O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), apresentado ao governo federal no último dia 30 de julho, coloca a inteligência artificial (IA) como um passo fundamental para o País alavancar áreas como economia, saúde, educação e meio ambiente. O domínio nacional dessa tecnologia, diz o documento, pode ajudar o Brasil chegar à soberania digital.
O PBIA estipula que o Brasil deve desenvolver sua própria tecnologia de IA, desde a estruturação dos bancos massivos de dados utilizados para treinar as máquinas até o desenvolvimento de centros de dados (data centers) e de um supercomputador nacionais. O plano espera tornar o País mais independente de tecnologias estrangeiras, hoje em sua maior parte vindas dos Estados Unidos.
O conceito de soberania digital vem sendo utilizado pela União Europeia e por países como China, Chile e Rússia, além do Brasil, para alavancar serviços de infraestrutura considerados críticos para o desenvolvimento econômico de uma nação.
Exemplo recente disso foi a pane na CrowdStrike, empresa americana de cibersegurança que teve de consertar, às pressas, uma atualização defeituosa que paralisou 8,5 milhões de computadores Windows, instantaneamente, por todo o mundo – hospitais tiveram de cancelar cirurgia, aeroportos cancelaram voos e bancos não conseguiam operar.
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“O Plano de IA (do Brasil) vem justamente tentar compensar o problema da infraestrutura física digital, promovendo investimentos em data centers, e investimento em capacitação de profissionais de tecnologia”, explica Jaqueline Trevisan Pigatto, coordenadora de governança e regulação da organização Data Privacy Brasil.
Um dos aspectos do PBIA é a criação de uma nuvem brasileira, na qual informações essenciais e sensíveis de cidadãos brasileiros possam ser armazenadas e processadas numa estrutura física em território nacional, seguindo a legislação do País. Atualmente, dados do sistema do governo (gov.br) são alocados na Amazon Web Services (AWS), serviço de nuvem da Amazon.
Soberania digital não é como fechar fronteiras ou proibir usos, mas sim dizer que há alternativas
Luca Belli, advogado e professor da FGV
Para o advogado Luca Belli, professor de Direito na Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-Rio), estruturar um serviço de nuvem nacional “é um caminho lento, mas não impossível”. Ele frisa que, quando se fala em soberania digital, não se trata de se isolar tecnologicamente, e sim criar escolhas.
“Criar uma nuvem brasileira é uma demanda mais que justa”, explica Belli, coordenador do CyberBrics, centro de pesquisa da FGV que estuda políticas de cibersegurança com foco nos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). “Não é como fechar fronteiras ou proibir o uso de AWS, Microsoft Azure e Google Cloud (as três maiores companhias de nuvem do mundo), mas sim dizer que há alternativas”
Juntas, essas três corporações americanas somam mais de 60% da participação do mercado de nuvem global, segundo dados da consultoria Synergy Research Group, especializada nesse segmento. Outros nomes incluem a Oracle, Alibaba, Salesforce e IBM, todas com menos de 5% cada.
Tradição no Brasil
A soberania digital não é um assunto exatamente novo no Brasil. Mas o conceito ganhou força em 2013, quando o americano Edward Snowden revelou, por meio de documentos vazados, que a agência nacional de segurança dos Estados Unidos utilizava estrutura de telefonia e de internet para espionar países, inclusive aliados como o Brasil, para obter informações confidenciais.
Jaqueline Pigatto, da Data Privacy Brasil, explica que o escândalo tornou o País um dos pioneiros nas legislações sobre direitos digitais. Primeiro, com o Marco Civil da Internet, de 2014. Depois, com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018. E, agora, com as discussões sobre uma regulamentação da inteligência artificial no Congresso. “Esse histórico legislativo está fortalecido”, diz.
Além disso, o Pix, sistema de pagamentos instantâneos implementado pelo Banco Central em 2020, é um ótimo exemplo “fantástico” de soberania digital no Brasil, explica Belli, da FGV.
“Antes, o Brasil era refém de Visa e Mastercard para pagamentos eletrônicos digitais, processados por duas empresas estrangeiras. Elas tinham o duopólio da coleta de dados dos indivíduos e de todas as empresas que vendem qualquer produto”, explica. “O Pix destruiu essas empresas? Não. Mas criou alternativas.”
Luca Belli acrescenta, no entanto, que implementar softwares, como o Pix, é mais simples do que investir em centros de dados ou num supercomputador, que demanda capacidade técnica de hardware – mais custo, portanto. E que outras ações de soberania digital devem ser observadas, como gestão de dados, criação de algoritmos próprios, conectividade, capacidade computacional, eletricidade, cibersegurança e capacitação e regulação de riscos.
“A lei, sozinha, não serve para nada. Ela precisa ser acompanhada de todos os elementos que compõem a soberania digital. Do contrário, pode ser só fachada”, explica Belli.
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