Meta AI lê minhas conversas no WhatsApp? Entenda o que a IA pode ou não fazer com seus dados

Nova ferramenta gerou incerteza sobre a privacidade dos usuários no aplicativo de mensagens

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Foto do author Guilherme  Nannini
Atualização:

A Meta AI, inteligência artificial (IA) da Meta (dona de WhatsApp, Facebook e Instagram), chegou ao Brasil e gerou muita curiosidade. A ferramenta, que permite aos usuários criar figurinhas, imagens e conversar com um assistente de IA, levantou questões sobre o uso de dados de seus usuários. A principal delas é se a IA consegue ler todas as conversas que acontecem no aplicativo de mensagens. Mas resposta não é tão simples.

A Meta AI foi anunciada em setembro de 2023 com o objetivo de integrar funcionalidades de IA a todos os aplicativos da companhia. Ou seja, ela serviria como um grande chatbot esperto, como o ChatGPT, não apenas para o WhatsApp, mas também para Instagram, Facebook e Messenger.

Chegada da Meta AI no WhatsApp causou descontentamento para alguns usuários, chegando a ficar entre os assuntos mais pesquisados do Google em seu lançamento Foto: maurice norbert - stock.adobe.com

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Para isso, a Meta AI utiliza como “cérebro” um grande modelo de linguagem (LLM) criado pela companhia de Mark Zuckerberg, chamado Llama 3.2. Segundo a companhia, o Llama foi “alimentado” com um conjunto de dados massivo e diversificado, incluindo trilhões de palavras de páginas da web, repositórios de código aberto, livros e artigos científicos, além de informações de páginas da web. Tudo isso é feito para que a a IA aprende padrões de linguagem para oferecer informações relevantes e confiáveis.

Isso já fazia com que a Meta AI apresentasse um bom nível de funcionamento antes mesmo de chegar ao WhatsApp. O problema é que a Meta também usa dados e conteúdos publicados nos serviços da companhia para aprimorar a Meta AI - ou seja, os posts nos feeds do Facebook e do Instagram também são valiosos pontos de apoio para o chatbot.

Isso gerou um impasse com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) antes da estreia do serviço no Brasil. A permissão inicial obtida pela Meta para a coleta de dados dos usuários para fins de treinamento da IA gerou questionamentos sobre a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), culminando na proibição, em julho deste ano, da coleta de dados para esse fim.

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Sem a possibilidade do uso dessas informações, a Meta, em resposta à determinação da ANPD, elaborou um plano de conformidade, visando, segundo a empresa, garantir a privacidade dos usuários e a conformidade com a LGPD. O plano estabeleceu medidas como a notificação transparente aos usuários sobre a coleta de dados, a garantia do direito de oposição e a exclusão de dados de menores de 18 anos do conjunto de dados utilizado para o treinamento da IA.

Após análise do plano, a ANPD suspendeu a proibição em agosto de 2024, autorizando a coleta de dados para o treinamento da IA, desde que mediante o consentimento explícito dos usuários e com a garantia do direito de oposição. A autoridade liberou então a chegada da Meta AI no Brasil com restrições. A ferramenta poderia apenas coletar dados dos usuários para treinamento de IA utilizando os feeds do Facebook e Instagram que são públicos. Já a situação do WhatsApp é mais complexa.

Criptografia e privacidade

WhatsApp é o aplicativo de mensagens mais popular do Brasil, com 147 milhões de pessoas Foto: Adobe Stock

É aí que entra a criptografia. A ferramenta é um mecanismo de segurança que assegura a privacidade das comunicações entre os usuários. Desde abril de 2016, o aplicativo implementa a criptografia de ponta a ponta em todas as formas de comunicação, incluindo mensagens de texto, chamadas de voz, videochamadas e compartilhamento de arquivos.

De acordo com a Meta, ao instalar o aplicativo, ele gera um par de chaves criptográficas exclusivo para o dispositivo: uma chave pública e uma chave privada. A chave pública é compartilhada com os contatos, enquanto a chave privada permanece armazenada no dispositivo do usuário.

Quando uma conversa é iniciada, o WhatsApp troca automaticamente as chaves públicas entre os dispositivos dos participantes. Ao enviar uma mensagem, o aplicativo a criptografa no dispositivo do remetente usando a chave pública do destinatário. A mensagem criptografada é transmitida pelos servidores do WhatsApp até o dispositivo do destinatário. Durante o percurso, o conteúdo permanece inacessível a terceiros, incluindo o próprio WhatsApp. Ao receber a mensagem, o dispositivo do destinatário utiliza sua chave privada para descriptografá-la.

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Resumindo: sua mensagem fica ilegível para qualquer um, tanto para o WhatsApp, quanto a Meta AI, por exemplo.

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Assim, segundo a Meta, a IA não consegue ler o conteúdo de conversas no aplicativo de mensagens. “A IA só pode ler e responder mensagens que mencionam “@Meta AI” e as mensagens que são parte de uma conversa específica com a Meta AI. As demais mensagens de uma conversa não são lidas pela ferramenta”, diz a Big Tech. Ou seja, é impossível que a Meta AI leia ou veja uma mensagem que não foi enviada a ela.

A coleta de dados para o treinamento da IA se restringe, então, apenas aos dados fornecidos pelos usuários durante as interações com a ferramenta, como comandos, perguntas e avaliações, além de informações públicas disponíveis na internet. “As conversas com inteligência artificial são diferentes das suas conversas pessoais. Quando você usa esses recursos, a Meta recebe seus comandos, as mensagens enviadas à IA e sua avaliação para fornecer respostas relevantes para você e para aprimorar a qualidade dessa tecnologia” diz a empresa.

A companhia também diz que a Meta AI não vincula os dados pessoais da conta do WhatsApp aos dados do usuário em outras plataformas da Meta, como Facebook e Instagram. Segundo a empresa, esses esclarecimentos são feitos aos usuários diretamente no aplicativo antes e durante o uso da Meta AI no WhatsApp.

Armazenagem de dados e remoção da IA

Meta é dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, três das principais redes sociais utilizadas em todo o mundo Foto: AdriaVidal/Adobe Stock

Mas ainda há “zonas cinzentas”. Algumas questões nos termos de privacidade da Meta AI ainda geram dúvidas. A principal delas se refere ao uso de dados para o treinamento da IA. Apesar de a Meta afirmar que a coleta de dados para treinamento da IA ocorre apenas com o consentimento dos usuários, a forma como esse consentimento é obtido e a transparência sobre quais dados são coletados e como são utilizados ainda geram questionamentos.

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Os termos não deixam claro se tudo o que é falado com a Meta AI é utilizado ou se apenas partes das conversas são usadas. Também não é possível saber se ela tem algum tipo de “memória” que guarda os dados indefinidamente para futuro treinamento dos sistemas.

Perguntada sobre o assunto, a Meta não respondeu se todas informações são utilizadas e por quanto tempo armazena esses dados. Em seu blog, a empresa informa apenas que os dados trocados com a inteligência artificial no WhatsApp são aproveitados para treiná-la e que não recomenda a divulgação de mensagens contendo informações que o usuário não queira compartilhar com a inteligência artificial. A Meta afirma também que a inteligência artificial é treinada para limitar o compartilhamento de informações sobre pessoas, como nomes, em outras conversas.

De acordo com Lucas Maldonado, especialista em direito digital pela FGV, “todas as informações essenciais quanto ao tratamento de dados devem ser fornecidas pelos controladores de forma clara e acessível para os titulares”. Nesse caso, não ficou especificado se todos os dados compartilhados com a IA ou apenas alguns deles selecionados são utilizados para o treinamento da ferramenta.

Outro ponto que merece atenção é a impossibilidade de remover a Meta AI do WhatsApp. A ANPD esclareceu ao Estadão que não houve nenhum acordo com a Meta nesse sentido e que a permanência da Meta AI no aplicativo não fere a LGPD, desde que a coleta de dados para treinamento da IA seja feita com o consentimento dos usuários. “Não houve acerto entre a ANPD e a Meta no que se refere a isso”, disse a autoridade.

Dessa forma, apesar da inteligência artificial não ler suas conversas pessoais, escutar seus áudios ou ver suas imagens, ela sempre estará lá, disponível para ser utilizada, sendo impossível removê-la. Para se proteger, o usuário pode exercer o direito de oposição ao uso de seus dados para treinamento da IA da Meta por meio do preenchimento de um formulário disponibilizado pela própria empresa.

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No caso do WhatsApp, a solicitação será válida mediante a confirmação de um número de telefone vinculado à conta. Usuários que tiverem o pedido aceito terão suas mensagens excluídas do treinamento de IAs generativas da Meta, segundo a empresa. É importante destacar que cada plataforma da Meta possui um formulário próprio, sendo necessário preenchê-los individualmente caso o usuário deseje exercer esse direito no Facebook e Instagram, além do WhatsApp. O Estadão apurou que mesmo negado o uso dos dados, a inteligência artificial continua a funcionar, sem coletar as informações. Ou seja, uma pessoa pode exercer o direito de oposição e usar o assistente ainda assim. A Meta não comentou sobre a questão até o momento da publicação da matéria.

Maldonado explica que a LGPD garante a todos os titulares de dados o direito de oposição ao tratamento de dados pessoais. “As pessoas que não quiserem ter seus dados usados para treinamento da Meta AI, poderão exercer esse direito de oposição por meio dos formulários disponibilizados pela própria empresa. A lei deve garantir aos usuários o direito de oposição à coleta e ao uso de seus dados pessoais.”

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