Salários menores, menos vagas e pior para novatos: esse é o novo mercado de tecnologia no Brasil

Onda de demissões em massa nos últimos anos mudou realidade de desenvolvedores e programadores

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Foto do author Guilherme Guerra
Atualização:

Salários menores, menos vagas disponíveis e cenário pior para novatos. Essa é a realidade que desenvolvedores e programadores têm enfrentado no mercado de tecnologia do Brasil. Há quatro anos, em meio ao impulso digital causado pela pandemia de covid-19, esse cenário parecia impossível. Mas não é o que acontece hoje, após as milhares de demissões em massa que tomaram o setor nos últimos anos.

“O mercado de trabalho corrigiu as distorções nos salários após os layoffs”, explica Filippe Apolo, um dos coordenadores do estudo “Guia Salarial Tecnologia 2024″, realizado pela consultoria brasileira Fox Human Capital, da qual o executivo é fundador e sócio. O material foi publicado em maio e traz um panorama atual sobre o mercado para profissionais de tecnologia no Brasil, abordando salários para diferentes categorias, de CEOs a funcionários celetistas. “Antes, estava desequilibrado e irracional. Havia uma discrepância nos salários. E o mercado corrigiu o excesso de profissionais recebendo muito dinheiro.”

Desenvolvedores e programadores novatos enfrentam cenário mais tortuoso no mercado da tecnologia, após onda de demissões de 2022 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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A correção começou em 2022. Esse foi o ano em que se deu início à alta dos juros globais e em que as companhias de tecnologia começaram a notar menor demanda por seus serviços digitais, altamente utilizados durante a pandemia de covid-19. O cenário desafiador forçou essas empresas a buscar maior eficiência na operação, bem como reduzir custos, realizando demissões e enxugando áreas que não eram tão lucrativas. Consequentemente, equipes ficaram menores, e a demanda por novos profissionais diminuiu.

Desenvolvedores e programadores notaram essas mudanças. Acostumados com a tradicional fartura de salários altos e benefícios corporativos, de repente se tornou comum ver esses profissionais anunciando demissões e buscando emprego nas redes sociais. E, segundo eles mesmos, a bonança de antes não existe mais. A torneira secou.

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O guia salarial da Fox Human aponta para mudanças nas faixas salariais para essas categorias de profissionais em tecnologia. Salários para desenvolvedores full stack, front end e back end com mais tempo de carreira (sênior) subiram, em média, 12% de 2022 para 2024. Já os juniores e plenos viram encolher em 14,5%, em média. Veja o gráfico abaixo.

Profissionais seniores ou até plenos estão mais requisitados do que antes, conclui o estudo da Fox Human. Com orçamentos menores, as empresas optam por contratar menos, mas com mais racionalidade – o que significa atrair pessoas com mais experiência que possam lidar com problemas maiores e possam ter melhores habilidades socioemocionais melhor desenvolvidas. Esses, diz a consultoria, continuam em alta demanda pelo mercado de trabalho.

Já os profissionais juniores são os mais afetados. Até 2022, indivíduos com seis meses de experiência conseguiam ser aceitos em vagas que remuneravam acima da média do mercado, já que as empresas estavam mais dispostas a preencher lacunas e a treinar candidatos. Hoje, o pêndulo da balança de negociação mudou e essas categorias estão sendo preteridas pelos mais experientes.

O mercado corrigiu o excesso de profissionais recebendo muito dinheiro

Filipe Apolo, sócio da consultoria Fox Human Capital

“A turma contratada a peso de ouro ficou disponível no mercado. Com o excesso de oferta de profissionais, os salários se equilibraram”, explica Apolo. Isso significa que as companhias de tecnologia agora têm mais poder de barganha para escolher os novos funcionários, e a preços mais baixos do que antes.

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Para compensar, começou a ser reforçada a ideia do que a Fox Human chama de “salário emocional”. O termo refere-se ao conjunto de benefícios que vão além do holerite mensal, como assistência médica, vale-transporte, vale-refeição e afins. Outro fator é o ambiente de trabalho, o que inclui o enfoque em saúde mental e em políticas de trabalho remoto.

“No momento em que os salários estão em baixa, olhar para o salário emocional é uma forma de atrair bons profissionais. Nossas empresas precisam ‘sambar’ mais para competir com as empresas que pagam em dólar, trazendo diferenciais como programas de diversidade, por exemplo”, diz o executivo. “Salário emocional é acolhimento, perspectiva, benefício. A companhia que não tiver vai perder competitividade no mercado.”

Filippe Apolo é sócio e fundador da consultoria Fox Human Capital Foto: Divulgação/Fox Human Capital

Impacto da inteligência artificial

Com a popularização da inteligência artificial (IA), o mercado de tecnologia começa a adentrar no que se espera ser uma verdadeira revolução no trabalho. A nova forma de automação deve mudar não só a maneira como trabalhamos em escritórios, mas também como desenvolvedores e programadores atuam no mercado – em alguns casos, eles podem ser substituídos inteiramente por essas ferramentas.

“Os profissionais que repetem funções mais repetitivas estão mais ameaçados”, explica o sócio da Fox Human. “Há três anos, um desenvolvedor demorava três a quatro horas para codar uma linha. Hoje, com IA, ele demora 20 ou 30 minutos para realizar o mesmo trabalho.”

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Além disso, o estudo da Fox Human aponta que a IA deve aumentar a necessidade por mão de obra qualificada em tecnologia. Profissionais dessa área devem ser ainda mais escassos, já que as competências e habilidades para manusear IA unem outros conhecimentos, como ciência da computação, matemática e estatística. Ou seja, a demanda por pessoas especializadas vai continuar crescendo, enquanto outras partes do mercado podem encolher.

“A inteligência artificial é a maior revolução no mercado de tecnologia desde a criação da internet”, aponta Apolo. “É o mesmo rebuliço daquela época.”

Tecnologia sempre vai ser um terreno fértil para novos talentos

Filipe Apolo, sócio da consultoria Fox Human Capital

Ainda assim, a ausência de cursos especializantes, a concorrência com empresas estrangeiras (que remuneram em dólar, com salários mais competitivos) e a altíssima demanda por digitalização em todos os setores da economia devem manter programadores e desenvolvedores em alta na próxima década.

“Tecnologia sempre vai ser um terreno fértil para novos talentos”, diz. “Essa é uma tendência firme para os 5 a 10 anos.”

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