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Resenhas falsas estão em alta na internet e pará-las será uma missão difícil

Onda de regulamentações e ações do setor colocou em alerta negócio de avaliações falsas, mas especialistas dizem que o problema pode ser intransponível

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Por Stuart A. Thompson

THE NEW YORK TIMES - Depois que médico Mark J. Mohrmann concluiu um procedimento ortopédico bem-sucedido em 2019, seu paciente recorreu ao Yelp, site de avaliações, para compartilhar sua satisfação com o resultado.

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“O doutor Mark me fez sentir que eu estava em boas mãos”, escreveu o paciente em uma avaliação cinco estrelas.

Só que o autor não era um paciente real e não houve nenhum procedimento. Sua avaliação era falsa - parte de um esforço para aumentar as classificações online da empresa de Mohrmann usando avaliações positivas falsas, de acordo com uma análise do Fake Review Watch, site de verificação de avaliações. No mês passado, Mohrmann concordou em pagar uma multa de US$ 100 mil para fazer um acordo com o procurador-geral de Nova York, EUA, sobre acusações de enganar o público com avaliações falsas.

A avaliação falsa de Mohrmann é apenas um exemplo do setor de avaliações falsas que movimenta bilhões de dólares, no qual pessoas e empresas pagam a profissionais de marketing para publicar avaliações positivas falsas no Google Maps, Amazon, Yelp e outras plataformas, enganando milhões de clientes todos os anos.

Avaliações falsas em sites de review vem se mostrado cada vez mais frequentes Foto: Christina Lee/The New York Times

As avaliações falsas são tão antigas quanto a própria internet e são ilegais e proibidas pelas plataformas online. Mas, mesmo assim, as empresas de avaliações falsas continuaram a florescer.

Agora, pela primeira vez, uma onda de regulamentações e medidas tomadas por empresas de tecnologia estão se unindo em um esforço mais concentrado para mudar a maré.

Neste verão, a Federal Trade Commission, órgão regulador do comércio nos EUA, propôs uma regra abrangente que puniria as empresas que comprassem ou vendessem avaliações falsas, entre outras restrições. Em outubro, várias plataformas online, incluindo a Amazon e a Expedia, anunciaram uma coalizão que compartilharia informações e recursos entre as empresas para combater a fraude de avaliações. E no final do mês passado, a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, emitiu seu próprio aviso em todo o Estado, dizendo em um comunicado que as avaliações falsas eram “ilegais e inaceitáveis”.

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Os especialistas alertaram, no entanto, que o problema das avaliações falsas pode ser tão grande que se torna intransponível, e observam que os avaliadores falsos sobreviveram a repressões anteriores.

Jason Brown, fundador da Review Fraud, um site de defesa do consumidor que expôs empresas que usam avaliações falsas, disse que as plataformas não fizeram o suficiente para gerenciar o problema, mas reconheceu que a preocupação dos órgãos reguladores e das empresas estava aumentando.

“Todos estão sentindo o calor e a pressão”, disse ele. “O tempo dirá.”

Quase todas as avaliações falsas são endossos positivos, como avaliações de quatro e cinco estrelas, que as próprias empresas escrevem ou são criadas por profissionais de marketing digital, cujos serviços podem ser comprados online por apenas alguns dólares por avaliação. Muitos profissionais de marketing enganosos estão sediados no exterior, o que limita o poder do F.T.C. de fiscalizar o problema. E as ferramentas de inteligência artificial (IA), como o ChatGPT, ameaçam sobrecarregar o setor, facilitando a elaboração de avaliações falsas, alertou a agência.

As avaliações falsas são tão difundidas que quase todo comprador online provavelmente já se deparou com uma. A Amazon disse que bloqueou mais de 200 milhões de avaliações suspeitas de serem falsas no ano passado, e o Google disse que removeu 115 milhões de avaliações que violavam as regras do Maps em 2022 - um aumento de 20% em relação ao ano anterior.

Em sua proposta de regra, o F.T.C. não chegou a emitir novas regras contra os gigantes da tecnologia, apontando para uma lei federal que protege as empresas de responsabilidade sobre o conteúdo publicado em suas plataformas. Em vez disso, a agência se concentrou em investigar e punir empresas que compram ou vendem avaliações online, em alguns casos emitindo multas de US$ 50 mil ou mais.

Site da Amazon foi um dos alvos de milhares de avaliações falsas de produtos Foto: Rick Wilking/Reuters

“A regra não se aplicará aos arquitetos de todo esse sistema corrupto: as plataformas de avaliação e as empresas de tecnologia que lucram com as avaliações online, sejam elas verdadeiras ou falsas”, disse Kay Dean, ex-investigadora criminal federal que dirige o Fake Review Watch.

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Kay Dean iniciou seu trabalho depois que as avaliações falsas online a levaram a uma clínica psiquiátrica. Em seu canal no YouTube, ela documenta cuidadosamente centenas de empresas que usam avaliações falsas ou suspeitas, de empresas de mudanças a consultórios médicos.

Suas investigações geralmente dependem da identificação de avaliadores que classificam empresas não conectadas em todo o país - um sinal claro de fraude. Ela descobriu que 19 dos supostos pacientes de. Mohrmann também haviam deixado comentários elogiosos no Google Maps sobre a mesma empresa de mudanças em Las Vegas, EUA, e outros 18 aparentemente usaram o mesmo serralheiro no Texas.

Em uma declaração enviada por e-mail por meio de seu advogado, Mohrmann disse que “os profissionais de saúde se concentram no atendimento ao paciente e, às vezes, não sabem quais ações são tomadas por empresas contratadas para gerenciar a reputação online ou a otimização de mecanismos de busca”. O escritório do procurador-geral de Nova York disse que Mohrmann “pediu a amigos, familiares e funcionários que deixassem avaliações positivas, com cinco estrelas” e que sua esposa havia escrito algumas das avaliações.

Observadores de avaliações, como Dean, culparam o Google e outras grandes plataformas pelo surgimento do problema. Esses sites tendem a depender dos clientes para auto-policiar as avaliações falsas e geralmente não divulgam quando uma empresa se envolveu em um comportamento suspeito, permitindo que os fraudadores continuem publicando avaliações fraudulentas depois que as antigas são removidas.

A Transparency Company, um órgão de vigilância do setor que desenvolve software para analisar e detectar avaliações falsas, identificou mais de 100 mil empresas que usam avaliações falsas e suspeitas para melhorar sua imagem digital, muitas vezes de forma invisível para um cliente desavisado.

“Um dos motivos pelos quais optei por detectar avaliações falsas do Google em comparação com a Amazon e outras empresas é o dano causado aos consumidores”, disse Curtis Boyd, fundador da Transparency Company. “Uma faca de cozinha ruim de US$ 10 ou um fone de ouvido Bluetooth barato não vai arruinar uma casa. Escolher o médico, advogado ou empreiteiro errado pode arruinar sua vida.”

Uma análise da Transparency Company descobriu que metade das avaliações no perfil de. Mohrmann no Google Maps é “altamente suspeita”, com muitas contas conectadas à Índia, Vietnã e Grã-Bretanha. O Dr. Mohrmann mantém uma classificação de 4,5 no Google Maps, em comparação com apenas 2,5 estrelas no Yelp (a última avaliação do Google identificada como suspeita foi publicada há um ano).

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O advogado de Mohrmann disse que eles estavam “trabalhando em estreita colaboração com o escritório do procurador-geral de Nova York e outros para eliminar avaliações não autênticas”.

O Google Maps surgiu como uma das maiores plataformas de avaliação em todo o mundo. A empresa entrou com seu próprio processo em junho contra outra pessoa que publicou mais de 14 mil avaliações falsas, de acordo com os registros do tribunal.

“Quando encontramos pessoas mal-intencionadas tentando enganar as pessoas, tomamos medidas rápidas que vão desde a remoção do conteúdo até a suspensão da conta e até mesmo o litígio”, disse Ian Leader, diretor de gerenciamento de produtos do Google Maps, em uma declaração enviada por e-mail.

Quando encontramos pessoas mal-intencionadas tentando enganar as pessoas, tomamos medidas rápidas que vão desde a remoção do conteúdo até a suspensão da conta e até mesmo o litígio

Ian Leader, diretor de gerenciamento de produtos do Google Maps

A Amazon pareceu se antecipar às novas regulamentações do F.T.C. em junho, anunciando um plano para impedir avaliações falsas. Em uma postagem no blog, a empresa reconheceu que “surgiu um setor ilícito de ‘corretores de avaliações falsas’”, prometendo repressão. A empresa adicionou mais fundos para investigar esquemas de avaliações falsas e disse que trocaria informações com empresas rivais.

Em outubro, a Amazon se uniu a outros grandes portais de avaliações, como o Expedia, para formar a Coalition for Trusted Reviews (Coalizão para Avaliações Confiáveis), uma colaboração destinada a criar padrões compartilhados para o policiamento de avaliações e permitir que as empresas troquem informações sobre como os agentes fraudulentos operam. Mas a coalizão ainda não descreveu como atingiria esses objetivos ou quanto tempo e dinheiro seriam necessários.

“Isso exigiria centenas de horas das equipes de produtos de todas as grandes marcas e muitos recursos”, disse Boyd. “É por isso que estou cético”.

A Amazon também transferiu a culpa para os reguladores, escrevendo que o problema “requer órgãos governamentais que tenham a autoridade de aplicação apropriada e financiamento para perseguir esses corretores de avaliações falsas”.

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Em um comunicado, uma porta-voz da Amazon disse que, mesmo quando a empresa lutava contra as avaliações falsas, as “táticas dos corretores de avaliações falsas também evoluíram” para evitar a detecção, mas que a empresa “suspenderia, baniria e tomaria medidas legais” contra aqueles que violassem suas políticas.

Especialistas que estudam o negócio de avaliações falsas afirmam que as coalizões do setor geralmente são uma tentativa de evitar regulamentações mais rigorosas por parte dos legisladores. A União Europeia agiu mais rapidamente para responsabilizar as empresas pelo conteúdo publicado em suas plataformas, aprovando no ano passado a Lei de Serviços Digitais, que pode responsabilizar legalmente as empresas por conteúdo fraudulento.

“Essa poderia ser uma coalizão incrível que teria um impacto real no mercado? Sim”, disse Boyd. Poderia ser um discurso da boca para fora sobre “como somos ótimos”? Sim, pode ser. Normalmente é.”

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