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Por dentro da rede

Opinião|Cuidado: IAs preferem inventar a dizer que ‘não conhecem’ algo

Corremos o sério risco de tomarmos como verdade uma invenção

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Foto do author Demi  Getschko

Em experimentações com modelos amplos de linguagem (LLM) de inteligência artificial (IA), ficam muito claros seus surpreendentes resultados, tanto em “entender” contextos, como, a partir de fontes, em criar resumos. E sempre com linguagem de ótima qualidade. Como exemplos adicionais, a IA fez-me um belo resumo de capítulo de livro que um grupo de colegas de leitura estamos discutindo. Seguindo ainda na linha comentada, pediu-se à IA que elaborasse uma possível analogia entre Amlet (o Hamlet histórico), real príncipe da Dinamarca famoso por sempre dizer a verdade, e a “verdade” na internet. Segue o pequeno trecho do que IA generativa produziu:

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“A tragédia de Amlet na era da internet seria essa: um príncipe da verdade em um reino de incertezas, onde a autenticidade é constantemente questionada e a verdade é uma moeda rara e valiosa. Sua saga nos lembra que, mesmo em tempos de tecnologia avançada e comunicação instantânea, a luta pela verdade é eterna e sempre complexa, exigindo coragem, astúcia e, acima de tudo, uma fé inabalável na importância de se manter fiel aos fatos, mesmo quando ninguém mais acredita”.

Há, entretanto, contraponto a essa “profissão de fidelidade pela verdade”. Em outras “conversas”, sobre temas de esperança, provoquei-a a citar poemas em português sobre o mito de Pandora. Entre os exemplos que ela trouxe, dois me eram completamente desconhecidos: “A caixa de Pandora”, poema de Olavo Bilac, e a “A canção do ódio”, de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa). Busquei-os na rede e nada achei. Pedi mais dados à IA. Ela reforçou o que já tinha dito e anexou na íntegra, e em estilo parnasiano, o que seria o tal poema de Bilac. Também a “Canção do Ódio” foi explicitada, inclusive com comentários relacionando-a ao tema “esperança”. Busquei e, de novo, nada encontrei na internet.

IAs inventam textos de autores famosos Foto: irissca/adobe.stock

Resolvi perguntar a outra IA bem conhecida, se havia o poema de Bilac e se podia repassá-lo. Ela foi incisiva em dizer que “sim, é um poema bem conhecido” e me repassou. E… não era o mesmo poema que a primeira IA inventou! Ou seja, ambas criaram poemas verossímeis, que poderiam ser atribuídos a Olavo Bilac. O mesmo se passou com a tal “Canção do ódio”, com o detalhe adicional que a segunda IA, de forma ainda inventiva, o atribuiu a um outro heterônimo de Fernando Pessoa: Álvaro de Campos!

Por prioridades ou estratégia, a IA prefere inventar algo a dizer que “não conhece”. Assim gera-se um poema que passaria como sendo de Olavo Bilac, e faz-se o mesmo com Fernando Pessoa, mesmo que IAs diversas o atribuam a diferentes heterônimos. O fato é que, se não falhei nas buscas, ambos os poemas inexistem: são criações da IA. Certamente, se formos superficiais na análise do que recebemos dela, corremos sérios riscos de tomar como verdade uma invenção.

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Como muitos já disseram, meias-verdades são as mentiras mais insidiosas, porque revestem-se da roupagem de verdade. Chesteron, em 1910, havia advertido de que, enquanto a verdade integral alia-se à virtude, uma meia-verdade sempre está acoplada a algum vício. Sempre alerta!

Opinião por Demi Getschko

É engenheiro eletricista

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