Mais de 60 entidades, centros de pesquisas universitários e coletivos ao redor do mundo assinaram nesta quarta-feira, 8, uma carta aberta contra o fim da checagem de fatos nas plataformas da Meta. O pacote de mudanças foi anunciado pelo CEO, Mark Zuckerberg, em um vídeo em seu Instagram. No documento, os pesquisadores reforçam a necessidade de regulação nas redes sociais que “priorize os direitos humanos e a segurança digital”.
Na carta, os intelectuais afirmam que as mudanças propostas por Zuckerberg colocam em riscos grupos vulnerabilizados e, além disso, representam um retrocesso de anos de esforços globais para promover um ambiente digital mais democrático.
“Nós, os signatários, manifestamos nosso mais veemente repúdio ao recente pronunciamento de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, no qual ele anuncia medidas que representam um grave retrocesso na já problemática moderação de conteúdo nas plataformas Facebook, Instagram e Threads. Sob o pretexto de ‘restaurar a liberdade de expressão’, as propostas delineadas não apenas colocam em risco grupos vulnerabilizados que usam esses serviços, mas também enfraquecem anos de esforços globais para promover um espaço digital um pouco mais seguro, inclusivo e democrático”.
Além disso, os participantes da carta também criticaram a decisão de Zuckerberg de sugerir mais conteúdos políticos para os usuários e consideram que a medida “amplia as bolhas políticas”.
“Estudos já mostraram como efeitos bolha potencializam a construção e reprodução de visões baseadas em desinformação, discurso de ódio e conteúdo prejudicial que limitam o debate democrático e a construção de sociedades mais justas”.
Nesse sentido, também criticaram o posicionamento de Mark Zuckerberg de “trabalhar com o novo governo dos Estados Unidos”. As novidades das redes sociais são positivas para os apoiadores de Donald Trump e o presidente eleito afirmou que suas ameças à Meta, no ano passado, “provavelmente” influenciaram as decisões do CEO.
“A Meta poderia promover a liberdade de expressão por meio de medidas de transparência e accountability, no entanto, opta por “simplificar” as medidas de moderação de conteúdo alinhado ao discurso propagado pelo recém-eleito governo de Trump”.
Por fim, os participantes da carta finalizaram exigindo que as medidas sejam revistas e, também, pediram apoio de governos e organizações para a garantia dos direitos digitais ao redor do mundo.
“Exigimos que as plataformas lideradas por Mark Zuckerberg revejam essas medidas e assumam sua responsabilidade no combate ao discurso de ódio, à desinformação e à exploração online. Também conclamamos governos e organizações ao redor do mundo a intensificar os esforços para criar um arcabouço regulatório global que proteja os direitos digitais e garanta que o espaço digital seja um ambiente seguro, justo e democrático para todos”.
Quem são os principais participantes da carta?
Entre os 60 signatários, destacam-se o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) - que atua na ética entre os fornecedores e os consumidores -; o Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília; a Iniciativa Educação Aberta da Universidade de Brasília; o grupo Repórteres Sem Fronteiras (RSF) - organização que tem como objetivo garantir a liberdade de informação e de imprensa -; e o Laboratório de Cultura Digital da Universidade do Paraná.
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Leia abaixo a íntegra da carta aberta e todos os seus signatários
Contra o Retrocesso na Moderação de Conteúdo da Meta e os Ataques à Regulação Democrática do Espaço Digital
Nós, os signatários, manifestamos nosso mais veemente repúdio ao recente pronunciamento de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, no qual ele anuncia medidas que representam um grave retrocesso na já problemática moderação de conteúdo nas plataformas Facebook, Instagram e Threads. Sob o pretexto de “restaurar a liberdade de expressão”, as propostas delineadas não apenas colocam em risco grupos vulnerabilizados que usam esses serviços, mas também enfraquecem anos de esforços globais para promover um espaço digital um pouco mais seguro, inclusivo e democrático.
Zuckerberg propõe substituir checadores de fatos por um sistema de “notas comunitárias” (seguindo o modelo problemático do X) e pretende reduzir drasticamente filtros de moderação, priorizando apenas violações “graves” (sobre terrorismo, exploração sexual infantil, drogas e fraudes). Ou seja, a empresa sinaliza que não terá mais ações de moderação de conteúdos contra desinformação, discurso de ódio e outras políticas de proteção a favor das pessoas mais vulnerabilizadas. O CEO da Meta explicitamente admite aceitar os riscos de que essas novas políticas possam filtrar menos conteúdos nocivos do que as anteriores.
Atualmente, já é notável ao redor do mundo serem falhas as Políticas de Moderação de conteúdo das redes da Meta, dando margem à práticas de violência de gênero, afetando a proteção de crianças e adolescentes, crescimento de grupos que propagam discurso de ódio e desinformação, além de outras violações de direitos humanos. As novas medidas propostas pioram a situação ao negligenciar os impactos reais dessas práticas de violência online, além de abrir caminho para a proliferação de conteúdos prejudiciais que desestabilizam sociedades e minam processos democráticos.
Outra mudança anunciada foi a adoção de uma abordagem caracterizada como “mais personalizada” para conteúdos políticos, ampliando a recomendação dessas mensagens. Em que pese a ausência de clareza sobre a medida, ela sinaliza a ampliação das “bolhas”, em detrimento do debate democrático aberto sobre temas de relevância pública. Estudos já mostraram como efeitos bolha potencializam a construção e reprodução de visões baseadas em desinformação, discurso de ódio e conteúdo prejudicial que limitam o debate democrático e a construção de sociedades mais justas.
O discurso da Meta se alinha com uma retórica preocupante que afronta iniciativas regulatórias legítimas e necessárias de governos e da sociedade civil em diversas partes do mundo, incluindo a América Latina, generalizando essas ações como “censura” ou “ataques a empresas estadunidenses”. Ao fazer isso, a Meta ataca de forma aberta os esforços soberanos e democráticos de nações em proteger suas populações contra os danos provocados pelas Big Techs. Com isso, prioriza, mais uma vez, os interesses estadunidenses e os lucros de sua corporação em detrimento da construção de ambientes digitais que prezam pela segurança de seus consumidores.
A proposta de “trabalhar com o presidente Trump para combater regulações ao redor do mundo” explicita uma posição alinhada a interesses que beneficiam as plataformas digitais por serem contrárias ao progresso regulatório que visa proteger direitos humanos fundamentais ao responsabilizá-las pelas externalidades negativas de seus modelos de negócios. Ou seja, ao contrário da proposta de “reduzir a tendência ao viés” (da moderação de conteúdo), essa política por si só é enviesada para uma ideologia contrária a direitos fundamentais. A Meta poderia promover a liberdade de expressão por meio de medidas de transparência e accountability, no entanto, opta por “simplificar” as medidas de moderação de conteúdo alinhado ao discurso propagado pelo recém-eleito governo de Trump.
O anúncio de Zuckerberg é emblemático de um problema estrutural: a concentração de poder nas mãos de corporações que atuam como árbitros do espaço público digital, enquanto ignoram as consequências de suas decisões para bilhões de usuários. Esse retrocesso não pode ser visto como um mero ajuste de políticas corporativas, mas como um ataque frontal desse monopólio de plataformas digitais às conquistas de uma internet mais segura e democrática.
Reafirmamos que a liberdade de expressão não pode ser usada como escudo para legitimar práticas que promovam violência, desigualdade e desinformação. O recente pronunciamento do CEO da Meta demonstra como a autorregulação das grandes plataformas digitais tem se mostrado insuficiente, sujeitando a adoção, atualização ou suspensão de qualquer política ao arbítrio unilateral das empresas. Cabe aos Estados e à sociedade civil fortalecer mecanismos regulatórios públicos e sociais que coloquem as pessoas e os direitos humanos acima dos lucros.
Exigimos que as plataformas lideradas por Mark Zuckerberg revejam essas medidas e assumam sua responsabilidade no combate ao discurso de ódio, à desinformação e à exploração online. Também conclamamos governos e organizações ao redor do mundo a intensificar os esforços para criar um arcabouço regulatório global que proteja os direitos digitais e garanta que o espaço digital seja um ambiente seguro, justo e democrático para todos.
Este é um momento crucial. O futuro do espaço digital depende de nossa capacidade coletiva de resistir a retrocessos e avançar em direção a uma governança digital centrada nas pessoas e no planeta.
SIGNATÁRIOS
Idec – Instituto de Defesa de Consumidores
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Laboratório de Políticas de Comunicação – UnB
DiraCom – Direito à Comunicação e Democracia
Coding Rights
TEDIC
Fundación Taiguey – República Dominicana
Laboratório de Políticas Públicas e Internet – LAPIN
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Cooperativa Tierra Común – México
Rede Nacional de Combate à Desinformação – RNCD Brasil
Repórteres Sem Fronteiras (RSF)
Sleeping Giants Brasil
Instituto Telecom
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase
Fundación Internet Bolivia.org
Instituto Panamericano de Derecho y Tecnología – IPANDETEC
Hiperderecho
Fundación Huaira – Equador
FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
InfoCria
Laboratório de Cultura Digital – UFPR
Coletivo Soylocoporti
Instituto Brasileiro de Políticas Digitais – Mutirão
Movimento FeliciLab
Laboratório do Futuro – UFC
Fórum para Tecnologia Estratégica dos BRICS+
Teia de Criadores
Aqualtune Lab
Usuarios Digitales
Coletivo Digital
ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais
Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil
IBIDem – Instituto Beta para a Internet & a Democracia
AMC – Associação Mulheres na Comunicação
Iniciativa Educação Aberta – UnB
Compolítica – Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
CCDC – Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da Universidade Federal da Bahia
CEPAD – Centro de Estudos e Pesquisa em Análise do Discurso – UFBA
Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania – CESeC
Ciranda Comunicação / Associação Internacional de Comunicação Compartilhada (Compas)
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial
The Tor Project
Digital Action
Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife – IP.rec
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH Brasil
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direitos Humanos – UFG
Código Não Binário – Nós mudamos o cis-tema
Núcleo Digital – Tecnologias Democráticas
Associação Cultural Alquimídia
Lavits – Rede Latino-americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade
Núcleo de Pesquisa em Didática da História e Interculturalidade Crítica (NUPEDHIC) – Brasil
Jararaca: Laboratório de Tecnopolíticas Urbanas – PUCPR
OBSERVACOM (Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia)
Instituto Alana
Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação
Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
ADUR/RJ – Associação Docente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
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Fundación Karisma
Aláfia Lab
GEPEADS/UFRRJ – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental, Diversidade e Sustentabilidade
Open Knowledge Brasil
TechMOV (Coletivo de Tecnologia ligado ao Movimento Internacional de Juventudes)
ABJD – Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia
CUT – Central Única dos Trabalhadores
Movimento Desconecta
*Mariana Cury é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani
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