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Por dentro da rede

Opinião | Que a internet livre não passe por uma reavaliação

Protótipo da internet nasceu com os princípios da época: libertária, aberta e resistente a ingerências de governos

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Foto do author Demi  Getschko

Não sei por que a terça-feira de Carnaval seria “gorda” (ou “gordurosa”), mas podemos atribuir a culpa aos franceses. Aliás, a referência me provoca uma viagem de mais de 50 anos, para um filme muito característico daquela época: o Sem Destino (Easy Rider, no título original). Com uma sensacional trilha sonora, ir participar do Mardi Gras, em Nova Orleans, nos EUA, era um dos objetivos centrais da dupla de motoqueiros Wyatt e Billy, que protagoniza o filme. Lá o Carnaval seria intensamente celebrado, nas fortes cores locais.

Há um interessante paralelo que se poderia traçar com a Internet, e que vou me arriscar a esboçar aqui. Inicia-se por identificar o clima da época, o “zeitgeist”, como diriam os alemães. Estamos em 1969 e Internet nos informa que Sem Destino foi lançado em 14 de julho. Apenas tres meses depois, a Arpanet, mãe da Internet, seria declarada “viva”: a data quando se deu a primeira troca de pacotes entre computadores está cravada em 29 de outubro de 1969 (às 22:30, para ainda maior precisão…). E, ainda, entre esses dois eventos, em agosto do mesmo 1969, houve o festival de Woodstock, símbolo máximo do movimento de contracultura hippie. E o agitado ano de 1969 ainda veria a Apolo 11 colocar o primeiro homem na lua, em 29 de julho…

A Internet nasceu como uma rede com características libertárias, sem um centro de controle, aberta a todos que se voluntariassem, e resistente a ingerências de governos

Certamente os jovens cientistas e os recém-graduados envolvidos no projeto Arpanet não estavam isolados de seu tempo. Assim, nasceu uma rede com características libertárias, sem um centro de controle, aberta a todos que se voluntariassem, e resistente a ingerências de governos. A melhor descrição talvez seja a expressa na Declaração de Independência do Ciberespaço, de John Perry Barlow, fevereiro de 1996, quando, já há mais de década, a Arpanet tinha passado o bastão à Internet.

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Sem Destino merece uma revisitada, porque não se resume a uma intensa descrição do contraste e da tensão entre o que era a sociedade americana semirrural e conservadora, e o movimento de contracultura. Mesmo sendo narrado por protagonistas do movimento hippie, há contrapontos importantes no filme: a ida a Nova Orleans, até para fazer dinheiro vendendo drogas, mostra situações dúbias, quando eles se envolvem em orgias com consequências imprevistas, mesmo sendo Carnaval. O encontro com comunidades também gera questionamentos e duvidas em posicionamento e objetivos pessoaia: conseguir uma vida feliz e despreocupada, aposentando-se antes dos 30 anos em algum lugar na Flórida...

A icônica seqüência final, ao som da “balada de Sem Destino”, termina com o confronto fatal dos protagonistas com gente agressiva do centro-oeste norte americano da época, e com a morte dos motoqueiros. Mas, pouco antes desta cena, há um incômodo diálogo entre Wyatt e Billy ai redor de uma fogueira. Enquanto Billy está animado com o próximo sucesso da empreitada, “conseguimos!”, Wyatt, interpretado por Peter Fonda, rebate, com pessimismo e desilusão: “We blew it…”. Algo como “estragamos tudo”!

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Que a evolução da Internet, nascida à época de Easy Rider, nunca justifique esse tipo de reavaliação.

Protótipo da Internet nasceu com os princípios libertários da época Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 13/4/2020
Opinião por Demi Getschko

É engenheiro eletricista

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