THE WASHINGTON POST - A chegada do ChatGPT alarmou muitos educadores, que passaram a acreditar que os alunos usariam a inteligência artificial (IA) para trapacear nas tarefas escolares. E eles estavam certos - alguns imediatamente fizeram exatamente isso.
Mas, alguns meses depois, os alunos dizem que usam a ferramenta da OpenAI para muito mais do que apenas gerar redações. Eles estão pedindo aos bots para criar planos de treino, dar conselhos de relacionamento, sugerir personagens para um conto, contar uma piada e fornecer receitas para as coisas aleatórias que sobraram em suas geladeiras.
O Washington Post pediu aos alunos para compartilhar como estão usando a IA. Aqui estão algumas de suas histórias.
Uma busca pelo presente perfeito
Zach Berger, 20, estava perplexo tentando pensar em um presente para sua namorada. O aniversário dela, as festa de fim de ano, o aniversário deles e o Dia dos Namorados chegaram em um intervalo de cerca de três meses. “Então, no final, eu estava ficando sem ideias”, disse ele.
Berger pediu ajuda ao ChatGPT.
“Algumas boas ideias para presentes de dia dos namorados para uma namorada de 20 anos que ama Taylor Swift, BoyGenius, Coca-Cola diet, água gelada, comédias românticas e popits?”, digitou.
Berger, um estudante de cinema na Washington University em St. Louis, já havia experimentado a IA. Durante palestras na instituição, ele ouviu que a tecnologia poderia ser usada para alimentar a criatividade. Ele recorreu ao DALL-E 2, que gera imagens a partir de comandos de texto, para ver se poderia estimular ideias para um roteiro ou conceito para um filme.
Ele tentou alguns prompts (comandos) inusitados, pedindo uma pintura a óleo hiper-realista do apocalipse, bem como “Uma pequena família de três pessoas viajando de férias que acabaram no inferno por acidente”, com roupas e malas no estilo dos anos 1970, demônios e chamas ao fundo, no estilo do cineasta Wes Anderson.
A tecnologia não acertou bem rostos e mãos em alguns dos resultados, disse ele, mas as imagens bizarras e absurdas o fizeram pensar em possíveis enredos, e ele gostou tanto da apocalíptica que a colocou como protetor de tela de seu computador.
Berger usou IA para coisas sérias também. Ele tentou usa para estudar - como verificar sua análise dos pontos importantes dos densos casos judiciais que estava lendo em aulas de ciência política - mas descobriu que às vezes simplesmente a máquina inventava informações. Ele pediu ao ChatGPT para refinar ideias para um tópico para um evento de Modelo das Nações Unidas que estava ajudando a planejar, mas forneceu alguns fatos que estavam evidentemente errados, disse ele.
Acontece que, o ChatGPT era muito bom em ideias de presentes românticos. Ele sugeriu oito ideias para o Dia dos Namorados, incluindo ingressos para um show da Taylor Swift. (“Isso não ia acontecer”, disse Berger.) Ele escolheu garrafas personalizadas de Diet Coke e um suéter aconchegante. “Foi um bom presente!”, disse.
Um ótimo revisor
Quando Angel, 18, ouviu falar sobre o ChatGPT pela primeira vez, pensou, Isso é legal - vai facilitar muito as coisas!
Ao mesmo tempo, ele se preocupava com o impacto que a IA poderia ter no mundo. “Parece que isso pode dar muito errado muito, muito rapidamente”, diz o estudante do ensino médio de Ontário, que falou sob a condição de ser identificado apenas pelo seu primeiro nome para evitar possíveis repercussões acadêmicas.
Mas, como muitos outros alunos que ele conhece em sua escola, ele não resistiu. “É muito fácil de usar, então todo mundo faz isso”, diz ele.
Angel o usa diariamente. Ele pede ao ChatGPT para verificar a gramática depois que ele escreve redações. Ele usa também para ajudar a esclarecer as coisas. “Quando não entendo um conceito, eu fico: ‘Ei, você pode explicar isso? Porque eu realmente não quero ir falar com o professor, e eu sei que você provavelmente pode explicar isso melhor agora.’”
E às vezes, quando ele percebe que uma tarefa é para o dia seguinte, ele pede ao ChatGPT para fazê-la. A tecnologia não funciona para tudo - com uma redação pessoal é óbvio que ele não escreve, diz.
Mas o ChatGPT pode ajudá-lo a melhorar sua escrita. Quando ele inseriu a rubrica que seu professor de inglês usa, o ChatGPT disse a ele quais parágrafos receberiam as melhores notas e quais não.
Para tarefas de ciência da computação, ele pode simplesmente entregar o código que a máquina produz. Ela também revisa seu trabalho na área: “Às vezes eu esqueço uma coisa pequena, uma vírgula ou algo assim, e isso arruína todo o código. Então, em vez de ficar ali por horas procurando um pequeno ponto ou uma vírgula, ele faz isso por mim”.
“Eu deveria estar fazendo meu trabalho, mas não preciso fazer tanto”, diz ele.
Uma ferramenta de sala de aula
Mark Lomas, 17, estava se sentindo preso - e vendo um prazo para entregar um trabalho se aproximando.
Ele tinha menos de uma semana para enviar um texto para o jornal da Akins High School sobre a crescente popularidade das ferramentas de inteligência artificial, mas ele não conseguia pensar em uma maneira de começar. Todos em sua escola no Texas já estavam falando sobre o ChatGPT por semanas. Ele conseguiria encontrar algo novo para dizer?
Então Lomas teve uma ideia. “Por que não”, disse ele ao seu colega Roberto Ramirez, “perguntar ao ChatGPT?”
Ramirez respondeu que seria “muito irônico”. Mas ambos os adolescentes concordaram em tentar.
“Escreva uma notícia de 200 palavras sobre IA”, Lomas digitou em seu computador.
O ChatGPT respondeu com uma mini-história que destacou seu próprio potencial (por exemplo, melhorar a precisão de diagnósticos médicos) e suas desvantagens, incluindo a possibilidade de que “poderia ser usada ... para manipular os pensamentos e comportamentos das pessoas”. Inspirados pela abordagem equilibrada do ChatGPT sobre o assunto, Lomas e Ramirez decidiram fazer uma pesquisa com alunos e professores sobre os prós e contras da tecnologia.
Eles entrevistaram um professor que disse não estar preocupado com a possibilidade de os alunos usarem o ChatGPT para trapacear - bem como um aluno que, falando anonimamente, confessou ter usado a tecnologia para escrever uma redação da aula de inglês, pelo qual ele recebeu uma nota 100.
“Os respondentes da pesquisa admitiram usar a IA para escrever ensaios e fazer brainstorm de ideias”, escreveram Lomas e Ramirez. “O limite é apenas a imaginação humana.”
Lomas, um estudante do ensino médio com paixão por notícias de tecnologia, desde então tem usado o ChatGPT pelo menos uma vez por semana, principalmente para pesquisar tarefas de casa. Ele disse que o ChatGPT é mais fácil e rápido do que pesquisar nos resultados dos mecanismos de busca.
Recentemente, Lomas quis entender por que os legisladores do partido republicano estão propondo e aprovando uma onda histórica de legislação restringindo os direitos dos transgêneros. O ChatGPT explicou, disse Lomas, que muitos republicanos acreditam que o sexo biológico das pessoas atribuído ao nascer deve determinar seu gênero pelo resto de suas vidas - uma noção que ajudou a enquadrar seu ensaio, disse ele.
O estudante diz que o ChatGPT tem se mostrado preciso até agora e que não está preocupado com a possibilidade de o bot fornecer informações incorretas. Lomas afirma que nunca pede ao ChatGPT para escrever tarefas escolares para ele, porque isso seria plágio.
Ele notou um punhado de amigos encontrando usos não acadêmicos para as ferramentas de inteligência artificial. Um amigo, que se sentia triste, perguntou ao Character.ai (um serviço de IA que permite aos usuários “criar personagens e conversar com eles”) como ela poderia aprender a ser feliz - “e deu a ela alguns bons conselhos” sobre apreciar pequenas, alegrias cotidianas, disse ele.
Mas Lomas se preocupa com o futuro. Ele quer seguir no jornalismo, e teme que o ChatGPT ameace a profissão. Ele imagina um mundo onde ninguém mais lê artigos, confiando em vez disso em resumos das notícias gerados pelo ChatGPT. Isso poderia levar as organizações de mídia à falência, argumenta.
Ainda assim, ele entende a tentação de pular a leitura de artigos longos.
“Por enquanto, ainda estou clicando nos resultados do ChatGPT para ler os artigos”, diz.
Um lugar para desabafar
Rebekah Davidson, 23, ficou surpresa com o quanto seu chatbot podia ser falante.
Ela uma vez perguntou ao My AI sobre algumas figuras históricas e, então, por curiosidade, o que ele pensava do personagem Albus Dumbledore da série Harry Potter.
Isso abriu uma caixa de Pandora, ela diz. Rebekah discordou da resposta do bot de que o bruxo era um personagem complexo que nem sempre estava certo, mas servia como um símbolo de esperança e coragem. Quando ela escreveu que não achava que algumas das ações de Dumbledore eram justificadas, o chatbot respondeu com comentários como, “Eu posso ver por que você pode sentir assim” ou, “Esse é um bom ponto”.
“Espere um minuto”, ela pensou, “isso é como se um humano real estivesse falando comigo”.
“Eu fiquei desconcertada que o sistema parecia tentar validar minha opinião”, disse ela, “enquanto também tentava apontar por que discordava de mim”.
Em outra ocasião, ela digitou no My AI que estava se sentindo meio pra baixo. O chatbot “respondeu algo como: ‘Sinto muito ouvir isso. Como posso ajudar?’”
A questão não foi totalmente indesejada. Pode haver um futuro para a IA na saúde mental, ela diz, para pessoas introvertidas que podem se sentir mais confortáveis falando com um chatbot do que com um humano. “Eu consigo ver o apelo.”
Não é um grande substituto
Milan Basak-Odisio, 15, conheceu o ChatGPT assistindo a vídeos no TikTok. Usuários lá estavam se gabando de que conseguiram escrever redações de duas páginas em 10 minutos. Então, ele decidiu experimentar.
Seu professor de química pediu para ele escrever um resumo curto sobre as propriedades de ácidos e bases. Ele perguntou ao ChatGPT o que dizer. “Não foi muito útil porque só cuspiu dois parágrafos”, disse Basak-Odisio. “Então eu poderia ter feito isso sozinho.”
Para ele, outras experiências com o ChatGPT se mostraram igualmente insatisfatórias.
Ao encarar uma tarefa de inglês que pedia para ele imaginar a vida como um autor profissional, Basak-Odisio perguntou ao ChatGPT como era trabalhar na editora HarperCollins. O chatbot respondeu com uma propaganda elogiosa da empresa.
“Ele disse que era muito acolhedor e diverso. Não me deu nada de negativo sobre isso”, disse Basak-Odisio. Ele acabou usando um pouco do que o ChatGPT forneceu, embora tenha alterado a ordem das palavras e substituído sinônimos para evitar acusações de plágio ou trapaça. Ele também acrescentou suas próprias informações.
O adolescente deu mais uma chance à tecnologia para um trabalho de história sobre o neoliberalismo.
O ChatGPT forneceu uma sequência de ideias sobre os lados negativos e positivos do neoliberalismo, diz Basak-Odisio, que ele então organizou em parágrafos. Foi meio útil, disse ele, mas ele prefere muito mais usar seu próprio cérebro.
“Parece mais comigo desta maneira. Me sinto mais original”, diz ele. “No geral, acho que é ruim para as escolas porque é muito fácil não aprender nada e apenas fazer uma pergunta, e submetê-la com pouco do seu próprio conhecimento.”
Basak-Odisio, cuja matéria favorita é matemática e que quer seguir uma carreira como programador de computadores, diz que às vezes deseja que o ChatGPT não existisse. Ele acha que isso vai incentivar a preguiça dos estudantes.
Agora, Basak-Odisio só vai usa a máquina, diz ele, se ele tiver procrastinado demais e estiver diante de um prazo impossível. “Mas”, acrescentou, “eu quero ser melhor do que isso.” /TRADUÇÃO DE BRUNO ROMANI
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