A sua próxima peça de roupa poderá existir apenas em fotos nas redes sociais. Com o avanço das discussões sobre a sustentabilidade na moda e o conceito de metaverso (que combina ambientes reais e virtuais), as marcas apostam em peças desenhadas em 3D que só podem ser “vestidas” virtualmente.
O conceito é parecido com as “skins” de jogos (roupas feitas para personagens de games) e de influenciadores digitais, como a Lu do Magalu. Mas a ideia vai além: as peças digitais são criações sob medida para serem exibidas em fotos em redes sociais, como se fossem os filtros de maquiagem do Instagram e do TikTok. Porém, elas são comercializadas como roupas do mundo real — podem ser até mais caras.
A primeira venda de uma peça de roupa digital aconteceu em 2019: um vestido translúcido, batizado de Iridescent, foi arrematado por US$ 9,5 mil em um leilão de um evento de criptomoedas. Para vestir o item, um time de alfaiates digitais ajustou a peça no corpo do comprador. Tudo por uma fotografia, claro.
Por trás desse vestido, além da startup Dapper Labs, que realiza projetos com a liga de basquete dos EUA (NBA), e da artista Johanna Jaskowska, responsável por alguns dos filtros mais populares do Instagram, está o estúdio holandês de moda digital The Fabricant, que tem a brasileira Adriana Hoppenbrouwer entre os cofundadores. “Nossa missão é liderar a indústria da moda em direção a um setor de vestuário digital que seja mais sustentável, criativo e igualitário”, diz ela ao Estadão.
Fundado em 2018, o The Fabricant já colaborou com empresas como Puma, Adidas e Under Armour para criar versões digitais dos artigos das marcas, além de vender itens próprios em plataformas especializadas, como o Dress-X. Em 2021, o estúdio também lançou um NFT em parceria com a cantora Pabllo Vittar.
Nos meses seguintes ao vestido do The Fabricant, outros experimentos surgiram. A loja de departamento dinamarquesa Carlings lançou uma coleção de camisetas cujas estampas eram adicionadas por meio de um filtro do Instagram, e uma linha de peças digitais vestidas somente em fotos. Mas foi a pandemia que acelerou esse processo, com a adoção da moda digital por grandes marcas.
Em 2021, a Gucci lançou um tênis virtual que custava US$ 12 e era “calçável” por um filtro. Já a Nike, maior marca esportiva do mundo, adquiriu o estúdio RTFKT, com o objetivo de lançar calçados inteiramente digitais — a primeira coleção dos Cryptokicks foi anunciada em 22 de abril. Outras marcas como Louis Vuitton, Balenciaga e Moschino apostaram nos games e no metaverso como espaço para testar o design digital e atrair as gerações mais novas.
“As grandes marcas estão recriando suas identidades e valores dentro de plataformas que iniciam novas formas de relacionamento com suas comunidades. Nesse movimento de imersão, é fundamental que essas marcas se aproximem de criadores capazes de materializar suas ideias em ambientes 3D”, diz Olivia Merquior, fundadora da BRIFW, semana de moda imersiva que já teve duas edições e foi uma das pioneiras no segmento.
Outro argumento dos criadores a favor de peças que não existem de forma física é simples: em um mundo dominado pelo fast fashion cada vez mais acelerado, a necessidade de novidades poderia ser suprida por itens virtuais, reduzindo o acúmulo de peças nos lixões.
Luz na passarela
Com a aceleração do setor “têxtil virtual”, os desfiles também foram digitalizados, com as apresentações sendo levadas para vídeos ou ambientes imersivos - como a BRIFW. Embora as semanas de moda já tenham voltado ao presencial, mais de 100 mil pessoas participaram da primeira edição da Metaverse Fashion Week, no fim de março.
Realizada na plataforma Decentraland, foi possível descobrir as criações virtuais de Donna Karan, Dolce & Gabbana e Tommy Hilfiger, comercializadas na forma de NFTs exclusivos ou em versões digitais de peças de coleções anteriores.
“Mais de 100 marcas entraram em contato para participar”, conta a organizadora do evento, a brasileira Giovanna Graziosi Casimiro, ressaltando que algumas delas vão manter sua presença no espaço de forma permanente. A edição de 2023 do evento também está planejada para o primeiro semestre do ano.
Peças digitais, impacto real
A moda 3D também impacta diretamente na produção de peças físicas. A tecnologia 3D permite reduzir a necessidade de amostras, tornando o processo mais ágil, sustentável e integrado ao marketing.
“Além de terem um propósito de se tornarem moldes de corte, mais tarde é um material que vai ser utilizado em comunicação como ativações digitais, imagens para e-commerce, vídeos, fashion filmes, interações em realidade aumentada e virtual”, explica Henrique Assis, do estúdio de moda digital Studio Acci (que já realizou trabalhos com a varejista Riachuelo e com a agência de modelos avatares TheDiigitals).
Marcas como Tommy Hilfiger e Calvin Klein já digitalizaram quase toda a produção, com o auxílio de estúdios como a The Fabricant. No Brasil, uma das pioneiras no tema é a varejista de moda Renner, que lançou recentemente sua primeira coleção projetada de forma digital.
“Com o digital conseguimos fazer as criações, ajustar as modelagens e gerar alterações em tempo real, o que possibilita reduzir tempo de desenvolvimento, fluxos logísticos e também o uso de amostras, garantindo a otimização dos recursos”, diz Fernanda Feijó, diretora de Estilo da Lojas Renner. “Hoje é possível ver em 3D o que antes só era possível confirmar produzindo amostras físicas das peças”.
Tudo isso abre caminho para novas experiências imersivas. Em 2021, a marca lançou seu espaço no game Fortnite. Em 2022, fez seu primeiro desfile virtual e inaugurou uma loja em 3D para acompanhar a nova coleção. “Com toda a pesquisa, preparação e experimentação que fizemos nos últimos anos, estamos aptos a entregar produtos 100% digitais, como skins para jogos e peças digitais para fotos”, afirma Fernanda.
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