Connor Robinson, 17 anos, britânico, estrela do TikTok com barriga de tanquinho e bochechas rosadas, conquistou um grande número de seguidores deixando os fãs com água na boca. Entre a dose diária de dancinhas sem camisa e piadas sobre seu cabelo desgrenhado, Robinson posta alguns vídeos sexualmente sugestivos que, nas suas palavras, “quebram umas barreiras”.
Num vídeo de oito segundos, com uma canção de hip-hop do The Weeknd ao fundo, ele e um colega adolescente, Elijah Finney – que se autodenomina Elijah Elliot – aparecem num quarto de hotel em Londres e parecem prestes a se lançar a uma sessão de amassos apaixonados. O vídeo termina quando Robinson é empurrado contra a parede.
Mas, por mais atrevido que seja o vídeo, os fãs não têm a ilusão de que os dois estejam vivendo os arrepios do amor gay. Robinson e Finney dizem que são heterossexuais, mas, como descobriram alguns influencers do TikTok, a ação homem-a-homem é uma maneira infalível de gerar tráfego. Postado em fevereiro, o vídeo teve mais de 2,2 milhões de visualizações e 31 mil comentários (com muitos emojis de fogo e coração).
“Geralmente, eu faço vídeos de dança engraçados e coisas do tipo, mas parece que as coisas mudaram agora”, disse Robinson de seu quarto em Cumbria, Inglaterra, que é pintado de verde floresta para se destacar no TikTok. Ele calcula que 90% de seus quase 1 milhão de seguidores sejam do sexo feminino. “As garotas se sentem atraídas quando dois tiktokers gatos com muitos seguidores mostram o lado sexual um do outro”, disse ele.
Seguidores gays e bi-curiosos do sexo masculino também são bem-vindos. “Se assistir aos meus vídeos deixa você feliz e outras coisas, beleza”, acrescentou.
Como bem sabem os seguidores das jovens estrelas masculinas do TikTok, o vídeo de sedução de Robinson no hotel vem se tornando um clichê contemporâneo. A plataforma de mídia social voltada para os jovens está repleta de vídeos que mostram rapazes aparentemente heterossexuais dormindo de conchinha, atravessando a rua de mãos dadas, compartilhando a cama, chegando perto para dar um beijo, admirando os físicos esculpidos uns dos outros e se envolvendo em inúmeras outras situações homoeróticas, com o objetivo de fazer graça e, em última análise, gerar visualizações.
A tática de se fazer passar por gay para caçar cliques não se limita aos pequenos criadores de TikTok que tentam aumentar seu público. Basta olhar para os baladeiros da Sway House, que ganharam as manchetes nacionais por darem festas lotadas e barulhentas em sua propriedade de 720 metros quadrados em Bel Air, violando as diretrizes do coronavírus em Los Angeles.
Ao percorrer os feeds de TikTok dos rapazes malhados do grupo, você começa a ter a sensação de que está testemunhando o que aconteceria se os meninos que apareciam nas capas da Tiger Beat passassem um verão desinibido em Fire Island Pines. É uma enxurrada de treinos suados e seminus, piadas sobre pênis, beijos de brincadeirinha e troca de pirulitos.
Josh Richards, 18 anos, uma das estrelas do grupo, já postou vídeos de si mesmo deixando a toalha cair na frente de seus “amigos” Jaden Hossler e Bryce Hall; fingindo beijar outro amigo, Anthony Reeves; e dando um selinho na testa de seu colega de quarto, Griffin Johnson, para a diversão de seus 22 milhões de seguidores.
Os vídeos certamente não prejudicaram sua marca. Em maio, Richards anunciou que estava deixando o Sway Boys e entrando num dos aplicativos rivais do TikTok, o Triller. Ele também apresenta dois novos podcasts muito populares e é o primeiro artista a assinar com a TalentX Records, gravadora formada pela Warner Records e pela TalentX Entertainment, uma agência de redes social.
“Esses meninos parecem um sinal dos tempos”, disse Mel Ottenberg, diretor de criação da revista Interview, que trouxe alguns dos Sway Boys em roupas íntimas na edição de setembro. “Não parecem ter medo tipo, ‘se eu ficar muito perto do meu amigo nesta foto, as pessoas vão achar que eu sou gay’. Eles são muito jovens e gostosos para se preocuparem com essas coisas”.
A diversão de ser “gay”
Uma década atrás, o contato íntimo entre dois jovens rapazes podia significar suicídio social. Mas, para os membros da Geração Z, que cresceram numa época em que o casamento entre pessoas do mesmo sexo nunca foi ilegal, ser chamado de “gay” não é mais o insulto que parecia ser tempos atrás.
Os jovens no TikTok se sentem livres para expandir o comportamento homossocial “porque surgiram numa era de declínio da homofobia cultural, mesmo que não a reconheçam como tal”, disse Eric Anderson, professor de estudos sobre masculinidade na Universidade de Winchester, na Inglaterra. Ao abraçar um lado “mais suave” da masculinidade, eles estão se rebelando contra o que Anderson chamou de “modelo antigay e antifeminino atribuído às culturas jovens das gerações anteriores”.
Mark McCormack, sociólogo da Universidade de Roehampton, de Londres, que estuda o comportamento sexual de homens jovens, acha que o declínio da homofobia é apenas um dos aspectos. Ele acredita que muitos desses influenciadores de TikTok não estão se divertindo às custas de uma identidade queer. Em vez disso, estão parodiando a noção de que “alguém ficaria desconfortável ao vê-los brincando com a ideia de ser gay”.
Em outras palavras, fingir ser gay é uma forma de rebelião e inconformismo adolescente, uma maneira de esses jovens heterossexuais manifestarem como sua geração é diferente da de seus pais, ou mesmo da geração dos millenials. Foster Van Lear, 16 anos, estudante de ensino médio de Atlanta com 500 mil seguidores, disse que os vídeos que o mostram beijando um cara na bochecha ou confessando sentimentos por seu “bróder” o fazem parecer legal e conectado.
“Na nova geração todo mundo é fluído, então os homens ficaram menos hesitantes em relação a essas coisas físicas, a mostrar emoções”, disse ele. “Seria ridículo achar que tem alguma coisa errada nisso”.
Conheça os ‘homiesexuals’
Mas não há confusão nenhuma entre a maioria dos fãs adolescentes que parecem não se cansar desses vídeos gays postados para gerar visualizações. Sempre que Robinson posta vídeos de si mesmo fazendo exercícios físicos com outro amigo, ele é inundado com comentários febris como “só eu achei isso um baita tesão?”, “meu celular até caiu aqui”, “tipo, eu nem consigo parar de ver”.
Ercan Boyraz, chefe de gerenciamento de influenciadores da Yoke Network, uma agência de marketing de mídia social de Londres, disse que a grande maioria dos comentaristas é formada por garotas. E, ao invés de se sentirem ameaçadas ou confusas com caras que ficam brincando com outros caras, elas acham tudo muito sexy. “Caras hétero sempre se sentiram atraídos por garotas flertando umas com as outras”, disse Boyraz, que já trabalhou com Robinson. “As meninas estão só pegando a mesma ideia e invertendo as posições”.
Chamemos de oportunidades iguais de objetificação. Enquanto isso, os fãs heterossexuais acham que estão vendo uma piada. E, embora não necessariamente sintam algum estímulo com esses vídeos, querem emular o tipo de amizade masculina desencanada que esses vídeos de TikTok retratam.
“Mostrar emoções com outro cara, especialmente sob a forma de piada, bota um sorriso no rosto das pessoas, uma gargalhada”, disse Foster Van Lear, que seguiu o exemplo de criadores de TikTok extremamente populares, como os caras da Sway House. Além disso, acrescentou ele, “aumenta as chances de maior engajamento do público”.
Existe até um termo para descrever homens heterossexuais que vão além do bromance e exibem sinais não sexuais de afeição física: homiesexual (algo como “amigo sexual”, em tradução literal). Uma pesquisa pela hashtag homiesexual traz mais de 40 milhões de resultados no TikTok. Existem também memes, compilações do YouTube e moletons com frases como: “Não é gay. É homiesexual”.
Queerbaiting ou clickbait - isca de cliques ou de LGBT?
Ainda assim, vídeos de homens heterossexuais pulando no colo uns dos outros ou admirando o traseiro uns dos outros só para gerar visualizações no TikTok podem parecer ofensivos, especialmente para espectadores gays.
Colton Haynes, 32 anos, ator assumidamente gay de Teen Wolf, foi ao TikTok em março para denunciar a tendência. “Para todos os caras heterossexuais que continuam aí postando esses vídeos e rindo e fazendo piada: ser gay não é piada”, disse ele. “Piada é você achar que teria seguidores ou likes sem a gente”. “Então parem de ser homofóbicos”, acrescentou ele, com um palavrão.
Mas alguns fãs gays veem a tendência como um progresso. Steven Dam, 40 anos, analista de mídia social da Art and Commerce, uma agência de talentos de Nova York, disse que, no começo, achou que esses vídeos eram homofóbicos. Mas, quanto mais seu feed de TikTok se enchia de jovens se chamando de “lindos”, disse ele, mais começou a reconhecer que havia “um novo tipo de definição de heterossexualidade para homens mais jovens”.
A popularidade desses vídeos melosos, disse ele, é “tem menos a ver com homossexualidade” e mais a ver com uma “mudança de paradigma para uma forma de masculinidade em evolução, que não tem mais vergonha de demonstrar afeto”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
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