A lógica do TikTok fez com que a internet funcionasse em outra frequência: vídeos de apenas alguns segundos são os mais buscados pelos usuários de redes sociais. Agora, porém, filmes e séries de sucesso com horas de duração também são exibidos ilegalmente na plataforma e, para acomodar as produções dentro dos limites de tempo do app, os vídeos são fatiados em até centenas de partes de poucos minutos.
Alguns desses vídeos se tornaram hits de visualizações na plataforma pela adaptação ao formato com números que ultrapassam 40 mil visualizações. Pelo X, ex-Twitter, vários relatos de usuários que já assistiram pelo menos um filme ou série indicam a tendência.
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Uma dessas contas no TikTok encontrada pelo Estadão disponibiliza uma playlist com títulos variados. Um deles, o filme “Invasores”, distribuído pelos estúdios Warner, está completo na plataforma. O filme de 2007 tem 99 minutos e foi dividido em 13 partes de tamanhos diferentes.
Séries também são alvos dos perfis que se dedicam a fatiar as produções em pequenos clipes. A brasileira “Cangaço Novo”, do Prime Video, foi um dos alvos encontrados pela reportagem. Uma das séries mais assistidas do serviço de streaming da Amazon, “Cangaço Novo” é uma produção exclusiva da plataforma, que tem assinatura de R$ 15 mensais. No TikTok, um perfil publicou a série em 146 partes — cada vídeo com, mais ou menos, 3 minutos.
Outra conta se dedica a publicar episódios de séries internacionais famosas, como a produção “The Big Bang Theory”, com mais de 10 capítulos postados no perfil. Cada episódio tem por volta 20 minutos mas, na plataforma, é dividido em vários clipes de pouco menos de cinco minutos. As visualizações, em alguns casos, ultrapassam a casa dos 20 mil. A série “Breaking Bad” é outra que também está dividida no app.
Para que driblem a política de direitos autorais do TikTok, muitos desses vídeos acompanham modificações nas telas como molduras, pequenos cortes ou até mesmo uma divisão da tela que mostra, ao lado do filme, uma pessoa fazendo alguma outra atividade — como pintar quadros ou jogar algum game.
A estratégia usada por esses perfis também é publicar os vídeos aos poucos. Alguns informam na própria descrição da conta que apenas cinco ou seis clipes serão publicados por dia. Ao fazer isso, esses perfis escapam da “fiscalização” e conseguem chegar à mina de ouro das rede sociais: visualizações, curtidas e compartilhamentos, que permitem que essas contas continuem em alta e engajando na plataforma.
Conteúdo pirata
Mesmo que pareça inofensivo, o fatiamento de produções inteiras é uma violação de direitos autorais, segundo Sydney Sanches, advogado especializado no assunto. Mesmo vídeos de poucos segundos postados avulsos podem ser considerados infrações. Segundo ele, no entanto, difícil é manter o controle de muitos vídeos curtos dentro da plataforma.
“É difícil pela própria natureza dessas plataformas. São plataformas que dependem dos próprios usuários para construir a sua base (de conteúdos). Isso dificulta o controle”, explicou Sanches.
De acordo com o TikTok, conteúdos que não são de autoria do perfil estão passíveis de punição na plataforma com a suspensão da conta. “Nossos Termos de Serviço e as Diretrizes da Comunidade não permitem publicar, compartilhar ou enviar qualquer conteúdo que viole ou infrinja os direitos autorais, marcas registradas ou outros direitos de propriedade intelectual de terceiros”, afirma a empresa nos termos de política de uso da plataforma.
“Se identificarmos uma violação de nossa Política de Propriedade Intelectual, removeremos o conteúdo da plataforma. Notificaremos o denunciante e a pessoa denunciada sobre a ação tomada”, informou a empresa. Ainda assim, não é difícil encontrar os conteúdos na pesquisa do app. Procurada pela reportagem, a empresa não comentou sobre casos específicos de reprodução de séries e filmes.
(Redes sociais) são plataformas que dependem dos próprios usuários para construir a sua base (de conteúdos). Isso dificulta o controle”
Sydney Sanches, advogado especializado em direitos autorais
O problema de violação de direitos autorais não é novo para plataformas de vídeo. O YouTube também já passou por problemas do tipo ao longo dos anos. Atualmente, a plataforma oferece aos donos de canais uma ferramenta chamada Content ID, um sistema de identificação de conteúdo automatizado. A ativação e uso desse recurso é de responsabilidade dos perfis — inclusive se forem estúdios e distribuidoras. “Se o usuário receber três avisos de direitos autorais em 90 dias, a conta e os canais associados serão encerrados”, explicou a empresa nos termos.
Ainda assim, plataforma não está totalmente livre de conteúdo pirata. Vídeos de filmes completos também podem ser encontrados no site, com pouca ou nenhuma modificação no conteúdo. Segundo a companhia, os casos que não são identificados pelo Content ID são analisados internamente para verificar se o canal possui a licença para exibir o conteúdo de terceiros.
A Warner, dona dos direitos de algumas das séries que foram colocadas no TikTok, não quis comentar sobre o assunto. A reportagem também procurou os estúdios Disney, o Prime Video e a Netflix, mas não obteve resposta até a conclusão da matéria.
Apesar de a reportagem não ter encontrado conteúdos do tipo no Instagram, a empresa afirmou em comunicado que não permite a publicação de vídeos com violação de direitos autorais e que possui ferramentas para identificar a infração.
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