Waze vicia? Estudo identifica sinais de ‘abstinência’ do app de GPS em motoristas

Acostumada a usar aplicativos de GPS, a pessoa comum pode se viciar no app, aponta pesquisa

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Por Sabrina Brito

A partir da facilidade de acessar um mapa completo na palma da mão, é difícil encontrar alguém que nunca tenha dirigido em uma cidade grande sem aplicativos de GPS. Com milhões de usuários desse tipo de serviço pelo mundo, os apps ajudam o menos bem localizado de nós a navegar por praticamente qualquer lugar. No entanto, embora possa parecer muito positivo, o uso de aplicativos de localização para dirigir, como Waze, Google Maps e CityMapper, por exemplo, pode deixar de ser uma “mão na roda” e se tornar uma dependência.

É o que revela um estudo feito por cientistas da Ariel University e Reichman University, ambas de Israel, e publicada no periódico científico PLoS ONE. A pesquisa abordou o Waze, uma das plataformas mais populares de apps de GPS no mundo, e concluiu que usuários que ficam sem o app relatam traços ligados ao vício, como modificação de humor, conflito, recaída e abstinência.

Waze é amplamente usado para evitar acidentes ou engarrafamentos Foto: Vlad Ispas/adobe.stock

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A pesquisa define vício em tecnologia da informação como um tipo de situação que ocorre quando o indivíduo sente perda de controle em relação a um recurso tecnológico, envolvendo um estado psicológico de dependência inconsciente. É um conjunto de sintomas que pode aparecer nos usuários do app, de acordo com Leila Bergamasco, professora de ciência da computação da FEI.

“Essa dependência pode levar a estados emocionais negativos quando os usuários não conseguem acessar o aplicativo, como frustração, ansiedade, tristeza e irritabilidade”, explica Leila.

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No estudo, algumas das perguntas feitas aos participantes foram: “quais necessidades o aplicativo satisfaz para você?”, “Quão seguro você se sente na estrada?”, “Quão forte é o seu senso de orientação na rua?” ou “Usar o app diminuiu o seu senso de orientação na rua?”.

Como resultado, mais da metade dos entrevistados afirmou sentir ansiedade, estresse e pressão quando o aplicativo deixa de funcionar. Segundo os participantes, a ansiedade vem da incerteza sobre onde estavam ou como proceder para traçar um caminho com seu próprio conhecimento. Além disso, 16 pessoas relataram usar o app para sentir mais segurança enquanto dirigem.

“A dependência que vemos no uso de certos aplicativos é resultado de uma série de decisões de engenharia de software”, pontua Paulo Pirozelli, professor dos cursos de tecnologia da informação no Instituto Mauá de Tecnologia e pós-doutorado em inteligência artificial. “No caso do Waze, esse efeito é resultante de elementos como gamificação, recompensas, feedback em tempo real e experiência personalizada, estratégias que ajudam a manter o engajamento do usuário.”

Outras pesquisas corroboram com o achado e também envolvem um possível vício em aplicativos de celular. Um estudo realizado pelo HJ Institute of Technology and Management e pela Catholic University of Korea, publicado no periódico científico BMC Psychology em 2023, afirma que o uso desses apps, quando associado a “diversos fatores que contribuem para o vício, inclusive fluxo, prazer percebido e hábito”, pode fazer com que a dependência se torne uma característica em potencial para os usuários.

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Conforme explicita esse segundo estudo, que se baseou em dados coletados de 320 usuários de aplicativos mobile por meio de um questionário, o prazer percebido tem um impacto substancial no fluxo e no hábito.

De acordo com Pirozelli, a experiência imersiva de um determinado aplicativo pode levar à dependência porque captura totalmente a atenção do usuário. “As consequências são conhecidas: dispersão, dificuldade em realizar outras tarefas, perda de tempo (e, às vezes, de dinheiro), falta de interesse por outras atividades, frustração, mudança de humor, entre outras coisas.”

Dependência?

Assim como ficar sem o app de GPS foi uma experiência tensa para alguns usuários, o estudo afirma que há uma sensação de alívio quando o Waze está ligado, e um senso de confiança que a jornada ocorrerá sem percalços justamente por causa do aplicativo — por consequência, gerando emoções negativas quando o app não está em operação, de acordo com o estudo. Os participantes disseram também ser incapazes de voluntariamente reduzir seu uso do Waze.

Mas, mesmo com sinais que possam aproximar o uso de um vício, é preciso tomar cuidado com a nomenclatura. Segundo Aderbal Vieira Junior, responsável pelo Ambulatório de Tratamento de Dependências de Comportamentos da Unifesp/Hospital São Paulo, não fica claro se, no caso do uso do Waze, podemos alegar dependência.

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“Talvez esteja em algum espectro do vício”, diz o especialista. “Mas não há uma vontade de usar, uma fissura pelo Waze.”

Para ele, a proposta do estudo é interessante e provocadora. No entanto, afirma, é preciso pensar criticamente. “Não estamos falando de abstinência, mas de uma sensação de insegurança ou ‘burrice’ sem o uso do Waze; as pessoas ficam desacostumadas, sim, mas não chega a ter uma sensação de falta.”

Uso saudável

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Para Vieira Junior, também pode haver reverberações físicas no uso frequente de aplicativos de GPS. “À medida que contamos com (apps como o) Waze, a parte do cérebro responsável pela localização e navegação vai se atrofiando. Se não exercitar, ela vai encolhendo”, comenta. “Provavelmente faria bem às pessoas voltar a pensar a cidade sem o Waze.”

Leila Bergamasco, da FEI, acredita neste último conselho - assim como o estudo — e aponta que há maneiras de evitar que o uso do app no dia a dia se torne menos prático e mais prejudicial.

“O estudo aponta diversos aspectos relevantes e caminhos para mitigar essa dependência. Algumas das sugestões apresentadas no artigo são o incentivo da leitura de mapas para que usuários não se tornem totalmente dependentes do aplicativo, a implementação de funcionalidades que motivem os usuários a fazerem pausas no uso do app e o fornecimento de relatórios sobre o tempo de uso para aumentar a conscientização de uma possível dependência”, explica Leila.

O estudo também ressalta que um aplicativo por si só dificilmente pode ser rotulado como mau ou bom. Pelo contrário: é a parte humana dessa relação entre usuário e app que pode apresentar “falhas”.

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“Os aplicativos e tecnologias em si não são ruins para as pessoas. A maioria deles propõe facilitar demandas do dia a dia”, declara Pirozelli. “A maneira como utilizamos essas ferramentas é que precisa de atenção contínua, de forma que não nos tornemos altamente dependentes dessas soluções.”

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