mas também vendem produtos do tipo.

Rosilene, que decidiu testar uma dessas alternativas, comprou uma máquina considerada barata na Shopee por R$ 170. No entanto, a experiência não foi satisfatória. “A máquina durou apenas três semanas antes de começar a apresentar problemas”, conta. Diante disso, ela optou por investir em uma Singer Facilita Pro, cujo modelo mais acessível no site da marca custa R$ 1.614,57.

Rosilene aprendeu a costurar ainda criança e praticava ajustando as próprias roupas Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Estratégias de marketing para se conectar com a geração Z

Concheta Feliciano observa um aumento no interesse dos jovens pela costura, impulsionado principalmente pela sustentabilidade. “A geração Z está cada vez mais consciente sobre o consumo responsável e busca alternativas para evitar desperdícios e reaproveitar roupas”, explica. “Além disso, a personalização se tornou um grande atrativo, com muitas pessoas buscando maneiras de criar peças únicas e expressar seu estilo pessoal. Para muitos jovens, costurar deixou de ser apenas uma habilidade tradicional e passou a ser uma forma de expressão, criatividade e até mesmo uma oportunidade de renda extra”. Isso mudou como essas marcas falam com os mais jovens.

Aline Hasse, sócia e vice-presidente de estratégia da agência Memo, responsável pela comunicação de marcas de máquinas de costura como Singer e Pfaff, explica que esse público valoriza propósito e autenticidade. “Não se trata mais de uma relação fria entre consumidor e marca. Essa geração tem um interesse genuíno por produtos e serviços que tenham significado”, afirma.

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A estratégia de User Generated Content (UGC) — em que os próprios consumidores produzem conteúdo sobre um produto — tem sido um pilar da abordagem digital. Criadores que já fazem tutoriais e projetos DIY se tornam parceiros ideais para promover a marca, garantindo uma comunicação mais genuína com a geração Z.

A Singer, por exemplo, tem investido em novos lançamentos, combinando bordado e costura com conectividade Wi-Fi. A presença digital também tem sido um foco, com ações voltadas para TikTok e Instagram.

O formato dos conteúdos também desempenha um papel importante na estratégia digital. “No TikTok, há um grande interesse por vídeos que tornam processos complexos aparentemente simples”, comenta Aline. “Costurar um vestido leva horas e exige conhecimento, mas as pessoas querem ver um vídeo de dois minutos mostrando o processo do começo ao fim. Dessa forma, vamos ajustando o tipo de conteúdo que é produzido pelas marcas”.

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