“Estamos vivendo ou apenas esperando o próximo Termo?”. O questionamento do humorista Marcelo Adnet, no Twitter, é o mesmo de milhares de pessoas nas últimas semanas. Para quem não esteve em Marte no período, o joguinho de adivinhação de palavras virou mania — e, para alguns, vai além: a dose diária do game tornou-se uma aliada de aprendizado e uma forma de exercício cognitivo.
O princípio é bem simples: cinco letras, uma palavra por dia, nenhuma pista sobre o significado da palavra. Em seis tentativas, o desafio é descobrir qual o termo misterioso da vez, com a ajuda apenas de uma indicação de cores, que mostra se a letra existe na palavra e se ela está ou não no lugar certo. É uma ideia que surgiu em outubro do ano passado com o Wordle, jogado em inglês — o sucesso a partir de janeiro foi tanto que o jornal americano The New York Times comprou o game na semana passada por uma quantia não revelada.
Tanto em português quanto em inglês, a brincadeira virou uma espécie de ‘academia para a memória’, além de ser uma maneira de aprender novas palavras no idioma de Shakespeare. Já existem escolas desenvolvendo atividades em sala de aula com o Wordle, por exemplo.
O professor de inglês Kaiky Herculano, 18, usa o jogo como um ‘aquecimento’ para o cérebro antes de iniciar as atividades do dia e percebeu que o método tem feito sucesso com os estudantes, que já estavam no jogo por conta própria.
“O Wordle pode ajudar a praticar o alfabeto para (pessoas de) níveis mais iniciantes. Para quem já está mais avançado, a gente tem essas palavras como um lembrete do que já aprenderam. Os alunos gostam muito e já existem outros professores na escola usando esse método também”, diz ele.
Ainda não existem estudos que possam indicar o efeito cognitivo do game, mas Francisco Tupy, pesquisador em comunicação educacional formado na Universidade de São Paulo (USP), acredita que eles possam ser semelhantes a outros jogos já conhecidos, como o americano ‘Scrabble’, que também exercita o cérebro na montagem de palavras ligadas a um desafio a ser cumprido.
“A gente aprende muito mais quando a atitude de aprendizado é ativa. Quando a gente interage com o conteúdo, estamos sendo ativos. O jogar é algo pré-lógico. Isso não é novo na educação e, mesmo não tendo uma finalidade educativa, ainda assim é possível utilizar as características desse game como uma ferramenta didática”, explica Tupy, ao Estadão.
É do Brasil
Com o sucesso do Wordle em todo o mundo, o Brasil viu surgir várias versões em português, sendo o Termo a mais conhecida. Segundo Fernando Serboncini, gerente de engenharia do Google e criador do sucesso no País, a média diária de acessos já passa dos 400 mil.
“Normalmente, jogos de palavras em inglês são mais difíceis para quem não é nativo. Queria ter essa sensação de jogar em português, então fiz o Termo em uns dois ou três dias. Mandei para alguns amigos e, horas depois, já tinha 10 mil pessoas jogando. Um deles compartilhou no Twitter e explodiu”, conta Serboncini em entrevista ao Estadão.
Mesmo em português, o que supostamente reduz a capacidade do jogo de ensinar novas palavras, a ideia conservou estímulos mentais para quem está ‘viciado’ no Termo. Isso porque, além da memória, os jogadores querem analisar sua performance também em tempo e em quantidade de tentativas.
“O jogo não é um fim em si mesmo. Cada pessoa pode criar um tipo de dinâmica de aprendizagem. Vejo a utilização associada a um jeito ativo de envolver a memória”, ressalta Tupy.
Pérola Gonçalves compartilha da opinião do especialista. A produtora editorial, de 27 anos, conta que o desafio mental que o game proporciona todos os dias é um incentivo para continuar ‘quebrando a cabeça’ com a plataforma.
“Eu comecei a jogar logo que lançou e me interessei porque gosto muito de jogos de palavras. Eu acho muito legal que é só uma palavra por dia e é a mesma para todo mundo. É um tipo de competição silenciosa que testa a nossa mente”, aponta Pérola.
Redes sociais potencializaram game
Além do estímulo mental, tanto o Termo quanto o Wordle têm estruturas que satisfazem o cérebro de outra maneira: exibir resultados nas redes sociais, o que pode ser bem prazeroso quando são positivos. É difícil encontrar quem jogue e não poste — e como consequência, os jogos caíram no gosto da internet.
Grande parte da febre se deve à curiosidade de saber o que são os quadrinhos coloridos que aparecem frequentemente na timeline. Serboncini conta que, antes mesmo dele próprio falar sobre o jogo nas redes sociais, mais de 50 mil pessoas estavam entrando na plataforma pelos compartilhamentos.
É um movimento que lembra o Clubhouse, rede social de áudio que viu concorrentes de peso, como Twitter e Facebook, desenvolverem serviços semelhantes. Mesmo não sendo um jogo, como o Wordle e o Termo, a trajetória da popularidade foi semelhante: o público que compartilhava da experiência foi o maior responsável pelo sucesso da plataforma.
A principal diferença entre Wordle/Termo e o Clubhouse é que os jogos são um produto da web e não dependem de aplicativo para serem jogados.
“Uma coisa que é legal do Termo e do Wordle é que pela primeira vez em, talvez, até mais de cinco anos, o ritual das pessoas de comunicação na internet não é permeado por algum aplicativo. Teve essa adição de um novo site, que não é um agregador de nada. Eu acho isso ótimo. Eu não pretendo corrigir porque isso não é um problema”, afirma Serboncini.
Futuro
Já o futuro do Wordle permanece incerto. Por enquanto, ele vai continuar gratuito na web, mas pode ser que, ao longo do ano, o The New York Times decida incluir o sucesso no rol de seus jogos pagos. O jornal é conhecido por ter um serviço de assinatura apenas para passatempos, como palavras-cruzadas e outros jogos dignos da revista Coquetel. Para adquirir o serviço, ele oferece assinaturas por US$ 0,50 por semana ou US$ 20 por ano.
Esse será o teste definitivo para o jogo: estar tão enraizado nos usuários a ponto de levar seus jogadores à modalidade paga da plataforma. Se isso não acontecer, será hora de estimular a mente e engordar o vocabulário em outro lugar.
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