Em ano de comemoração dos 150 anos do Estadão, reminiscências: foi em maio de 1996 que aceitei convite, via Júlio Moreno, para me juntar ao vibrante time da Agência Estado e encarar os desafios da informação em tempo real. Quanto aos dilemas de hoje, na qualidade e disseminação da informação, e no papel dos meios das inúmeras e acaloradas discussões que tínhamos, uma vem à mente. Nela o saudoso Sandro Vaia postulava “nosso negócio é informação!”, e era rebatido por Rodrigo Mesquita: “nosso negócio é estimular cadeias de relacionamento”.
Foi em 1996 que John Perry Barlow escreveu “a Declaração de Independência do Ciberespaço”, e que o ritmo das mudanças que a internet traria passou do rápido ao vertiginoso. Outro texto dele, anterior, merece uma revisitada, especialmente em tempos de inteligência artificial (IA): “Vendendo vinho sem garrafas: a economia da mente na rede global”, de 1992.
Começa citando Tomás Jefferson: “Aquele que recebe de mim uma ideia, instrui-se sem me diminuir. Como o que acende seu lume de minha vela: recebe luz sem enfraquecer a minha. As ideias devem circular livremente no mundo, para que os homens se iluminem mutuamente.”
Barlow discorre sobre como lidar com valores num mundo digital que dispensou o continente… O “vinho digital” vem sem garrafa, sem rótulo, sem forma de armazenar na adega… É mais parecido com uma “ideia” do que com algo material. Por isso, conceitos de posse ligados à matéria tem muita dificuldade em se reajustar aos tempos digitais. E, no salto para IA, isso fica ainda mais claro, por exemplo, ao examinarmos o tal “aprendizado de máquina”. Afinal, no aprendizado humano os conceitos que formamos e nossa capacidade de expressão vêm das experiências que tivemos. A IA tem potencial de “aprender” e, com isso, ajudar a que mais pessoas produzam conteúdo de qualidade.
Isso esbarra em modelos econômicos tradicionais, baseados na exclusividade material. Ou seja, se é sempre necessário remunerar adequadamente os criadores, não se deve tolher o aprendizado. Esse artiguete, por exemplo, valeu-se de uma coleção de vivências, leituras, e das conclusões delas tiradas, sejam elas acertadas ou não ao olhar do leitor.
Em analogia com a tal discussão na AE vem outro ponto de Barlow: o mundo de “substantivos” mudou para um mundo de “verbos”. A economia será baseada mais em relacionamentos do que em posse. “Ter” uma informação é menos crítico do que poder participar de seu fluxo contínuo. Informação é um elemento fluido e imaterial, desvinculado dos “recipientes” físicos. O próprio Barlow sugere que, se alguém quiser manter-se isolado e garantir a privacidade, que use amplamente criptografia forte. Tecnologia e ética podem nos proteger mais que leis.
Boa parte do que estamos debatendo hoje já estava esboçado no texto de 1992, mesmo que boa parte do idealismo original tenha sido ofuscado. Essa novo mundo de “verbos” certamente pede a revisão de legislações que ainda supõem a existência de “garrafas” marcando valor. Segundo Barlow, há conceitos que precisariam ser revisados a partir do zero.