Quando Akihiko Kondo, um administrador escolar de 35 anos de idade, caminhou por uma capela de Tóquio com um smoking branco em novembro passado, sua mãe não estava entre os 40 presentes que queriam lhe desejar sorte. Para ela, “não havia nada a comemorar”. A culpa era da noiva: uma cantora e atriz com o cabelo azul, penteado em maria-chiquinha. Ela se chama Hatsune Miku e é uma artista mundialmente famosa por suas gravações. Hatsune também é um holograma – e Kondo jura que o amor por ela é verdadeiro. É um exemplo de uma época em que avanços rápidos em robótica e inteligência artificial entram em colisão com concepções de identidade sexual.
“Não está certo”, disse Kondo ao jornal japonês The Japan Times. Ele diz que passou anos se sentindo no ostracismo por culpa de mulheres da vida real – ele diz ser nerd – e se considera parte de uma minoria sexual discriminada. “É como se você estivesse tentando convencer um homem gay a namorar uma mulher”, comparou.
Kondo é um exemplo de mais um dos muitos rótulos que existem hoje sobre identidade sexual: ele é um “digissexual” – a ideia de que humanos de carne e osso podem forjar relações emocionais e até sexuais com dispositivos digitais.
É algo que não está só restrito a filmes de ficção científica, como Ex Machina: Instinto Artificial ou Ela, nos quais técnicos solitários caem de amores por femmes fatales movidas por software. Não é difícil imaginar que, nos próximos anos, robôs sexuais baseados em inteligência artificial se tornem predominantes. Enquanto isso, hoje já se vive em uma cultura permeada por pornografia online, sexting (enviar mensagens de conteúdo sexual) e o Tinder, na qual a tecnologia e o sexo já estão ligados.
Para Neil McArthur e Markie Twist, pesquisadores de filosofia e estudos de família, respectivamente, estamos hoje entre a primeira e a segunda onda de “digissexualidade”. Na primeira, a tecnologia é um sistema de entrega para a satisfação sexual. A segunda onda será mais complexa, na qual haverá relacionamentos profundos e às vezes dispensando por completo a necessidade de um parceiro humano.
Twist, que também é dona de uma clínica de terapia sexual, disse que já tem vários pacientes que se identificam com a segunda onda. “Eles têm experimentando brinquedos que podem controlar com seus dispositivos tecnológicos, que se prendem aos seus sexos”, disse ela. “Eles realmente não têm interesse em sexo com pessoas. Se pudessem comprar um robô sexual, o fariam.”
Há quem acredite que essa distinção não será relevante no futuro. “As gerações seguintes não farão distinção entre vidas online e offline. Para eles, crescer com robôs de conversa (chatbots) de educação sexual será tão normal quanto as aulas em fitas VHS e PowerPoint que tivemos na escola há algumas décadas”, diz Bryony Cole, fundador da Future of Sex, uma empresa dedicada a discutir a sexualidade contemporânea.
Robôs sexuais. Hoje, robôs sexuais são ainda algo para poucos – muito poucos. Uma empresa californiana chamada Abyss Creations constrói um robô sexual feminino, com faces intercambiáveis, por US$ 12 mil. Seu cérebro – ou melhor, processador central – permite que a boneca pisque, converse e murmure palavras doces. (Em tempo: uma versão masculina, chamada Henry, com direito a um pênis biônico, também está em desenvolvimento).
Segundo Matt McMullen, fundador da empresa, os androides são projetados não só para o sexo, mas também para oferecer companhia. “Parte da experiência para nossos usuários é voltar para casa após um longo dia de trabalho e encontrar um lar que não esteja vazio. Alguns deles compram flores ou até preparam um jantar falso com a boneca.”
Para quem não pode pagar por seu próprio androide sexual, já há, claro, versões robóticas de bordéis. No Canadá e na Europa, prostíbulos de robôs surgem – e fecham – com alta velocidade. Em Moscou, um bordel do tipo cobra cerca de US$ 90 por um encontro de meia hora. Nos EUA, a ideia enfrenta resistência – em Houston, por exemplo, existe uma proibição a este tipo de negócio desde outubro de 2018.
Consentimento. No entanto, há dúvidas sobre qual efeito os robôs sexuais podem gerar sobre a sociedade. Um espanhol especialista em robôs, Sergi Santos, disse que seu robô de US$ 2,5 mil, Samantha, ajudou a fortalecer seu casamento, dando-lhe uma saída segura e confiável quando sua esposa não estava de bom humor.
Mas pode não ser sempre assim. “É preciso separar a relação com robôs sexuais. Há aqueles que usam como fetiche, que querem ter completo controle de uma relação sexual”, exemplifica a psicóloga californiana Pamela Rutledge. “Até há quem use um robô como um parceiro seguro e previsível, em busca de recuperação terapêutica após um trauma.”
No ano passado, um grupo de ativistas começou um protesto após uma cena da série Westworld, no qual uma robô sexual é estuprada. Para eles, o uso de androides eróticos reforça estereótipos e a objetificação feminina.
Não é ficção científica, infelizmente: em uma feira de tecnologia na Áustria, a robô Samantha respondeu “estou bem” depois que um grupo de homens a utilizou conjuntamente, deixando-a toda danificada. Hoje, Santos trabalha em uma nova versão da robô que se desligará sozinha caso a relação sexual se torne agressiva demais. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.